Para fazer à tarde em Lisboa: Palolo oposto de parolo

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E de repente percebemos que no pequeno Portugal

do Estado Novo havia quem fizesse filmes pop.

Cowboys, sapos, mulheres e pernas de mulheres,

muitas pernas de mulheres. Mesmo ao lado, Napoleão, uma Vénus de

Milo, outra de Botticelli. Um anúncio de jornal: "Vestidos

Bordados". Por cima, como que por acaso, lê-se, "Prisão de

Ventre". Sobreposição, desconstrução, reconstrução. Num

primeiro momento, faz lembrar as animações de Terry Gilliam para os

Monty Python, realizadas mais ou menos na mesma altura, o final dos

anos 60.

Depois vemos Hitler, Marlene Dietrich, rostos

de revistas de moda estrangeiras, Polanski e Sharon Tate, já em

Super 8, já no início dos anos 70, já com Marcello Caetano à

frente do Governo. Tudo por António Palolo (1946-2000), reconhecido

pintor eborense, obscuro autor de filmes experimentais. Até 9 de

Setembro, a Culturgest mostra 12, realizados entre 1968 e 78, dos

2"48"" aos mais de 95 minutos de "OM". Não são inéditos,

mas por pouco.

Se "o passado é um país distante", como

escreveu Sérgio Godinho, o que dizer do passado recente? Quem

imaginaria que no Portugal parolo dos livros de história havia pelo

menos um artista a fazer filmes como se vivesse em Londres ou em Nova

Iorque?

Nos anos 70, Palolo começa a tender para o

esoterismo e para a metafísica. É obsessivo na experimentação:

captação de luz, efeitos visuais. Trabalha com "truques de trazer

por casa", explica num vídeo de apresentação o comissário

Miguel Wandschneider. "É verdadeiramente espantoso como consegue

produzir imagens tão cativantes, tão exuberantes, tão espantosas

(...) Grande parte do "OM" foi feito misturando tintas e líquidos

na banheira de sua casa."

"OM" (1977-78) fecha a exposição e a obra

cinematográfica de Palolo. Logo no início do filme, uma citação

de Rudolph Steiner explica o título: "a parte conhecida da palavra

sagrada, sopro originador de tudo o que existe." Assistimos ao

início do cosmos, à origem das coisas, a criação. Mais de hora e

meia de imagens misteriosas acompanhadas apenas pelo ruído branco

dos projetores. Estamos na penumbra de uma sala da Culturgest

refrigerada pelo ar condicionado. Lá fora é Verão na cidade, cá

dentro é um mundo à parte.

Segredo: Pode espreitar alguns dos filmes de

Palolo no Youtube, mas são gravações clandestinas com pouca

qualidade.

Pormenor: O bilhete de 2euro dá acesso a uma

segunda exposição, "Jeff Geys - As Sombras de Lisboa".

Filmes", Culturgest, Rua do Arco do Cego, até 9 de Setembro,

segunda-feira a sábado das 10h às 18h

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