Pandemia agrava custo das PPP das estradas, mas valoriza as da Saúde em 2020

UTAO diz que as Finanças deixaram de prestar contas sobre as PPP há mais de meio ano, o que pode configurar uma violação da lei. Finanças culpam os constrangimentos provocados pela pandemia.
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A pandemia de covid-19 teve um efeito diferenciado no custo das parcerias público-privado (PPP) que os contribuintes têm de pagar.

Os negócios das estradas ficaram mais caros em 2020 por causa da quebra no tráfego decorrente dos confinamentos, mas as parcerias na área da saúde valorizaram devido à maior procura por parte dos utentes, indica o Ministério das Finanças, na Conta Geral do Estado de 2020 (CGE2020), divulgada recentemente.

Os encargos líquidos com as estradas subiram fortemente no ano passado (mais 7%), tendo ascendido a 1110 milhões de euros.

A quebra de receitas (por haver menos circulação nas estradas, sobretudo nos dois grandes confinamentos de 2020), foi a principal responsável pelo agravamento do desequilíbrio financeiro.

Assim, o encaixe das PPP rodoviárias (receitas) afundou quase 20% no ano passado. Contas feitas, o universo das parcerias nas estradas custou quase mais 70 milhões de euros em 2020 face ao final de 2019, indica a CGE2020.

A maioria das PPP rodoviárias existentes foi lançada e depois herdada dos governos PS de José Sócrates. Estes projetos têm lesado os contribuintes em muitos milhões de euros todos os anos.

Neste grupo de PPP, temos as concessionárias, empresas com as quais o Estado assinou um contrato de parceria, em que se compromete a pagar sempre que houver um desvio negativo nos custos ou nas receitas face a um cenário de referência assumido inicialmente).

Um dos grandes, senão o maior problema para os contribuintes, foi o facto de esses pressupostos iniciais estarem mal calculados, subestimando muito o custo efetivo para o Orçamento do Estado.

PPP das estradas

Algumas dessas empresas privadas que gerem as estradas ou autoestradas em modelo PPP são Transmontana, Norte, Norte Litoral, Interior Norte, Costa de Prata, Grande Porto, Douro Litoral, Pinhal Interior, Beira Litoral, Beira Alta, Beira Interior, Litoral Centro, Litoral Oeste, Baixo Tejo, Baixo Alentejo. A Lusoponte, que gere as duas pontes sobre o Rio Tejo, também é uma PPP, a mais antiga de todas em Portugal.

Segundo explicam as Finanças de João Leão, no setor rodoviário, houve uma redução de encargos brutos, mas em 2020 registou-se também uma quebra de receitas (menos 78,9 milhões de euros, valor que fica 20% abaixo face ao que fora orçamentado para o ano como um todo).

Isto resulta "em grande medida do efeito da pandemia da doença covid-19 e das medidas restritivas à circulação de pessoas, fatores que influenciaram consideravelmente o tráfego rodoviário". A covid-19 levou à "redução da utilização prevista da rede de estradas operadas pelos parceiros privados".

"No caso dos encargos brutos, a evolução deveu-se sobretudo: (i) ao menor montante de encargos efetivamente suportados com a realização de grandes reparações de pavimento face ao valor previsto no relatório do OE2020", e a "uma evolução do Índice de Preços no Consumidor [inflação] inferior àquela que havia sido considerada para efeitos da determinação dos valores apresentados no referido relatório".

"No caso particular das grandes reparações de pavimento, o nível de execução originou poupanças superiores face ao previsto no OE2020, nas concessões da Beira Litoral/Beira Alta, Costa de Prata, Grande Porto e Norte Litoral", diz a CGE2020.

PPP da Saúde

Como referido, esta evolução desfavorável foi compensada pela área da Saúde, que reduziu muito (descida de 26%) o volume de prejuízo final a imputar aos contribuintes.

As PPP da Saúde, repartidas por vários hospitais como Braga, Loures, Vila Franca de Xira, Cascais, por exemplo, tiveram um custo líquido para o erário público de 427,5 milhões de euros. No entanto, este encargo recuou mais de 110 milhões de euros face a 2019.

