Parabéns Angela! 40 coisas que devia saber sobre Merkel

Cara de póquer, sorriso de Gioconda ou estudada timidez? Porventura as três. De outra maneira: o que nos esconde a chancelerina alemã Angela Merkel? Muito, decerto.
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Da primeira metade da sua vida, passada na República Democrática Alemã, prevalece uma tácita gestão do silêncio. Uma estratégia há muito identificada pelos psicólogos: "Nunca fales de nada até que seja estritamente necessário." Da segunda parte, que se inicia em Dezembro de 1989, breves semanas após a queda do Muro de Berlim, sobressai a cobiça do poder e um cálculo frio, gélido, cruel, por vezes maquiavélico, que não cultiva qualquer tipo de lealdades.

As duas eras somadas, e como elas são bem distintas entre si, convertem Frau Merkel num animal político tão raro quão bizarro. Único. Eis alguns dos traços mais surpreendentes daquela que já é apelidada de "Rainha não coroada da Europa". Afinal, só o detalhe quântico, a especialidade da chancelerina, para tentarmos desvendar a muralha de emoções e pensamentos detrás do seu rosto esfíngico.

1. Apelido

Angela é Merkel desde 3 de Setembro 1977, quando casou na cidade de Templin com Ulrich Merkel, o seu primeiro marido. Estudante de Física em Leipzig tal como ela, embora um ano mais velho, Ulrich confessa ter ficado surpreendido ao ser-lhe comunicado, quatro anos mais tarde, que Angela está de partida. Quer o divórcio. Aquilo do casamento não era para ela. Sério demais. Do apartamento comum em Berlim Oriental, Angela levará apenas a máquina de lavar e... o apelido de Ulrich, bem mais sonante do que o seu Kasner de solteira. Até hoje.

2. Rasputina

Assim é conhecida na Berlim política Beate Baumann, de 50 anos, a principal confidente de Angela Merkel. É também a chefe de gabinete da chancelerina, a qual acompanha intimamente há mais de duas décadas. Não tem filhos. Tem uma devoção cega à chefe. Odeia ser fotografada. Sabe guardar segredos. Retoca os discursos e nada deve à diplomacia. Cultiva a praticidade ao extremo: tem cabelo que não precisa de levar escova, adora a Escócia mas veste sempre calças, opta por sapatos rasos, maquilhagem nem pensar e adornos ainda menos. É considerada a segunda mulher mais poderosa da Alemanha. E quiçá da Europa.

3. Sauna

Entre a queda do Muro de Berlim, na tarde de 9 de Novembro de 1989, e uma sauna, Angela optou pela segunda. Era o seu ritual de quintas-feiras. Indiferente à surdina que crescia nas ruas de Berlim Oriental, vai primeiro a banhos com uma amiga na Thalmann Sauna. Uma vez terminada, ainda se dirigirão à cervejaria Zur Alten Gaslaterne, a meros 50 metros. Só ali, entre uma Berliner Pilsner, as deliciosas almôndegas e o pepino marinado, se decide a ir espreitar o que estava a acontecer na Ponte de Bornholmer.

4. Traição

O dia 22 de Dezembro de 1999 ficará para sempre gravado na História da Alemanha. À revelia dos seus dois chefes directos, Helmut Kohl e Wolfgang Schäuble, envolvidos num escândalo de financiamento, a então secretária-geral da CDU escreve um violentíssimo artigo de opinião no Frankfurter Allgemeine Zeitung: "O partido tem de aprender a andar, deverá aventurar-se no futuro mesmo sem Helmut Kohl, o seu velho cavalo de combate, como muitas vezes é apelidado, e combater os seus adversários políticos." Mata dois coelhos numa só cajadada. Seis meses depois já é presidente da CDU.

