Enfim, tinha um benefício para não votar. Quem a pode condenar? Sobretudo quando não se lembra, nem sabe, o que é viver noutro tipo de regime; quando tem por garantidos os benefícios da democracia e não conhece, na pele, os malefícios de outros regimes. Para ela a democracia é como a água: é só abrir a torneira que corre. Mas não é assim.
A democracia não é o estado natural das sociedades humanas. A ditadura, o cada um por si, a lei do mais forte são sistemas que saem mais naturalmente à espécie, sistemas que resultam da natural luta pela sobrevivência individual. A democracia não é tão natural: é mais complexa, trabalhosa, burocrática; tenta conciliar, a bem, o individual e o colectivo. É contranatura.
Uma democracia vive de votos. Sem eles não há democracia nem legitimidade para o sistema existir. Se a participação cair dos 50% haverá sempre lunáticos a encontrar legitimidade para pregar o absurdo e o mal.
Eu gosto da democracia. Não gosto da maior parte dos meus representantes nem dos nossos partidos, mas acredito em algumas pessoas e gostava de ter mais escolha. Ora isso só acontece havendo mais consumidores de democracia, mais votantes. Só se o mercado crescer. E só há duas maneira de haver mais gente a votar: obrigada ou convencida.
Será mais democrática a segunda maneira, mas é mais cara. É preciso mais marketing, é preciso "revender" a ideia democrática, uma ideia que está hoje esquecida e que corre o risco de se tornar uma ideia velha; e o voto, uma coisa de cotas.
A democracia é tão contranatura como lavar os dentes e, tal como as crianças são, para bem delas, obrigadas a lavá-los até estarem habituadas, também as nossas crianças grandes deviam ser obrigadas, ou melhor, convencidas e educadas a votar; até se habituarem ao mais higiénico dos gestos democráticos. Caso contrário já se sabe onde isto vai parar. A nossa democracia está cheia de cáries e, se nada fizermos, daqui a pouco está sem dentes.
O que me leva a perguntar:
Para que serve a Comissão Nacional de Eleições? Sobretudo entre eleições.
Não deveria promover, com competência, junto dos públicos que abandonaram ou nunca foram à urna, o gesto democrático?