Paulo Caiado: “Só será possível termos casas a preços mais acessíveis com intervenção estatal”

Presidente da associação dos mediadores imobiliários (APEMIP) defende que bancos devem permitir o acesso dos mais velhos a crédito hipotecário, e que a isenção de mais-valias facilitaria a troca de casa numa fase mais avançada da vida.
Paulo Caiado, presidente da APEMIP. Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens
Paulo Caiado, presidente da APEMIP. Foto: Leonardo Negrão/Global ImagensPaulo Caiado, presidente da APEMIP. Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens
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Tiveram a vossa convenção esta semana, numa altura em que a APEMIP se abriu aos agentes imobiliários independentes. Este setor da atividade precisa de maior profissionalização?
Esta alteração é recente. Ela deriva de um programa dos atuais órgãos sociais e necessitou de uma alteração estatutária, que foi realizada no mês passado, portanto, é uma mudança muito significativa e, de facto, hoje a APEMIP está aberta enquanto associação aos agentes imobiliários. A APEMIP, na sua génese, à semelhança de muitas associações, foi criada como uma associação patronal, para negociar contratos coletivos de trabalho. A realidade é que em 2024 isto não faz qualquer sentido, em particular numa atividade onde a maioria dos agentes imobiliários são prestadores de serviço às agências imobiliárias e, portanto, é incomparavelmente muito mais o que  une empresas e agentes imobiliários, pelo que esta alteração, de podermos acolher os agentes imobiliários na APEMIP e de encontrarem na APEMIP um espaço de representatividade do setor, faria para nós todo o sentido e estamos muito satisfeitos com esta alteração.

Têm defendido critérios de acesso à atividade imobiliária. Há demasiados mediadores no mercado?
Sobre o número de agentes imobiliários ou de empresas de mediação, não tenho qualquer comentário a fazer. Aquilo que entendo é que não devem existir barreiras que impeçam o acesso à atividade. A atividade deve ser uma atividade de livre acesso, no entanto, o facto de ser de livre acesso não deve deixar de significar que devam ser exigidos àqueles que pretendem aceder um conjunto de etapas, de conhecimento, de provas, para que reúnam as condições de conhecimento para assumirem as responsabilidades que lhes são devidas. De resto, recaem sobre a atividade imobiliária várias obrigações. E muito bem. Desde o branqueamento de capitais, o combate ao terrorismo, enfim, uma série de obrigações. E aquilo que nos parece importante é que possamos caminhar no sentido desta atividade ser profissionalizada. E profissionalizada significa que o Estado estabeleça um conjunto de metas formativas para todos aqueles que querem estar na atividade, conferindo maior credibilidade, quer aos que estão na atividade, quer também às pessoas em geral, aos clientes.

O que é que esperam do Governo nesta matéria?
A atividade é tutelada pelo IMPIC, que já há bastante tempo preparou um projeto de lei que contemplava exatamente o que acabámos de conversar. Sabemos que até ao momento ainda não houve nenhum despacho efetivo no sentido de que isso aconteça. Temos a expectativa de que possa vir a acontecer, porque estamos a falar de algo que se traduzirá objetivamente num benefício para todos.

Olhando para o mercado imobiliário, com o alívio das taxas de juro, já se começa a ver uma maior procura por casa?
Diria que o alívio da taxa de juro que temos constatado não tem tido impacto relevante naquilo que é o fluxo de procura. A subida abrupta das taxas de juro revelou-se uma enorme dificuldade para um grupo de pessoas, com taxa variável e no limite da sua capacidade de endividamento. E, portanto, este alívio das taxas de juro poderá, de alguma forma, dar um sentimento de alguma tranquilidade ou de menor incerteza a estas pessoas. Não tem forçosamente um impacto naquilo que são os fluxos de procura de casa. Esses mantêm-se altos, mas também caracterizados por uma heterogeneidade muito, muito grande. Isso quer dizer que, tendencialmente, falamos de uma forma muito generalizada, mas a verdade é que o mercado imobiliário não é Lisboa, não é o Porto, é todo o país. E as realidades geograficas, de facto, são muito dispares. 