5. Russo

A língua russa foi uma das primeiras paixões de Angela Merkel. Tamanha motivação fê-la frequentar o clube de russo de Templin, Todos os domingos visita o apartamento socialista da professora Erika, que encara aquela jovem de 14 anos como um pequeno prodígio. Estava preparadíssima para as Olimpíadas da Língua, que vencerá com facilidade ao nível local, provincial e nacional. Ainda admite seguir línguas, tal como a sua mãe Herlind, professora de Latim e Inglês, mas num regime comunista as Ciências Naturais eram bem menos comprometedoras.

6. Canadianas

Nas fotos percebe-se que Angela Merkel está deprimida. Estamos em 1992 e a jovem ministra faz-se acompanhar por uma par de canadianas vermelhas. Com a inconsequente pasta da Mulher e da Juventude, vemo-lo num momento de dupla fragilidade: Angela não se adapta imediatamente ao sistema capitalista e, bem pior, acaba de partir uma perna. A coordenação motora não é o seu forte.

7. Escócia

É o país favorito de Beate Baumann. Mais importante: um dos principais delfins políticos de Angela Merkel é filho de um natural de Glasgow. Nem mais, David McAllister, o ex-ministro-presidente da Baixa Saxónia é meio-escocês. Propôs casamento à mulher nas margens do lago Ness, o do monstro, casou-se de kilt, é adepto fervoroso do Glasgow Rangers e adora irn-bru, a outra bebida nacional dos escoceses para além do uísque. O seu slogan de campanha: "I am a Mac!"

8. Pequeno-almoço

A chancelerina diz adorar preparar o pequeno-almoço ao seu actual marido, Joachim Sauer. É um gesto matinal de ternura, independentemente do stress no gabinete. A prova renovada da carga simbólica e peso calórico do frühstuck na continental cultura prussiana. Por vezes comenta-o com outros Chefes de Estado e de Governo, tal como aconteceu numa visita de Estado à Nigéria. Consta que o presidente Goodluck Jonathan não entendeu bem o alcance.

9. Dacha

A casa de campo nos arredores de Templin é uma das instituições favoritas de Angela. Sempre que pode, passa lá os fins-de-semana com o marido. É um território benigno onde pode cozinhar a sua famosa sopa de batata, rolo de carne ou tarte de ameixa. Joachim Sauer aproveita para fazer a revista de imprensa e vai debitando os seus pensamentos sobre Berlim e o mundo. Merkel assegura que é um excelente conselheiro. Foi também na dacha de Templin que, há três anos, um desequilibrado mental furou a segurança a lhes bateu à porta. Por duas vezes. A Alemanha preocupou-se com a segurança da sua líder.

10. Agenda 2010

Lançada em 2003 pelo então chanceler federal Gerhard Schröder, é um pacote legislativo aprovado no Bundestag e inspirado na célebre Estratégia de Lisboa, firmada três anos antes pelos Estados-membros da União Europeia. Visa introduzir reformas no prazo de uma década. Dentre muitas, flexibilizar as leis laborais, combater o desemprego e promover a competitividade das empresas alemãs. Tem um impacto duplo: se Schröder perde as eleições em 2005 em grande parte pela deserção da esquerda do SPD, Angela Merkel recebe de bandeja as reformas que revitalizam a economia alemã.

11. Wolfgang Schäuble

O actual ministro das Finanças da CDU foi durante anos visto como o delfim político de Helmut Kohl. Quem, afinal, poderia ter travado a ascensão meteórica de Angela Merkel no aparelho democrata-cristão. As relações entre ambos só desanuviaram recentemente. Primeiro, Angela chutou-o para canto com o artigo no Frankfurter Allgemeine Zeitung: ainda hoje ninguém sabe responder onde parou uma mala com 100 mil marcos entregues a Schäuble. Depois, em 2004, Angela travou as suas aspirações de ser escolhido Presidente federal. Viver sentado numa cadeira de rodas desajuda.

12. Baviera

Uma das batalhas mais duras de Angela. Já presidente da CDU, teve de lidar com a testosterona bávara da CSU, o partido irmão dos democratas-cristãos. Edmund Stoiber, o seu líder, impôs-se em 2002 como candidato da CDU/CSU às legislativas. Perdeu por margem mínima nas eleições federais e insinuou-se para repetir em 2005. Nem pensar.

