“Países francófonos são uma grande alternativa aos de língua portuguesa”

Uma missão empresarial a Marrocos dá o mote para a entrevista a Bruno Bobone, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa
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Élan, plataforma, Hub. Foram estas as três palavras mais repetidas durante uma missão empresarial a Marrocos, que decorreu de domingo a quinta--feira e que o Dinheiro Vivo acompanhou em exclusivo.

Em Casablanca, aterraram 14 empresas portuguesas à procura de oportunidades. A missão foi organizada pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), presidida por Bruno Bobone, em parceria com a Associação Empresarial Nersant e a Câmara de Comércio Indústria e Serviços de Portugal em Marrocos. A viagem ao Norte de África deu o mote à entrevista com Bruno Bobone, realizada em dois continentes: primeiro na Europa, em Lisboa e na sede da CCIP, e depois em África, na cidade de Casablanca.

Neste país onde reina uma monarquia constitucional as oportunidades são muitas, o país tem um crescimento de quase 5% previsto para 2017, mais de metade dos 34,4 milhões de cidadãos são jovens, o consumo está a crescer e as obras públicas e a construção também, sem falar na indústria que está a disparar, sobretudo a automóvel.

Investir, exportar, lucrar. Tudo é possível neste país, desde que, como dizem os marroquinos, “não se mexa no palácio”, ou seja, no status quo dominado pelo rei Mohammed VI.

O rei já tinha recebido este ano o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa. As portas ficaram abertas e agora João Vasconcelos, secretário de Estado da Indústria e que acompanhou esta missão, reforçou essa abertura. Foi recebido por um representante do rei, também pelo ministro da Indústria, Comércio, Investimento e Economia de Marrocos, Moulay Hafid Elalamy, e por governadores regionais e autarcas. Destacou o “novo élan nas relações entre Portugal e Marrocos” e anunciou “visitas empresariais setoriais para 2017”.

Os empresários, que o Dinheiro Vivo acompanhou no terreno, fizeram contactos, fecharam parcerias e todos manifestaram a intenção de voltar. Como diz Bruno Bobone, na entrevista que se segue, “Marrocos é o caminho óbvio, a apenas 14 quilómetros da Europa, e tem muito por fazer”.

Porquê a aposta neste mercado francófono, quando Portugal sempre teve mais facilidade em fazer negócios nos países lusófonos?

Portugal esteve focado na Europa. Depois escolhemos e, muito bem, os países lusófonos, onde tínhamos maiores oportunidades. Infelizmente, condições externas diminuíram a capacidade de esses mercados nos continuarem a dar um caminho de desenvolvimento e as empresas começaram à procura de alternativas. Os portugueses são muito mais competitivos em mercados em desenvolvimento, têm experiência acumulada e o caminho para Marrocos é óbvio. Não só porque é quase nosso vizinho, e daí merecer a nossa atenção, como tem uma dimensão de 34 milhões de habitantes e uma economia em desenvolvimento, o que é fundamental à decisão para a internacionalização. Tem ainda uma outra qualidade: é uma plataforma para o investimento nos países africanos de expressão francesa, que são uma grande alternativa aos países de língua portuguesa para as nossas empresas. Só que a facilidade que tivemos em entrar nos países lusófonos, não vamos conseguir exatamente igual nos países francófonos. Porém, se formos através de Marrocos, que é francófono e que tem uma entrada especial nesses países, conseguiremos ter um acesso mais fácil a esses mercados.

A que países é que se está a referir?

Costa do Marfim, Senegal... Nos países francófonos que, mais ou menos rapidamente, vão começar a desenvolver-se. Aí vamos ter oportunidades, mas Marrocos também é, em si mesmo, um mercado para Portugal. Marrocos tem várias outras vantagens, como a mão-de-obra que ainda é barata e que pode trazer valores competitivos e uma economia em desenvolvimento.

Quantas empresas portuguesas já têm negócios com Marrocos?