Em relação aos bancos, qual tem sido a postura na concessão de crédito?
Os bancos têm, obviamente, um papel muito relevante em todo este processo. No entanto, é fundamental que também todos tenhamos noção e consciência do seguinte: o mercado imobiliário, com pequenas oscilações, é um mercado cujo segmento residencial, falando de casas, transaciona anualmente perto de 30 mil milhões de euros. E a banca portuguesa financia anualmente cerca de 15 ou 16 mil milhões de euros. E, portanto, é fundamental percebermos que a principal alavanca financeira e o principal motor do mercado é a venda de casas. 90% dos imóveis transacionados são imóveis usados. É alguém que vende uma casa para seguidamente comprar outra. E a verdade é que, quando hoje alguém vende uma casa, nunca teve uma dotação financeira tão grande para enfrentar uma nova aquisição. E, portanto, temos como que aqui um ciclo fechado que se vai autoalimentando perante a escassez de casas. 

E nas novas aquisições?
Aí estamos a falar num universo muito menor e onde, como é sabido, e daí também as medidas de que recentemente ouvimos falar, em que quem está fora do mercado e quer enfrentar uma aquisição pela primeira vez na sua vida, tem uma enorme dificuldade. Desde logo porque, perante o preço das casas, sendo-lhe exigível 10% ou 15% de capitais próprios para dar de entrada para a aquisição de uma casa, tem aqui uma tarefa difícil. Acho que os bancos têm muito por fazer. Há aqui muitos aspetos onde os bancos podem ter um contributo muito importante para a nossa sociedade naquilo que é o mercado imobiliário e que ainda não aconteceu.

Como por exemplo?
A intervenção dos bancos está muito associada àquilo que é a caracterização cronológica da vida da generalidade das pessoas. As pessoas têm 30 anos, há uma parte relevante de pessoas que pensam em comprar casa, que contraem um financiamento e adquirem uma casa. Depois, mais à frente, temos um grupo etário que está muito presente na troca de casa. Estamos a falar do grupo etário dos 50 anos, onde as pessoas, por vezes, pelos tais motivos, normalmente de origem sociológica, pensam numa troca de casa. Aos 65 anos. as pessoas começam a enfrentar a idade de reforma, vão ter menos rendimentos, normalmente têm sua casa paga ou quase paga, vão ter imensas despesas, porque enfrentar a velhice exige bastante capacidade financeira e liquidez, frequentemente estão em casas totalmente desadequadas aos seus 65 anos, eventualmente, do ponto de vista das suas características e àquilo que necessitam.  Aqui há um espaço muito interessante para os bancos de perceberem que há aqui um novo ciclo e os bancos têm de pensar que poderá fazer todo o sentido  que as pessoas em fase avançada das suas vidas  possam ter acesso a financiamento bancário.

Crédito para obras, reabilitação?
Crédito hipotecário, poderem trocar de casas. Os bancos têm de se interessar um pouco mais pela garantia real que constitui o imóvel. Mas, principalmente, devem permitir que as pessoas possam ter liquidez para enfrentar a sua velhice e, simultaneamente, condições para poderem ter uma casa mais adequada. E aí o financiamento é importante. Sendo que, curiosamente, temos também um sistema fiscal que vem estimular o contrário. Ou seja, quando alguém em idade avançada pensa em vender um imóvel, é sujeito a uma tributação em mais-valias, exceto se optar por um imóvel de valor igual ou superior. E, portanto, temos a nossa estrutura fiscal a incentivar as pessoas a fazer o contrário. Alguém que comprou uma casa quando tinha 35 anos, tinha quatro quartos, e hoje é só um casal que está sozinho, que tem 70 anos, podia vender essa casa e comprar outra por um valor inferior e ficar com umas poupanças para enfrentar a sua vida.

Devia haver mudanças na tributação das mais-valias imobiliárias?
Acho que seria fundamental que em habitação própria e permanente as pessoas pudessem ter isenção de mais valias imobiliárias em caso de venda, quando vão reinvestir em habitação própria e permanente a partir de uma determinada idade. Ou seja, do mesmo modo que neste momento o nosso Estado está a assumir que vamos ajudar os jovens até aos 35 anos de idade, fantástico, acho que talvez fosse interessante pensar que na nossa sociedade, previsivelmente, há também um grupo etário que vai precisar de ajuda, que precisa de ajuda para ter casas muito mais adequadas, e curiosamente, que também essa ajuda pode introduzir na nossa sociedade um novo ciclo de transação imobiliária do qual todos podem beneficiar.  De resto, considero que este imposto não tem lógica do ponto de vista daquilo que são os nossos movimentos financeiros e que é a nossa tributação. É importante que não nos esqueçamos do seguinte: 73% das famílias portuguesas são proprietárias de um imóvel. É nos imóveis que está guardada a poupança da maioria da nossa população. Quando alguém vende um imóvel está a alienar aquilo pelo qual esteve anos e anos a tentar construir. E, portanto, creio que este imposto deveria ser repensado no modo como se encontra.