13. Cães

Uma das principais fobias de Angela Merkel. Manipulador nato e conhecedor do tema, sempre que com ela se encontra, Vladimir Putin não perde oportunidade de trazer o seu pujante labrador retriever. De resto, a bem treinada Koni, assim se chama a cadela do Kremlin, revela uma curiosidade descomunal pela chancelerina.

14. Catarina, A Grande

É a heroína de Angela Merkel, que tem no seu gabinete um retrato da czarina da Grande Rússia. Sente afinidades. Várias. Sophie Friederike Auguste von Anhalt-Zerbst-Dornburg, assim se chamava Catarina II, nasceu e cresceu na Pomerânia prussiana. São ambas filhas de pais profundamente luteranos. Triunfam em ambientes masculinos hostis dos quais não são nativas. E têm uma paixão pela língua russa.

15. Futebol

É uma das cartas favoritas de Angela, já apelidada A Chancelerina do Futebol. Recém-eleita, em 2006 teve a sorte de "presidir" ao Europeu de Futebol, cuja organização coube à Alemanha. Muito se falou da sua proximidade com o então seleccionador Jürgen Klinsmann, das visitas aos balneários, dos esgares no camarote VIP ou da personalidade que um dia convidaria para jantar. Quem? Vicente del Bosque, nem mais, o homem que levou Espanha a vencer a Copa do Mundo de 2010 e o Euro-2012.

16. Clã De Maizière

É um dos maiores enigmas da Bundespolitik. Será Thomas de Maizière, hoje ministro da Administração Interna, sempiterno escudeiro de Angela, quem a lança na alta política. Estamos em 1990. Thomas, que tem a mesma idade da chancelerina, apresenta-a ao seu primo Lothar de Maizière, que acaba de ser nomeado ministro-presidente da República Democrática Alemã. Angela passará a ser a sua sub-porta-voz. Uma vez reunificada a Alemanha, trepará depressa no aparelho da CDU, e sempre com Thomas na sua sombra.

17. Polónia

Afinal, Angela Merkel também tem sangue eslavo. Gosta de brincar com isso quando se sente mais melancólica, embora a assunção de que o seu avô paterno era polaco seja recente. Mais: o seu apelido original, Kasner, é uma corruptela de Kazmierczak. Assim que de Poznan se mudou para Berlim, o avô Ludwik decretou que a família se deveria germanizar a 100 por cento.

18. Telemóvel

Governar por SMS é uma das idiossincrasias de Angela Merkel, sobretudo com o seu gabinete. Também já apanhou um susto quando trocou mensagens de texto com Sigmar Gabriel, o secretário-geral do SPD. Eram sobre a eleição do Presidente federal e transpiraram para a imprensa. Daí que, do seu Nokia E63 tenha evoluído recentemente para um BlackBerry de última geração munido de um software ultracriptado desenvolvido por uma empresa de Düsseldorf.

19. Bundesbank

Ou Buba, como também é conhecido na Alemanha. A sua ortodoxia é proverbial, no que é encarado como uma perpetuação do trauma da híper-inflação de 1922 e 1923, quando bens e serviços duplicavam o seu preço a cada quatro dias. O seu actual presidente é mais próximo de Angela do que por vezes é sugerido. Durante cinco anos, entre 2006 e 2011, Jens Weidmann foi o sherpa económico da chancelerina. Ao mudar-se para Frankfurt converteu-se no mais jovem presidente na História do Buba.

20. Sarkozy

O pensador francês Alain Minc, um dos principais estrategas do ex-Presidente gaulês Nicolas Sarkozy, chegou a afirmar que o seu chefe só tinha três mulheres na vida: a filha, Carla Bruni e... Angela Merkel. Em nome do renovado eixo franco-germânico, assim nascia Merkozy, uma quimera que deixou meia-Europa em fúria. Durante as conferências de imprensa, ensaiavam uma coreografia de poder assente nalguns truques semióticos. Mais importante: em 2012, Angela quebrou uma fronteira na política alemã, ao ir a França fazer campanha eleitoral por Sarkozy. Deram uma entrevista conjunta no Palácio do Eliseu. Não chegou. Foi curto.

