O mundo da logística e do transporte marítimo enfrenta um cenário nunca visto, sem a livre circulação de contentores e onde não há contentores livres suficientes, mesmo pagos a peso de ouro. Embora a pandemia, com todas as consequências ao nível dos confinamentos e da falta de pessoal, tenha agonizado a situação, Manuel Pizarro, partner & general manager da Zor, lembra que as debilidades do setor começaram com uma guerra comercial entre EUA e Ásia.
A pandemia trouxe igualmente grande "procura global sem correspondente capacidade de resposta". Os consumidores procuraram aumentar stock de produtos secos e embalados. "Os contentores que trazem bens de consumo da Ásia são normalmente descarregados e embarcados de volta com exportações de outras commodities. Mas faltaram navios. Foi a tempestade perfeita e está a afetar indústria e cadeias de abastecimento", diz.
As consequências não se fizeram esperar. "Os custos de transporte quase triplicaram", refere Manuel Pizarro. Com a agravante de que "neste momento não existem indicadores de que haverá descida dos preços dos contentores, fala-se mesmo que nunca mais voltarão aos níveis do passado". Na opinião de Manuel Pizarro, isto obrigará, com toda a certeza, à deslocalização das indústrias para uma maior proximidade aos seus clientes.
Os preços de transporte de mercadorias nos fretes de contentores à importação na rota Ásia/Ocidente dispararam à ordem dos 1000%, afirma Manuel Pizarro, referindo que, no sentido inverso, os preços estão a subir 100% à exportação. "Tal reflete-se num aumento de mil para 2 mil euros ou até mais num contentor de 40 pés, ou num aumento de 700 para 1400 euros num de 20 pés. E, ainda assim, tudo depende muito da disponibilidade de equipamentos e espaço no navio", aponta o gestor.
Um aumento que também é visível no transporte aéreo, "subindo para o triplo em algumas rotas".
Opinião semelhante tem António Nabo Martins, presidente da Associação dos Transitários de Portugal (APAT), quando refere que o aumento não foi igual em todas as rotas, assinalando que nas de "Ásia/Europa e Ásia/América, chegaram a subir de 2 mil para 20 mil".
A Associação Portuguesa de Logística (APLOG) dá o exemplo de um contentor de 40 pés de Roterdão para a China cujo valor passou de 1550 para cerca de 4400 dólares, um aumento de 182% em cerca de um ano. No caso do transporte de contentores dos portos da China para Roterdão, existiram aumentos superiores 500%.
E se o presidente executivo da APAT considera que o pico da subida dos preços já foi atingido, Pizarro tem opinião diferente. Para o diretor da Zor, o pico está, infelizmente, longe de ser atingido e a reorganização longe de estar estabilizada. Já a APLOG tem uma opinião "intermédia". Para a associação, com a normalização dos diferentes problemas apresentados antes, os custos dos serviços terão tendência para se irem reduzindo de forma gradual. Provavelmente, só no ano de 2023, a situação poderá estar mais perto de aquela que tínhamos antes da pandemia.
As consequências disto "estão à vista de todos", refere o presidente executivo da APAT, nomeadamente, "mais preço e menos qualidade de serviço". António Nabo Martins afirma mesmo que o índice de qualidade na prestação do serviço nunca esteve tão baixo, acrescentando que "as viagens entre Oriente e Ocidente aumentaram consideravelmente e se a estas associarmos os tempos em que as cargas "rolam" de navio para navio, de semana para semana e em alguns casos, de mês para mês, é fácil percecionar o incremento de prazos no transporte".
Nos dias de hoje, 90% do transporte de mercadorias é feito por via marítima. Desse transporte, 60% consiste em alimentos, eletrodomésticos, eletrónica e afins. Os outros 40% são matérias-primas. Face a estes números, explica a APLOG, vieram a verificar-se falta de alguns produtos nos mercados e em muitas situações faltas de matérias-primas que não permitiram realizar as produções normais dos diversos tipos de produtos.