Em relação às medidas para os jovens, nomeadamente a isenção de IMT e do imposto de selo na aquisição da primeira casa, acha que estas medidas vão ser eficazes?
As medidas são muito boas. Acho que os jovens precisam de ser ajudados, nomeadamente naquele aspeto que há pouco referimos, de quem está fora do mercado. A retenção de jovens no nosso país é algo que é muito importante. Tenho, no entanto, a opinião de que esta ajuda na compra da primeira habitação não deveria restringir-se aos jovens até aos 35 anos. Tenho imensa dificuldade em compreender porque é que alguém que tem 40 anos, 50, ou 60 anos, que nesta idade consegue reunir condições para enfrentar a primeira aquisição da sua vida, da sua habitação própria e permanente, não poderá ter um benefício idêntico. 

Por onde deve passar a estratégia do governo para haver mais casas no país e a preços mais acessíveis?
Creio que será fundamental que o nosso Governo assuma claramente que o mercado, deve ter três componentes diferentes. Deverá ter uma componente que é seguramente a componente mais representativa, a mais expressiva, a mais abrangente do mercado e que deve ser caracterizada por grande liberdade, previsibilidade, estabilidade e muito alicerçada naquilo que são as regras de mercado. Sabemos também que, ao termos este mercado, temos a consequência de ele provocar exclusão habitacional. E, portanto, isso significa que há aqui duas outras dimensões onde é fundamental o Estado intervir. Uma dimensão, e diria que é seguramente a prioritária, ´é a habitação social. Ou seja, o Estado tem de cuidar daqueles que neste momento estão vulneráveis, particularmente frágeis.  Temos uma outra dimensão, que não é uma dimensão de habitação social, mas que é uma dimensão necessária e que é onde se encontram soluções com preços controlados. É uma dimensão onde vamos procurar que haja edificações, que haja soluções habitacionais, mas precisamos de controlar o valor pelo qual esses imóveis amanhã vão estar no mercado.

Que é o grande problema atual que afeta a classe média.
Claro. O que significa que tem de haver intervenção estatal. Não é possível por via do mercado, daquilo que é o preço dos terrenos, o preço da matéria-prima, o preço da mão-de-obra, aquilo que é o espaço temporal administrativo que um promotor está à espera para ter um projeto deferido, não é compatível com podermos ter soluções em tempo útil. E aqui é necessário intervir.

As medidas já tomadas neste campo, a simplificação dos licenciamentos, a prometida descida do IVA na construção, vão mitigar o problema?
Considero que são medidas muito importantes, que podem ter um muito importante contributo. Observo-as com alguma lentidão num contexto onde estamos a falar de um setor que é caracterizado por uma inércia muito grande. O imobiliário é um setor lento. Entre o querer, o querer fazer e o existir a casa de facto, temos sempre espaços temporais muito alargados. E, portanto, vejo com alguma apreensão que, por exemplo, o tema do IVA, quer seja a redução ou a isenção, seja qual for o mecanismo específico, considero que é fundamental que sejam implementadas no mais curto espaço de tempo possível, porque sim, acredito que possam resultar num impulsionar de oferta imobiliária nesses segmentos, onde é fundamental termos casas com preços mais acessíveis. E só será possível termos casas com preços mais acessíveis com intervenção estatal.

E relativamente às 26 mil casas que terão de ser construídas até junho de 2026, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, acredita que o objetivo vai ser atingido?
Temos, de forma transversal, uma carência muito relevante de mão-de-obra. A confederação a que estamos ligados tem identificados como havendo na construção neste momento um défice de cerca de 80 mil trabalhadores para tornar possíveis as metas que neste momento conhecemos. A mão-de-obra é importante e obviamente quando estamos a falar de mão-de-obra na construção, sem rodeios, estamos a falar de necessidade de imigrantes que venham para o nosso país, que possam dar o seu contributo para termos soluções neste domínio. E aqui também temos de ter presente que o PRR não está a decorrer só em Portugal, ele está a decorrer em todos os países da Europa. Países, como é sabido, muitos deles remuneram os seus trabalhadores com condições muito mais vantajosas do que aquelas que nós conhecemos. Diria que, neste momento, o nosso Estado tem um enorme desafio de atrair imigrantes que possam vir para o nosso país com condições dignas, adequadas e que possam de facto contribuir para que essas metas sejam efetivamente alcançadas.