21. Submarinos

Angela e os submarinos têm uma estranha afinidade. O seu primeiro vinil, adquirido em Moscovo, foi precisamente Yellow Submarine, dos Beatles. O modelo U-209, também adquirido por Portugal, é porventura a mais popular exportação de guerra da Alemanha. E uma das suas anedotas favoritas: os gregos queixam-se que os aparelhos comprados aos alemães estão defeituosos. Andam aos círculos. Até que o fabricante envia uma equipa técnica ao Egeu. Não. Está tudo bem. Moral: o problema são mesmo os gregos.

22. Armas

De acordo com os principais think tank de Defesa, entre 2005 e 2009, o primeiro mandato de Angela Merkel, as exportações de armas alemães mais do que duplicaram. Fica em terceiro lugar no ranking, imediatamente atrás dos EUA e da Rússia. A doutrina, essa, tornou-se bem mais agressiva. Vender-vender. Em 2012, a influente revista Der Spiegel publicava uma capa em que Angela Merkel surgia de camuflado. A razão? A venda de 270 tanques de guerra à Arábia Saudita em plena Primavera Árabe.

23. Licor de cereja

Assim que da sua Templin se muda para Leipzig, onde vai estudar Física Quântica, Angela procura actividades mais lúdicas. Participar no projecto de reconstrução das ruínas da Moritzbastei é perfeito. Um espaço cultural precisa-se. Ali arrancam os primeiros concertos de jazz e alguma movida saxã. Angela faz um part-time num bar de cocktails, onde, confessará mais tarde, ganha cerca de 30 pfenning por cada copo vendido. O licor de cereja, sobretudo. Razão, e muita boémia, teria Goethe ao afirmar: "Leipzig é para mim como uma Paris em miniatura que educa as suas gentes."

24. Vesúvio

Outra das paixões confessas, bem visíveis aliás, é o Golfo de Nápoles. E as vistas do Vesúvio. Sempre que pode, Angela e Joachim rumam a Ischia. Nas Termas de Afrodite passam horas na piscina, seguidas de uma taça de biancolella, o branco mais popular da ilha. Não é segredo que Angela gosta da Itália e da sua comida. Inclusive em cenário de montanha alpina, que pratica com Joachim para se libertar do stress. O Parque Nacional de Stelvio, já na encosta italiana do Tirol, é disso bom exemplo.

25. Atlantik-Brücke

Fundado em 1952, é hoje um dos mais poderosos clubes de lóbi de toda a Alemanha. Tal como o nome indica, e muito na esteira de Bilderberg, visa erguer uma ponte de interesses das elites transatlânticas. Um eixo com a América do Norte. Angela Merkel está profundamente conotada com o clube, assim como quase todos os seus escudeiros, que em tempos foram Young Leaders da Atlantik-Brücke. Ou, nas palavras do seu ex-presidente-executivo Arndt Oetker: "Duzentas famílias mandam na América e queremos ter bons contactos."

26. Casamento

À medida que vai escalando no partido, os comentários engrossam. Seria possível uma líder democrata-cristã viver em regime de concubinato? E onde estão os valores cristãos? O cerco começa logo nos alvores da década de 90, pela boca do arcebispo de Colónia, Joachim Meisner. Angela deveria regularizar o seu estado civil. Alguma coerência precisa-se, não vão os eleitores ficar desorientados. É filha de um pastor e tem a tutela da Mulher e Juventude. Ela acatará em estrito nome da carreira. Fá-lo-á com Joachim Sauer a 30 de Dezembro de 1998. A sua família é apanhada de surpresa.