O ministério explica que o contrato de gestão do Hospital de Braga, na parte relativa à entidade gestora do estabelecimento, não foi renovado e que decidiu-se não lançar uma nova parceria público-privada para este hospital.

Assim, em 2019, "o contrato, na parte relativa à prestação de cuidados de saúde, cessou os seus efeitos, revertendo para a esfera pública o estabelecimento hospitalar".

No entanto, os custos continuaram a pingar em benefício dos privados. "No ano de 2020, ocorreram ainda pagamentos referentes à atividade de anos anteriores".

O caso do Hospital de Cascais é mais complicado e já há custos de monta no horizonte, embora ainda não estejam plasmados nem na CGE, nem no OE.

O contrato de gestão de serviços clínicos caducou em 31 de dezembro de 2018 e "atendendo à complexidade e morosidade da tramitação do procedimento concursal" para lançar "uma nova parceria" foi celebrado "um aditamento ao referido contrato", pelo que este continuou a valer até 31 de dezembro de 2020.

"Entretanto, e embora sem reflexos na projeção de encargos com PPP considerada no OE2020", o governo quer adjudicar uma nova PPP nesta unidade hospitalar em Cascais.

Assim, diz a CGE, foi autorizada a realização da despesa no "montante máximo de 859,6 milhões de euros, a preços correntes, assim como a sua distribuição pelos oito anos de execução contratual que se perspetivam (o qual corresponde a um preço de referência máximo de 561,5 milhões de euros euros, em valor atualizado líquido)".

Nas PPP dos hospitais de Vila Franca de Xira e de Loures, o Estado ainda está a "avaliar as opções relativamente ao término dos respetivos contratos de gestão". Estas parcerias vigoram, na vertente clínica, até aos anos de 2021 e 2022, respetivamente", mas não estão descartas renovações dessas PPP se estas defenderem o "interesse público", diz o governo.

Finalmente, no ano passado o governo decidiu não lançar uma nova parceria para o Hospital de Vila Franca de Xira, "devendo a gestão clínica daquele hospital passar para o Estado a partir da data de término do contrato".

Já a PPP do Hospital de Loures é que tem tudo para continuar. As Finanças confirmam que em 2020 "determinou-se o início do processo de preparação do lançamento e adjudicação de nova parceria para a gestão clínica" deste hospital.

Informação em falta, acusa a UTAO

Esta mais recente Conta Geral do Estado, entregue ao Parlamento no final de junho, tem alguma informação sobre como correram as PPP em 2020, mas está longe de ser completa. Quem faz esse apuramento mais exaustivo são as Finanças, mas através da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP).

Esta semana, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) publicou uma análise relativa a 2020 sobre o Setor Empresarial do Estado, mas teve de deixar de forma todas as PPP porque as Finanças não enviaram a informação como era suposto e está previsto na lei.

A entidade coordenada pelo economista Rui Baleiras refere que "no que respeita à publicação de informação relativa a PPP, que é obrigatória à luz do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, regista-se um grande desfasamento temporal entre o momento da sua divulgação pela UTAP e o período de referência, bem como falta de regularidade nestas publicações".

Por exemplo, o último boletim trimestral das PPP correspondente ao segundo trimestre de 2020 foi divulgado a 28 de janeiro de 2021 e deste então mais nada foi produzido e divulgado pela UTAP.

Antes da pandemia, em 2019, a 3 de julho (portanto, por esta altura do ano), já estava disponível o boletim do quarto trimestre 2018 (logo, o fecho do ano, por assim dizer).

Finanças culpam a pandemia

Fonte oficial das Finanças explicou ao Dinheiro Vivo que "a elaboração dos relatórios depende de dados que são disponibilizados pelas entidades públicas gestoras dos contratos de PPP. Só após a receção dos dados remetidos pelas entidades gestoras é que a UTAP procede à validação e análise dos mesmos".

No entanto, "a situação pandémica provocou um atraso superior ao desejável na receção dos dados e na publicação dos boletins" e agora "espera-se que o atraso verificado no último ano possa estar ultrapassado em breve e que o ritmo de publicação volte ao normal".

"A tempestividade da publicação dos boletins não afeta o compromisso do Governo com a transparência na gestão dos recursos públicos", afirma a mesma fonte do gabinete de João Leão.

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