Governo anterior criou a plataforma do arrendamento acessível, que isenta proprietários de impostos e assinou inclusive protocolos com imobiliárias para angariar casas para essa plataforma. Qual tem sido a adesão
Muito pequena. Creio que estamos a falar em números na ordem das centenas que não ultrapassam um milhar. Ou seja, estamos a falar de números incipientes.

O benefício fiscal não é suficientemente atrativo, o limite à renda não é atrativo?
Eventualmente o benefício fiscal não foi suficientemente atrativo. Mas temos aqui uma questão de fundo, que tem de ser enfrentada e que deve ser quase um desígnio nacional, que é o Estado ter de ser visto como uma pessoa de bem. As pessoas não se sentem confiantes a arrendar ao Estado, devemos tentar caminhar para termos exatamente o oposto, e para que alguém se sinta muito confiante em poder ter o Estado como seu inquilino.

O número de transações de casas tem vindo a diminuir. Pelo menos os números do INE do primeiro trimestre apontam para isso. Quais são as perspetivas para o resto do ano?
Creio que é provável que iremos assistir à continuação de uma valorização moderada e generalizada dos imóveis, mais acentuada nas localizações que partem de patamares de valor mais baixo e que estão neste momento a ser alvo de maior fluxo de procura, porque é lá que as pessoas encontram soluções que conseguem adquirir e, portanto, é também aí que os preços, ao terem maior pressão, estão a ter uma subida maior. Acredito que o número de transações possa ter algum crescimento, nomeadamente com estas anunciadas medidas para os jovens, quer no âmbito do financiamento daquela margem de capitais próprios assegurada pelo Estado, quer no âmbito da isenção do IMT.

A subida dos preços das casas também começa a afastar compradores  estrangeiros?
Assistimos a alguma quebra de investimento de cidadãos estrangeiros no primeiro trimestre deste ano. Não identifico nada de excecional que tenha conduzido a isso. Aquilo que motiva os estrangeiros a comprar em Portugal são os atrativos e são as características do nosso país e essas não mudam com a inflação. Essas estão cá e vão cá continuar. E por vezes há algumas ideias que ouvimos de que os imóveis em Portugal são os mais caros da Europa, mas isto não corresponde minimamente à realidade. Os nossos preços, sendo preços muito elevados, muito inacessíveis para a generalidade da população, são preços significativamente mais baixos do que os que hoje se praticam nas principais capitais europeias. 

Prevê que esta procura internacional por parte de cidadãos estrangeiros continue?
Claro que sim. 

Criaram o portal Casa Yes. Porque é que o criaram e está a corresponder às vossas expectativas?
O portal Casa Yes está a superar muito as nossas expectativas. Criámos o portal Casa Yes porque os dados imobiliários são dados que têm grande relevância e são dados nos quais as empresas imobiliárias investem para os conseguir obter. Para identificar o valor de uma casa, para ter todas as informações relativas a um imóvel, as imobiliárias investem no sentido de obter essa informação. E, portanto, para nós, faria e faz todo o sentido que possamos ter alguma rentabilidade e algum controle sobre os nossos dados. O que é que as imobiliárias fazem? As imobiliárias compram espaço em plataformas imobiliárias para divulgar os seus imóveis. O que procurámos com o Casa Yes foi desenvolver uma plataforma em que empresas imobiliárias podem ser acionistas desta plataforma, que é de livre acesso a qualquer cidadão, mas que tem a particularidade de que, ao estarem unicamente imóveis de imobiliárias, estão unicamente imóveis de empresas que são obrigadas e responsabilizadas pela fiabilidade dos dados que divulgam. E, portanto, o Casa Yes é uma plataforma que tem, a partir de agora, a diferença enorme de que aquela informação é informação especialmente fiável. Só se encontram lá imóveis de imobiliárias.

Quantos imóveis estão na plataforma.
Neste momento, o Casa Yes tem mais de 135 mil imóveis. Para termos uma ideia do que isso significa, estamos a falar de um número que não é muito diferente do número total de imóveis que se transacionam num ano. Tem mais de 1200 empresas presentes e tem as condições financeiras para podermos, nos próximos tempos, investir na notoriedade deste portal que queremos que seja, de facto, a principal plataforma que alguém utiliza quando quer procurar um imóvel.

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