27. Ópera

É a grande paixão do casal Angela-Joachim. De resto, o consorte de Angela é conhecido na Bundesrepublik como "O Fantasma da Ópera". Isto porque só aparece em eventos do género. Excepção há muito poucas. Trata-se de um epíteto espirituoso, sem dúvida, digno do melhor humor germânico. O momento alto do ano é a última semana de Julho, quando rumam à cidade bávara de Bayreuth, onde desde 1876 decorre o Festival de Música Clássica em honra de Richard Wagner. É ali que Angela costuma irromper com os seus vestidos mais ousados.

28. Altar de Pérgamo

Erguido em honra de Zeus, no século II a. C., e descoberto pelo engenheiro e arqueólogo teutónico Carl Humann, em 1871, dá nome ao Museu Pergamon. É uma das atracções de Berlim-Mitte. Nem por acaso, Angela e Joachim vivem nas proximidades, no quarto andar do número seis da Kupfergraben. É uma artéria elitista, embora cheia de burburinho. Frenesim. Dos eléctricos, por exemplo. Em tempos passados, esta Kupfergraben foi residência do filósofo Hegel.

29. Last minute

Chancelerina de Ferro? Jamais. Ao invés, Chancelerina Last Minute é uma das expressões favoritas dos opositores de Angela Merkel. O seu opositor social-democrata nas urnas, Peer Steinbrück, usa e abusa dela. De outra forma: em questões como a moeda única e a energia, Angela arrasta os pés até ao último momento. Só depois, num passe de mágica e apenas para garantir os mínimos, move uma peça.

30. Bild

O tabloide de Hamburgo, o maior da Alemanha e com os seus 12 milhões de leitores o segundo mais influente do mundo, dá o tiro de partida. Ainda em 2009 começa com as provocações. O seu director, Kai Diekmann, por quem Angela sente muito respeitinho, vai desequilibrar a gestão da crise. Uma frase assassina sobre a Grécia proferida no momento (editorialmente) certo: "Nós damo-vos dinheiro, vocês dão-nos Corfu!"

31. Jerusalém

Há muito que Angela tomou o partido de Israel. Não é segredo, como se comprova pela quantidade de condecorações. Já discursou no Knesset e é doutora Honoris Causa pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Não perde oportunidade para citar a Shoah, a palavra hebraica sinónima de Holocausto. Mais: criticou inclusive a decisão de um tribunal de Colónia que proibiu a circuncisão. Nesta sua estratégia, assume-se como a negação total e absoluta de Adolf.

32. Horst Kasner

O seu pai, falecido a 2 de Setembro de 2011. Era pastor luterano. O chefe de família, tinha Angela meras seis semanas de idade, que em 1954 arrancou a família da ocidental Hamburgo para a transplantar para Leste, onde o cogumelo socialista crescia. Ideologias. Pela sua moral e exigência, marcará de forma indelével a psicologia de Angela. Mais: os seus contactos labirínticos na Igreja da RDA, tão cúmplice do Estado, terão sido a antecâmara da carreira política da filha. O clã De Maizière, por exemplo.

33. Barbie

É tão superficial que nem vale a pena dedicar demasiadas linhas. A americana Concentra-Mattel decidiu dedicar uma das suas Barbies a Merkel. Uma inesperada honra americana ao papel feminino moderno que Angela personifica para todas as meninas deste planeta. Há mais: Angela, fã incondicional das suas calças Levi"s de infância, assume-se como uma campeã dos mercados livres.

34. Blazer

Agora a sério: nada melhor do que os blazer de Bettina Schoenbach. Angela coleciona-os de todas as cores. As únicas variações são o quarto botão, raro, ou o bolso sobre o peito esquerdo. Recentemente, e resvalando para matéria capilar, Angela apanhou um susto. Numa entrevista ao ubíquo Bild, o seu cabeleireiro Udo Walz anunciou que, mal cumpra 70 anos, uma questão de meses, pendurará as tesouras. Iria a chancelerina perder o seu talismã capilar? Nada disso. Udo garante, mais adiante, que Angela será sempre uma das suas exceções. Fá-lo-á como um hobby.

