
As regras do Pacto de Estabilidade europeu podem obrigar Portugal a "compensar" alguns novos desvios na despesa pública que já se perfilam no horizonte, a médio prazo (até 2028, final da legislatura, se esta chegar ao fim), no valor de 4000 milhões de euros.
De acordo com cálculos do DN a partir de dados fornecidos pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) e pelas Finanças, é o equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) ou a mais de sete vezes o valor previsto no Orçamento de 2025 (OE 2025) para medidas parcelares de recuperação e aumento de salários em vários setores da Função Pública (523 milhões de euros até 2028, segundo o Ministério das Finanças (MF).
De acordo com a análise do CFP ao Plano Orçamental Estrutural Nacional de Médio Prazo (POEN-MP 2025-2028), o documento que o governo enviou à Comissão Europeia (CE) há cerca de duas semanas, a discrepância detetada deve-se a três eventos orçamentais de grande magnitude que, diz o CFP, devem materializar-se com elevada probabilidade. TGV, despesa militar, novos encargos na saúde pública.
Se assim for, exige o novo Pacto, o governo terá de arranjar forma de compensar logo esse afastamento da rota da consolidação orçamental com medidas de valor equivalente no lado da despesa pública (cortes) ou no lado da receita (aumento de impostos, por exemplo).
De acordo com o Conselho presidido por Nazaré Costa Cabral, a capacidade de o governo manter saldos orçamentais próximos do equilíbrio ou excedentários "aparenta ser fundamental para uma execução do Plano [enviado a Bruxelas] compatível com o novo enquadramento", isto é, com as novas regras para as contas públicas, na prática mais apertadas do que na versão anterior do Pacto.
Portugal, é ponto assente para o CFP, vai ser capaz de gerar excedentes nos próximos anos, mas "este excedente, no entanto, não é imune a uma evolução desfavorável do ciclo económico".
Além disso, "um saldo acumulado da conta de controlo próximo do limite superior permitido (e sensível à estimativa para 2024)", como emergiu dos cálculos do CFP, "limita a possibilidade de aprovação de medidas adicionais de incremento da despesa sem compensação equivalente (em outra despesa ou na receita)".
Os eventos esperados
De acordo com o novo estudo, ontem divulgado, as despesas com a linha ferroviária de alta-velocidade, os gastos militares e de segurança adicionais a que Portugal se verá obrigado para cumprir os seus deveres com a NATO e gastos novos em Saúde que hoje não constam são surpresas orçamentais de valor muito relevante à espreita que, assim, podem atrapalhar o referido ajustamento e equilíbrio das contas públicas, que para o CFP é "fundamental".
Embora este POEN seja feito numa base de políticas invariantes (ou seja, a partir de 2026 assume-se que não há novas medidas de política, apenas os efeitos das medidas já aprovadas até agora, como também não se integram os efeitos na economia de reformas e investimentos do PRR - Plano de Recuperação e Resiliência), o Conselho das Finanças, que é presidido por Nazaré Costa Cabral, considerou útil catalogar uma série de despesas e ver o que aconteceria se estas fossem inoculadas no modelo de projeção.
Segundo o CFP, estes riscos são "materialmente relevantes para a evolução da despesa" e a sua probabilidade de concretização "é elevada".
"Entre estes riscos contam-se o impacto orçamental da linha de alta velocidade Porto-Lisboa (LAV), a despesa com defesa e segurança tendo em consideração os compromissos internacionais assumidos por Portugal, e a despesa com funções sociais, concretamente a saúde", enumera o CFP, só para citar os que considera mais relevantes.
"Este conjunto não exaustivo de pressões corresponde a aproximadamente 1% do PIB", uma sobrecarga na despesa que, pelas contas do Conselho das Finanças, "acrescentaria cerca de 2,5% ao nível da despesa líquida no ano de 2028, criando dificuldades no cumprimento da trajetória sem medidas compensatórias".
Despesa em alta velocidade
"A informação disponível publicamente aponta para que o encargo líquido das PPP (parcerias público-privadas), nomeadamente com empreitadas, sinalização e telecomunicações, comece a ganhar relevância nos anos de 2027 e 2028, podendo alcançar os 0,1% e os 0,2% do PIB, respetivamente."
Segundo o Ministério das Finanças, a projeção oficial atira o PIB nominal português para 318 mil milhões de euros em 2027 e 330 milhões em 2028, donde a fatura emergente com o TGV implica 318 milhões e 660 milhões de euros em 2027 e 2028, respetivamente. Total: 978 milhões de euros a mais em despesas ainda não compensadas, como pede o Pacto.
"Ora, tal coincide justamente com o biénio no qual o compromisso assumido por Portugal para o crescimento da despesa líquida é mais restritivo", avisa o CFP.
Gastos militares em força
O CFP não tem dúvidas: "A despesa com defesa nacional terá de aumentar" para cumprir o compromisso assumido junto dos Aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês), em 2014.
Deste compromisso "deverá decorrer uma pressão para a despesa pública, pois a afetação à Defesa Nacional, de forma sustentada, de 2% do PIB, exigirá um aumento desta despesa em torno dos 0,5 pontos percentuais (p.p.) do PIB (aproximadamente 1650 milhões de euros a preços de 2028), encargo esse que não se encontra contemplado nesta projeção em políticas invariantes apresentada pelo CFP", explica o estudo.
Saúde mais cara
"A prestação de cuidados com saúde coloca pressões acrescidas sobre a despesa pública". O CFP olhou para "o cenário de risco do Ageing Report", da Comissão Europeia, e notou que este "incorpora um crescimento mais dinâmico da despesa em linha com as tendências mais recentes e capta o impacto de fatores não demográficos (inovações tecnológicas, novos tratamentos e equipamentos de diagnóstico) e institucionais (alargamento dos cuidados prestados)".
"Neste contexto, a despesa com saúde e cuidados continuados pode, em 2028, agravar-se cerca de 0,4% do PIB face ao cenário central do exercício", projeta agora o CFP. Pelas contas do DN, são mais 1320 milhões de euros a preços desse ano, quando é suposto terminar esta legislatura.