Sei que em 2016 exportaram para Marrocos 1238 empresas. Marrocos é o nosso 10.0ºcliente e o 36.0ººfornecedor. Se formos para lá produzir podemos aumentar o papel de Marrocos como fornecedor de Portugal. Fundamentalmente a instalação é que é importante. Há algumas empresas que já estão instaladas, como a Frulact que já está a produzir; a Simoldes que quer fazer um grande investimento (de 55 milhões de euros), e a Amorim Florestal. No futuro, gostaríamos de criar uma rede entre os investidores que já foram para Marrocos. As empresas portuguesas têm imensa qualidade, não há razão para os marroquinos não escolherem parceiros portugueses, mas tem de se criar a tal rede para dar a conhecer pessoas e investimentos e, a partir daí, começar a criar.

Que oportunidades concretas há em Marrocos e em que setores?

A agroindústria é uma área que nos interessa muito, para produzir produtos com mais-valia. Temos também o têxtil e a área da construção. Estas são as mais óbvias e imediatas, mas a perspetiva é que possa ir além disso. Não vamos deslocalizar de Portugal aquela indústria mais intelectual, que queremos manter por cá, mas sim as mais tradicionais e que terão capacidade de fazer investimento em Marrocos.

A metalomecânica made in Portugal tem entrado em vários países do mundo. Terá oportunidades em Marrocos?

É uma área em que Portugal é muito forte, tem um sucesso extraordinário. A probabilidade de internacionalização é enorme. Também a indústria dos sapatos, os componentes automóveis e a cortiça, em que somos claramente o número um. Temos de acreditar mais em nós e levar os nosso projetos mais longe. E é isso que temos de fazer em Marrocos, ajudando a desenvolver aquela economia, que pensa crescer qualquer coisa como 4,8% em 2017, valor muito significativo e que pode projetar muito os projetos e empresas portuguesas. Depois é criar parcerias e entrar em países da África francófona. Se nos focarmos nestes vetores vamos ter mais sucesso do que se formos abrangentes e quisermos vender qualquer coisa.

A França, ex-colonizador, será um forte concorrente de Portugal. Como analisa a relação de negócios França-Marrocos?

Acho que a França perdeu muito da relação que tinha com Marrocos; está a tentar recuperá-la. Claramente tem que ver com o passado do domínio territorial e terá também que ver com alguma postura de afastamento, convencendo-se de que iriam necessitar menos de Marrocos, que estava ali na sua mão... ou pelo facto de França ter feito investimento noutros países no Norte de África que, eventualmente, correram mal e ter considerado que era tudo a mesma coisa. Mas não é, Marrocos conseguiu marcar a diferença em relação a outros países, mantendo-se organizado, estável e com abertura ao exterior. Como Portugal não tem essa ligação, de ex-colonizador, poderá até ter vantagem.

Que objetivos foram alcançados nesta missão empresarial, que terminou na quinta-feira?

Primeiro, já há muita gente a falar de um mercado do qual não se falava tanto. Segundo, atraiu muitas empresas. Terceiro, conseguiu que o governo com a Câmara de Comércio e Indústria acompanhasse os empresários, para a ajudá-los a crescer. E quarto, todos estes empresários fizeram contactos que podem vir a trazer negócios.

Que conselhos pode dar aos empresários que querem exportar e/ou investir em Marrocos?

Preocupem-se em conhecer a cultura, porque um erro na cultura é o falhanço do projeto, e em olhar para esse projeto com seriedade e continuidade, com um futuro grande. Marrocos não pode ser um projeto para ir buscar vantagens de imediato. Vai ser um projeto que terá um retorno a longo prazo. Se fizerem coisas mal estruturadas, não vão ter sucesso e, além disso, vão deixar um mau nome prejudicando os restantes investidores e o país.

Em 2017 as missões empresariais passarão por que mercados?

Estão todos identificados, estamos a fazer os planos e a fechar o orçamento, mas terão de ser apresentados à direção. Não vamos fugir daquilo que é o óbvio: os mercados onde os portugueses têm mais capacidade de entrar, serão os mercados como o de Marrocos e os da América Latina. Onde os portugueses fazem a diferença é nos mercados menos desenvolvidos, em que conseguimos fazer trabalho extraordinário.