35. Alesina

Angela cedo se rendeu aos teóricos de Harvard, os arqui-inimigos do Nobel da Economia, o keynesianista Paul Krugman. Um suporte teórico de matriz liberal precisava-se urgentemente. O convite endereçado a Alberto Alesina no início da primavera de 2010 não terá sido totalmente inocente. Italiano de nascimento, professor da Universidade de Harvard, nos EUA, é convidado a comparecer no Ecofin de 15 de abril de 2010. Decorre em Madrid e é elucidativo: a História do último século, sustenta Alesina, prova-nos que só a austeridade baseada em cortes substanciais no défice e na dívida pública dos estados permite uma nova política expansionista das suas economias. Repetirá a sua apresentação na cimeira do G20, que em junho decorre em Toronto.

36. Massagem

É o primeiro grande sucesso de Angela no YouTube. Meio milhão de visualizações. Estamos estacionados em 2006 e o Presidente dos EUA, George W. Bush, decide dar uma pequena massagem nos ombros frágeis da chancelerina. Esta entra em choque. Não obstante, e risadas à parte, a cumplicidade revela a sintonia entre os dois: a paixão merkeliana pela América e o seu incondicional apoio, três anos antes, à invasão do Iraque.

37. Máquina de lavar

Na Alemanha tudo vira rapidamente alcunha. Idiossincrasias. A nova chancelaria em Berlim, mandada construir ainda por Helmut Kohl e inaugurada de facto por Gerhard Schröder, a 2 de maio de 2001, que conclui assim a transferência de poderes de Bona para Berlim, não podia ser excepção. Convive desde há uma década com pelo menos três: Latrina do elefante, Kohllosseum ou A máquina de lavar.

38. Silêncio

Joachim Sauer, o consorte da chancelerina, não dá grande margem. Em 2001 queixou-se às autoridades municipais de Berlim por meros oito decibéis (legalmente) a mais numa peça de teatro de rua. Amphitryon. Porque prefere viver no meio das linhas de eléctrico da Kupfergraben, a polémica estala. Mas até os seus filhos, sempre que ali pernoitam, têm de usar meias de lã grossa para evitar o ruído nocturno. Há mais: os correspondentes em Berlim garantem que na Máquina de Lavar berlinesa reina um silêncio de biblioteca.

39. Carros

Alemanha são carros. A sua vaca sagrada. É a indústria-bandeira e Angela sabe disso. A linha de crédito de 1,5 milhões de euros concedida à General Motors, em 2009, para proteger a Opel é emblemática. De resto, e ao contrário dos seus antecessores, a chancelerina pratica uma política de rodízio em matéria automóvel: um carro de cada construtor, e de quando em vez, para não ferir susceptibilidades.

40. Cheias

Angela sabe que está sentada onde está devido às bíblicas cheias de 2002. Sem elas, teria sido impossível desembaraçar-se de Edmund Stoiber, o candidato bávaro da CDU/CSU. A meros quatro meses das eleições de Setembro, os democratas-cristãos levam dez pontos de vantagem. Contudo, tudo se altera a 12 e 13 de agosto. Chuvas torrenciais eclodem no Centro da Europa e fazem transbordar o Oder e o Elba, entre outros rios da região. Ágil, ciente da excecionalidade e da solenidade da ocasião, o chanceler Gerhard Schröder impressiona. Lembra-se do 11 de Setembro de 2001. Edmund Stoiber, esse, vacila na sua casa de férias em Juist, uma ilha frísia no mar do Norte. Nem sequer visita o seu Danúbio azul. Em Junho de 2013, a cena repete-se, mas Angela não falhará. Não se cansa de aprender com os erros dos outros. Por alguma razão lhe chamam Teflon: nada fica colado a si.

João Lopes Marques, jornalista e escritor, é autor de O Plano Merkel (Marcador, Julho de 2013)

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