A falta e/ou desbalanceamento de contentores, por um lado, e as perturbações nas cadeias globais a continuar, irão atrasar a retoma da normalidade em alguns mercados, constata a associação. Acrescenta que a falta de contentores está a encarecer os custos de transporte, e que a falta de recursos humanos em alguns portos - consequência ainda da pandemia, como por exemplo nos EUA - tem agravado os tempos de descarga e imobilização nos portos, contribuindo também para o desequilíbrio entre os fluxos de contentores, que terão de ser novamente reenviados para o mercado asiático.
Manuel Pizarro dá o exemplo da sua empresa, que trabalha na cadeia térmica, assegurando o transporte de materiais sensíveis à temperatura (especialmente na áreas alimentar e saúde). No caso da Zor, verificam-se cada vez mais solicitações de monitorizar a temperatura dos contentores e incluir melhores proteções térmicas de modo que haja segurança na entrega desses materiais mais sensíveis. Como refere o dirigente, são pequenas decisões que criam muito impacto na nova ordem do comércio mundial.
Portugal não escapou a todo este cenário. Se, na opinião de António Nabo Martins, é uma situação transversal a todos os setores, com especial relevância para os que estão muito dependentes do continente asiático, Manuel Pizarro constata que as empresas viram-se obrigadas a aumentar os seus stocks, de forma a poderem dar resposta à procura, e viram-se obrigadas a procurar alternativas para assegurar o transporte. Acontece que, acrescenta, durante a pandemia, o transporte aéreo esteve em muitas alturas parado, o que levou a uma procura intensa de contentores.
No caso específico da Zor, essa situação originou uma grande procura de mantas térmicas para fazer face a tempos de transporte mais longos, nos quais a qualidade e a segurança dos envios teriam de ser acauteladas. Situação que, refere o gestor, se mantém até hoje. "Em todos os setores que envolvem produtos termo-sensíveis, especialmente no mercado alimentar e no farmacêutico, houve impactos a vários níveis: maiores custos com os transportes, novas formas de transporte e novas condições para assegurar a segurança, stocks maiores e maiores esforços para os assegurar e condicionar, e novamente mais custos."
Mas, para Manuel Pizarro, para esta situação ser resolvida tem de ser encarada como uma oportunidade. No caso de Portugal, será uma oportunidade para valorizar a indústria nacional. "Não podemos depender quase exclusivamente da China, como fábrica do mundo. Devemos agora, e cada vez mais, usar o nosso conhecimento e a nossa diferenciação para entrar de novo no mercado global, com soluções mais responsáveis e mais sustentáveis, que no futuro nos podem trazer a fidelização de mercados próximos, cruciais para o crescimento da indústria em Portugal", defende o dirigente da Zor, que aponta, ainda, a necessidade - dada a especificidade do tecido empresarial português ser constituído principalmente por PME - de se ter uma estratégia colaborativa entre empresas e mercados.
A questão da subida vertiginosa do preço dos contentores é apenas um dos muitos desafios que a logística enfrenta nos dias de hoje. A par deste há que contar, como refere a APLOG, com o aumento significativo dos custos da energia, dos combustíveis, da mão-de-obra e da inflação. Como assinala a associação, o tema dos contentores, que era algo que as empresas não esperavam, mostrou que existem fatores inesperados que podem "alterar totalmente a realidade que conhecemos e criar dificuldades muito fortes, podendo em situações limite colocar em causa muitas indústrias e negócios, prejudicando fortemente as importações e exportações de uma economia pequena e aberta como a nossa".
Mas nem tudo é mau. Como refere António Nabo Martins, podemos vir a ter por via da digitalização e inteligência artificial situações mais preditivas, pois teremos sistemas informatizados que nos ajudarão a "pensar" mais rápido. É certo, acrescenta, que também há os crimes cibernéticos e que as vulnerabilidades empresariais poderão vir a ser outro fator disruptivo. Mesmo assim, o executivo considera que os novos desafios para a logística representam igualmente oportunidades. Opinião subscrita por Manuel Pizarro ao afirmar que só com decisões baseadas em informações fidedignas em tempo real e o reagir atempada e adequadamente será possível responder a este aumento de custos e à atual carência de materiais.