No passado, as missões em geral eram vistas mais como viagens de turismo do que de negócios. Que resultados concretos foram alcançados nas missões de 2016, da CCIP?

Vamos fazer o balanço no final do ano. No passado, por vezes as empresas não vinham, porque achavam que iam gastar dinheiro e depois podia não valer a pena. Então a Câmara comprometeu-se com as empresas a fazer missões pequenas e acompanhando os empresários nas suas reuniões, e garantindo que, se ao fim de dois anos não tiverem feito qualquer negócio com aquele país que visitaram, a Câmara lhes paga a viagem. E nestes 10 anos não pagámos nenhuma viagem. Não quer dizer que todas tenham feito negócios, mas todas acharam que valeu a pena.

Quais as metas incluídas no plano estratégico da CCIP para 2017?

O objetivo é fazer mais do que fizemos, que é aquilo que nos faz mover. Temos previsto para 2017 cerca de 27 missões empresariais, 10 seminários e seis formações, tudo focado na internacionalização. O ano passado fizemos 14 missões, levámos 102 empresas a vários países, como a Alemanha, EUA, Argélia, Cuba, Irão, Panamá, Polónia, Bielorrússia, Jordânia, Singapura, etc. Neste momento estamos a pegar em alguns destes países para fazer uma segunda missão - por exemplo ao Irão, em que não basta ir uma vez, é preciso ir repetidamente para ver e aprender. E estamos a lançar missões a uma série de países novos. Curiosamente, há 10 anos tentámos fazer missões a novos mercados e o empresário português não estava muito virado para esses projetos, era complicadíssimo. Neste momento, fomos criando esse conhecimento e o empresário português está muito disponível para encontrar novos mercados, já percebeu que é esse o caminho. Onde houver dinheiro, nós vamos lá! Onde não houver, não vale muito a pena, porque vamos perder tempo.

Falando de futuro, o que esperar de mercados como Angola e Moçambique para 2017?

Estes mercados vão melhorar. Já tiveram a queda resultante de fatores internos e externos. O preço do petróleo obviamente é um dos fatores que podem condicionar e nesse aspeto vão estar sujeitos a essa evolução. Tenho alguma expectativa de que países como a Arábia Saudita não possam manter o preço tão baixo e que por isso sejam capazes de fazer alguma retoma. O que é importante para os empresários portugueses é compreenderem que esses destinos irão naturalmente voltar a ter mercado, mas não vão voltar a ter aquela velocidade de crescimento que tinham e nem é saudável que o tenham. Temos de ter alguma esperança mas vai ser devagar.

Em relação à América Latina, onde vê maior potencial?

No México, claramente, que é uma potência enorme, muito desenvolvida e muito capaz. É o país mais óbvio para as empresas portuguesas, apesar de parecer muito distante e das pessoas não conhecerem tanto. Depois a Colômbia e o Peru, que estão num caminho positivo, mas que não têm nada que ver com a economia mexicana, que tem um desenvolvimento muito superior. Penso que o Brasil vai ser um mercado interessante para voltar a olhar, apesar de os portugueses terem algum receio pelas experiências passadas. Acho que o Brasil vai mudar muito com esta revolução que teve. A Argentina está a começar de novo e, portanto, é uma oportunidade. O mercado latino-americano tem um potencial enorme.

E o Chile e Cuba, país que recentemente recebeu a visita do Presidente da República e de empresários?

O Chile já tem bastante estrutura, para ir é preciso ser muito competitivo. Cuba é um país interessante, tem tudo por fazer mas ainda vai demorar. É uma oportunidade para a qual tem de se olhar.

Se tivesse de eleger um país para investir hoje na América Latina, qual seria?

O México é o país que mais capacidade tem de abrir oportunidades às empresas portuguesas. E isso acontece a nível multissetorial. As construtoras já avançaram muito, mas ainda há espaço para fazer investimentos e é aí que nós temos de procurar a nossa especialização e a nossa capacidade de entrar nesses mercados.

A jornalista viajou a convite da CCIP

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