Palavras [e telhados], leva-as o vento

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Na passada quarta-feira, o ministro da Economia, Pedro Reis, esteve no Caramulo, num encontro com empresários que, durante uma manhã, estiveram a refletir sobre como se pode valorizar o interior. Num país do tamanho de Portugal, a inevitável constatação de que “o interior é Madrid” não faltou, e foram realçadas as elevadas assimetrias regionais que continuam a existir.

Nessa noite, o centro e o sul de Portugal foram varridos pela depressão Martinho, que depois seguiu caminho para Norte, atirando ao chão árvores, postes de eletricidade, levando telhados e privando de energia elétrica centenas de famílias, sobretudo na zona das grandes cidades. Foi também nas áreas densamente urbanizadas que se registou o maior número de ocorrências.

O fenómeno não é novo, não apanhou ninguém de surpresa – a Proteção Civil emitiu alertas com tempo de antecedência e em várias plataformas, e todas as equipas de socorro estavam em prontidão por todo o país. À semelhança do que aconteceu em Espanha e, mais recentemente em Itália, a força dos elementos está cada vez mais intensa e os fenómenos extremos são cada vez mais recorrentes. Contra isso, ainda há muito que se possa fazer – mas o que tem efeitos a curto prazo exige medidas muito musculadas de Estados e empresas em todo o mundo, e estes tardam em dar sinais de que já entenderam o real impacto da ação humana no equilíbrio do planeta. E, além disso, é preciso uma ação concertada das nações em volta do globo, o que no atual contexto não parece ser possível.

Mas uma das coisas que se tornou óbvia durante aquela manhã no Caramulo é que há decisões que estão ao nosso alcance, e que podem, pelo menos, ajudar a mitigar os efeitos das intempéries: naquela região proliferam empresas grandes, das quais a Visabeira e a Feedzai são apenas dois exemplos. Nascidas em Viseu e em Coimbra, respetivamente, são ambas empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares, que não tiram os seus centros de decisão das cidades onde foram fundadas, e que têm conseguido formar, captar e reter recursos humanos fora de Lisboa ou do Porto. Têm trabalhado com as universidades, estão pouco dependentes do poder público – uma clara vantagem em tempos de crise política – e continuam a crescer assentes numa estratégia de procura pela máxima qualidade, máximos retorno financeiro e consequente oferta de condições dignas de trabalho.

Combater a desertificação do interior não é uma vantagem apenas para as regiões mais afastadas do litoral: é também algo absolutamente necessário para tirar pressão dos centros urbanos.

As consequências do mau tempo nas cidades não acontece porque a tempestade, quando passa por elas, se agrava, mas sim porque saturámos terrenos e habitações, porque arrancámos da malha urbana elementos naturais que são importantíssimos para garantir o equilíbrio da Natureza. Retirando pressão, não apenas conseguimos todo um país mais rico e mais equilibrado em termos de distribuição de recursos, como garantimos o regresso a alguma qualidade de vida nas cidades. E consequências menos gravosas para todos.

O teletrabalho ou o trabalho híbrido vieram facilitar muito a vida a quem pondera abandonar os grandes centros urbanos, permitindo uma espécie de mudança mais gradual, sem perder rendimentos. As empresas têm feito um bom trabalho nesse sentido, mostrando-se cada vez mais flexíveis, porque percebem que os melhores talentos não se podem perder por motivos de localização geográfica.

Mas para que a mudança aconteça com mais pujança, é preciso que o Estado volte a garantir que há boas escolas e serviços de saúde em zonas onde, atualmente, eles escasseiam. Essa é a parte que as empresas não podem fazer – apesar de, na Saúde, já estarmos a ver esse movimento – e é fundamental para conseguir fixar jovens famílias fora daquelas que ainda são vistas como as únicas opções de crescimento profissional.

Em tempo de campanha eleitoral, usemos estes fenómenos para nos recordar das prioridades de um país que, de facto, é demasiado pequeno para ser tão desigual. É preciso passar das palavras às ações, porque são estas que têm fundações que lhes permitem não ser arrancadas pelos ventos.

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