Um referendo, várias interpretações. Se as há que apoiem o método que Paris utilizou para indicar o fim à circulação das trotinetes na cidade-luz, também há quem questione a real prova de valor da implementação do setor na cidade por inteiro. Inclino a minha posição para a segunda; compreendo que trabalhando no ramo, talvez seja suspeito. Explico porquê..Houve um ponto indelével que podemos retirar do referendo parisiense: o modelo de licenças aplicado poderá não ser a solução viável para a disseminação em larga escala da micromobilidade partilhada. De notar que, aqui, a palavra-chave é partilhada; as trotinetes individuais continuarão a ser permitidas..Volvido um mês desse polémico dia, relembro os factos: para banir as trotinetes de operadoras da capital francesa, votou 8% da população elegível. Estes representam somente 1% do total da população da respetiva área metropolitana. A acrescentar, não foi permitido qualquer voto eletrónico..Muito se tem lido, em várias publicações ao nível nacional, sobre diferentes perspetivas neste mesmo tópico. Entre vários colunistas e peças, a título de exemplo O Diário As Beiras promoveu até uma coluna com um par de representantes dos dois lados da moeda sobre uma hipotética aplicação da mesma medida em Coimbra. Aplaudo a pluralidade de opiniões, essencial que é para todo o processo do desenvolvimento social..Regresso agora ao ponto supra sobre o modelo aplicado em Paris. A cidade determinaria, independente da opinião popular, que empresas seriam licenciadas para operar as suas trotinetes nas ruas em 2020; três anos depois, a vontade demonstrada pelo voto do povo pode ter ilustrado que esta talvez não tenha sido a melhor solução para esta cidade em particular. Regra geral, aplicável também em Portugal, são duas as opções pelas quais uma operadora de micromobilidade pode entrar num município: concurso, ou mercado livre..Cada um, certamente, com os seus prós e contras, mas quero focar-me num ponto que, enquanto gestor de operação, acredito ser o mais benéfico para quem usa as trotinetes e bicicletas elétricas diariamente: a concorrência. O concurso é um processo formal utilizado por entidades públicas, pelos quais se estabelecem requisitos e critérios de seleção, geralmente decidido pelo preço de oferta. Contudo, uma vez selecionadas, as operadoras estão garantidas por um período definido, sem acréscimo de competição. Será que isto incentiva à melhoria do serviço, ou à busca por mais inovação?.Por seu lado, num cenário de mercado livre, apesar de inicialmente poder ser percecionado como menos regulado, a competição é a força vital do ecossistema na cidade em questão: obriga a um compromisso com a melhor oferta de experiência, meios mais rapidamente evoluídos em termos tecnológicos e de segurança, e uma luta acesa pelo melhor preço para o utilizador. Sem um concurso que limite a operação, o sistema de mercado livre - aplicado em várias cidades europeias - é, a meu ver, o impulsionador constante para uma melhoria e evolução do setor..É natural que surjam questões depois do resultado de Paris. Cada cidade é um caso específico, e é aceitável que o que resulte numa, possa não ser a opção mais viável para outra. Lisboa, do outro lado do espetro, abraçou estas soluções mediante ajustes e limitações às frotas, velocidades e delineação de estacionamento obrigatório; assim, ao invés de se optar por uma política de exclusão, conseguiu-se manter a nossa capital enquanto uma das cidades europeias com maior nível de utilização por veículo, com este valor a crescer..Se me questionarem quanto ao potencial efeito contagioso desta votação, sobretudo na capital europeia que foi pioneira na implementação destes veículos, direi que não; as trotinetes, usadas corretamente, continuam a ser um meio de transporte bem mais seguro que os inúmeros carros que enchem as filas de trânsito por essas cidades fora. Comecemos, quem sabe, por incentivar ao desuso destes através de uma aposta mais forte noutro tipo de mobilidade..Frederico Venâncio, responsável de micromobilidade da Bolt em Portugal