"É isso que está ali: os trabalhadores, por exaustão, vão fazer cair o capitalismo global, involuntariamente. E acabam por ser heróis políticos". Em entrevista ao jornal Público, Beatriz Batarda, a protagonista do último filme de Marco Martins, "Great Yarmouth: Provisional Figures", produz esta afirmação inquietante. E como tudo o que é inquietante deve fazer-nos refletir, neste caso sobre o atual estado do mundo do trabalho, seja o do submundo da emigração, retratado no filme, seja o do mercado de trabalho legalizado e oficial.
Ainda que por razões políticas aquilo a que assistimos neste momento no país leva-nos a pensar que há um empoderamento da força de trabalho que se estende das classes profissionais mais diferenciadas (professores, médicos, trabalhadores da Justiça) às menos qualificadas e que tem como consequência a paralisação de setores de atividade da maior importância para o funcionamento do país.
As razões são conhecidas de todos: melhores salários e melhores condições de trabalho. E por melhores condições de trabalho falamos tanto de fatores tangíveis como horários, turnos, meios ao dispor, como do que eventualmente não é tão percetível ao exterior mas que o é para a própria pessoa ou pessoas: a falta de respeito pelo indivíduo consubstanciada em situações que vão desde a ausência de autonomia e de responsabilidade, à atribuição de culpas quando surgem erros, até uma pressão extrema para se atingirem resultados, pressão que, frequentemente, é necessária apenas por ineficiência de processos de trabalho.
Num clima influenciado de forma explosiva por uma pandemia, seguida de inflação, de uma guerra e de que mais, ainda não sabemos, é difícil desbravar tanto nevoeiro e fácil perder a clareza. Mas uma coisa é certa, as lideranças vão ter de aprender a fazê-lo e até a reinventar os seus modelos de negócio.
A tomada de consciência dos líderes começa a ser visível, mas é curioso notar que os seus efeitos estão a ir em direção aos jovens que entram agora no mercado de trabalho ou que têm apenas alguns anos de experiência, como se estivessem a lidar com o mais fino cristal. Desde o regime híbrido de trabalho até ao totalmente remoto, passando por bonificações caso permaneçam mais de dois anos na empresa, a imaginação para atrair e manter uma geração que adotou o "quiet quitting", i.e., o tradicional das nove às cinco e a mais não sou obrigado, está imparável. É como se houvesse duas velocidades na gestão (e não estou a falar de diferentes estilos adaptados às circunstâncias), uma que teima em não levar em conta que as pessoas querem ser tratadas como adultas e outra que está a querer adaptar-se ao inevitável: o mundo do trabalho já não é o que era e pode até colapsar. Será que essa adaptação vai exigir que as duas velocidades se aproximem em vez de se situarem nos extremos?
Consultora em Pesquisa e Desenvolvimento de Talento