Paulo Macedo deixa alerta pós-moratórias: "só apoios podem evitar tsunami de crédito malparado"

Líder da Caixa Geral de Depósitos está preocupado com o fim das moratórias em Portugal e admite auxílio a certos setores: "temos de apoiar turismo, cultura e educação". Sobre a oportunidade que é o PRR, deixa sugestão ao governo para usar ferramenta bancária para levar o dinheiro às empresas (e gestores) certos.
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Paulo Macedo não tem dúvidas, Portugal está a aguentar bem melhor a crise pandémica do que a financeira de 2011 (atualmente só 4% das empresas sentem dificuldades financeiras, contra 13,4% em 2016), até porque os tempos são diferentes, mas os desafios que o país enfrenta com o fim das moratórias trazem sérias preocupações.

O presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD), admitiu que além da incerteza da duração da pandemia, "para países como a Alemanha o fim das moratórias não é um problema propriamente, mas para países como Itália e Portugal a forma como as abandonamos é um grande desafio".

O gestor e ex-ministro da Saúde do governo de Passos Coelho fez uma longa apresentação, em inglês, sobre os desafios económicos em Portugal no contexto da crise pandémica no seminário online "Investimento, Digitalização e Financiamento Verde: O Caso Português", organizado pelo banco central português e o Banco Europeu de Investimento (BEI) - e falou depois de Mário Centeno e Elisa Ferreira.

Para os próximos tempos e com o fim das moratórias para breve, Macedo pede que haja "o desenho de apoios para setores específicos, sem cash flow". "Não podemos acabar as moratórias sem apoiar setores como turismo e agências de viagens, mas também de áreas culturais e de educação", admite.

Ainda assim, os próximos tempos para os bancos, até pelo fim das moratórias, podem ser complicados. "Em Portugal devemos chegar ao nível que estávamos em 2019 só lá para 2023, enquanto na maior parte dos outros países europeus será já em 2022", adianta o gestor.

Macedo admite que será difícil nos próximos anos pagar o custo de capital. "Mais de 70% dos bancos europeus não pagam os custos do capital que foi investido e isto é um tema que os bancos devem ter na agenda, tal como os bancos centrais, senão não atraem investidores", adianta.

Naquilo que o líder da CGD, que de acordo com o Ministro das Finanças e com o desejo do próprio deve ver o seu mandato renovado para 2021-2024, chama de "luz ao fundo do túnel", é "fundamental o sucesso do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)". Não só pelo seu tamanho, mas também porque "é necessário fazer com que os projetos certos tenham acesso a estes fundos, será esse um dos maiores desafios para a sociedade portuguesa e para os empreendedores", admite Macedo.

O ex-ministro da Saúde deixa ainda uma sugestão: "uma das coisas que os gestores dos fundos europeus podem aprender com a banca é usar os mecanismos como o fit and proper". Este é um conceito que funciona como uma espécie de teste para determinar a honestidade, responsabilidade, integridade e reputação de uma pessoa, por norma gestor de uma organização, daí que "para ser bem sucedido o PRR deve ser rigoroso".

Sobre o setor da banca, admite que depois de ter sido "parte do problema na crise financeira, agora foi parte da solução". Ou seja, desta vez "os bancos estavam preparados com capital e liquidez".

Os riscos para o pós-moratórias existem, embora exista uma melhor liquidez e preparação do que noutras alturas. Macedo admite que numa altura de taxas de jura baixas, de queda do PIB por causa da pandemia (embora menor do que se esperou), "temos de garantir que as empresas certas tenham apoios para não termos um tsunami de crédito malparado (NPL ou non-performing loans).

Apesar dos apoios a chegar às empresas nos próximos anos, "teremos estagnação das receitas dos bancos na Europa porque teremos redução de margens, com baixas de spreads e indexação", com Portugal a chegar a bom porto mais tarde.

Embora satisfeito com a bazuca europeia, Paulo Macedo cita um estudo do Financial Times para mostrar que a Europa será a sexta zona mundial que irá crescer menos. "Só o Japão cresce menos". Além disso, o crescimento da dívida também está presente naquilo que tem sido o período de "reação à crise, que é o modo de sobrevivência". Embora medidas como as moratórias e lay-off permitiram salvar boa parte do tecido produtivo do país, o que se segue é um misto de oportunidade e necessidade "de juntar apoios com rigor".

O líder da Caixa Geral de Depósitos (CGD) admite: "as empresas precisam de tempo, de apoio do Estado e dos bancos para permitir a extensão das maturidades e os bancos vão responder a isso, parece-me".

Na sua análise, sinalizou também que embora existam setores que aumentaram as suas poupanças, desde PME, a grandes instituições, passando pelas famílias, houve outros que ficaram em claras dificuldades "numa assimetria que é agora muito maior".

Uma das receitas de Macedo para o sucesso não só do PRR, mas também na saída da crise pandémica em melhor forma passa por colmatar a falha nas competências. Aí cita um estudo da World Economic Forum, que indica que cinco em cada nove das barreiras ao investimento e sucesso num país estão relacionadas com competências, não só na força de trabalho (55,4%) mas também competências na gestão (41,4%).

Além disso, a incapacidade de atrair talento (46,7%), falta de capacidade em perceber oportunidades (38,9%) e falta de flexibilidade em contratar e despedir (26,3%), além da flexibilidade das regras, falta de capital ou falta de interesse na liderança são outros fatores.

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