Patrões contra novas regras laborais para plataformas digitais

Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho fala em alargar indícios que permitem reconhecer contratos de trabalho. Governo pretende apresentar proposta no fim de 2022.
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As confederações patronais manifestaram-se nesta terça-feira contra a proposta do governo de rever os indícios a partir dos quais é possível reconhecer contratos de trabalho para os adaptar à realidade do trabalho de estafetas, motoristas e outros trabalhadores de plataformas digitais.

Em causa, está a proposta do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, debatido hoje no parlamento, de revisitar o artigo sobre presunção de laboralidade previsto no Código do Trabalho. Pretende-se que o facto de os trabalhadores usarem alguns meios próprios na execução de tarefas, numa disponibilidade determinada pelos próprios, e sem estarem nas instalações de um empregador, não afaste a possibilidade de ser reconhecida uma relação de trabalho dependente.

"Somos absolutamente contra a presunção de laboralidade que é estabelecida relativamente às plataformas digitais", defendeu Ana Vieira, da Confederação de Comércio e Serviços de Portugal (CCP), no debate promovido pela Comissão parlamentar de Trabalho e Segurança Social, com parceiros sociais, grupos parlamentares, governo e coordenadores científicos responsáveis pelo Livro Verde.

"Temos muitas dúvidas sobre se há uma noção clara de quem é que serão os intervenientes nessa relação laboral. Todos nós sabemos que as plataformas são todas muito distintas e trabalham muitas vezes em relações triangulares. Estabelecer sem qualquer segurança, sem qualquer concretização uma presunção desta natureza parece-nos absolutamente errado", argumentou a responsável.

Também Nuno Biscaya, da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), manifestou posição contra a intenção, alegando a falta de informação sobre o universo do trabalho em plataformas como um dos motivos que deve refrear a intenção do governo, e lembrando que poderá não haver uma diretiva europeia sobre esta matéria.

"No passado dia 24 de fevereiro, a Comissão Europeia lançou a primeira fase de consulta aos parceiros sociais europeus sobre a forma de melhorar as condições de trabalho das pessoas que trabalham a partir de plataformas digitais. Essa consulta decorreu até dia 7 de abril deste ano, e caso os parceiros sociais se entendam poderão eles próprios alcançar um acordo, afastando para já uma iniciativa legislativa europeia", disse.

De acordo com o Plano de Recuperação e Resiliência, o objetivo do governo português é entregar uma proposta legislativa sobre a matéria no último trimestre de 2022. Em Espanha, haverá já novas regras em vigor a 12 de agosto, com as empresas de plataforma obrigadas a reconhecer trabalhadores a partir dessa data (muitas estão, neste momento, a preparar-se para recorrer à subcontratação através de empresas de trabalho temporário).

Da parte da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), também, Cristina Morais questionou a intenção de haver um sistema contributivo e fiscal adaptado para estes trabalhadores. "Não nos parece fazer muito sentido a criação de um regime específico", disse.

Do lado das confederações sindicais, contudo, os receios são os de que o Livro Verde acabe por promover a criação de um "trabalhador intermédio", conforme salientou Andreia Araújo, da CGTP, que também disse recear que a atual legislação dos serviços de transporte em plataformas, os TVDE, sirva de modelo às futuras alterações.

"A área dos TVDE, malogradamente regulada de acordo com as pretensões das grandes empresas do sector, abrindo a porta a uma instabilidade, precariedade e competição feroz entre trabalhadores, está longe de servir de exemplo ao que se passa no país em matéria de trabalho para plataformas digitais", defendeu.

Para a responsável da CGTP, "o Livro Verde opta por apontar o caminho que enuncia a criação de uma categoria de trabalhador intermédio, um independente com alguns direitos, mas continuando com uma relação precária". A Intersindical defende que estes trabalhadores devem ser reconhecidos no quadro do que a lei laboral já prevê.

Pela UGT, o secretário-geral-adjunto Sérgio Monte salientou a necessidade de haver o "reconhecimento do vínculo laboral", mas também "de regularmos a utilização dos algoritmos para que não seja perversa". Carlos Alves, da mesma central sindical, juntou que a informação disponibilizada pelas empresas deve ser reforçada.

Nas explicações aos grupos parlamentares e parceiros sociais, o secretário de Estado do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, não avançou informação nova sobre a direção legislativa que o governo pretende tomar relativamente ao trabalho em plataformas. Mas, referiu que o que está em causa é o reconhecimento de relações de emprego entre trabalhadores e empresas de plataformas (e não operadores intermediários, como prevê atualmente a regulação do sector TVDE).

"A posição, mais uma vez, é a de reconhecer que este trabalho existe, mas procurar acautelar que este trabalho não é prestado em condições de profunda desvantagem em relação a outros trabalhadores. Portanto, que há uma melhoria no acesso a direitos - em particular, direitos laborais e de proteção social - destes trabalhadores, desde logo propondo a ideia de uma presunção de laboralidade entre o trabalhador e a própria empresa de plataforma", disse.

No Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, o governo deu prioridade à questão da regulação das plataformas digitais, sendo que outra das principais matérias em discussão, a densificação das regras do teletrabalho, foi uma questão já agarrada pelos grupos parlamentares, com dez projetos de lei em análise na especialidade no parlamento para eventual convergência dos textos ainda não votados.

O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho começou a ser discutido em meados do ano passado e atravessou já um período de discussão na Comissão Permanente de Concertação Social, seguindo-se uma fase de discussão pública. O governo pretende agora apresentar um novo documento que integre "alguns dos contributos dos parceiros sociais", avançou Miguel Cabrita.

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