Pedro Carreira: “Fomos deixados 10 anos num abandono total e os projetos foram transferidos”

Comprada em 1993 pela Continental, a fábrica de Lousado ocupa hoje uma área sete vezes superior à inicial e é o 4º maior exportador nacional. Em entrevista, o presidente da Continental Mabor fala num investimento médio de 70 milhões ao ano, que poderia ter sido mais se os acessos à unidade fossem melhores.
O presidente da Continental Mabor, Pedro Carreira
O presidente da Continental Mabor, Pedro CarreiraDireitos Reservados
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2023 foi o melhor ano de sempre da Continental. 2024 está a terminar, como correu?
Está a ser um ano idêntico ao anterior, o que quer dizer que devemos acabar, mais ou menos, com os mesmos valores de 2023, à volta dos 1,3 mil milhões de euros. O que é uma boa notícia num contexto macroeconómico complexo. Podemos dizer que tem sido um bom ano para nós. Já olhamos para 2025 com alguma expectativa, já não será como 2024.

Não sentiram a retração da indústria automóvel?
Estamos a sentir, até porque há variações de portefólio de marcas e que podem ter um impacto muito grande nos próximos anos. Estamos a atravessar um momento muito complexo, por variadíssimas razões, nomeadamente a eletrificação que, num primeiro momento, trouxe uma experiência nova de um novo negócio, agora está a trazer todas as complicações. Ainda estávamos a tentar pensar como é que íamos por os carros produzidos na Europa a serem todos elétricos e apareceu a concorrência dos EUA e da Ásia. O mercado europeu está a ser um pouco abalado pela indecisão do consumidor, que gera indecisão no fabricante que não sabe se o consumidor está disposto a pagar um veículo elétrico ou de combustão convencional, ou se vai querer um chinês, japonês ou coreano, que seja mais barato e com maior autonomia... Há imensas questões.

Quanto espera faturar em 2025?
Tudo o que eu vejo e tudo o que me está a ser dito é que temos um ano muito complexo pela frente. Os construtores chineses começaram a construir fábricas na Europa e começaram a pedir aos seus parceiros chineses, coreanos e vietnamitas para construírem também eles fábricas de peças na Europa. Portanto, a indústria europeia está a ser realmente ameaçada por todos estes novos elementos. Nas ameaças há sempre oportunidades, não há dúvida, mas não sabemos o que vai acontecer com tudo o que se passa à nossa volta, na Ucrânia, no Mediterrâneo, na Síria... É muito complexo fazermos projeções de vendas porque, se isto continuar assim, já sei que para o ano que vem vamos vender menos. Estamos preparados para fazer o que for necessário para fazer exatamente o mesmo volume, mas, olhando para as perspetivas que temos à nossa frente, há um conjunto de receios e temos que nos precaver. 

Os Estados Unidos são o principal mercado da Continental Mabor - que alternam com a Alemanha, consoante os anos -, como vê o regresso de Donald Trump à Casa Branca com a promessa de uma política muito restritiva?
O  problema é que nós temos isto no mundo inteiro. A Europa também está a fazer um conjunto de políticas restritivas relativamente, por exemplo, ao plástico. E toda a gente se queixou, mas acabamos por nos adaptar. Nos EUA vamos ter que esperar para ver se ele vai por e fazer cumprir tudo aquilo que disse. 

As empresas  adaptam-se às diversas realidades, é isso?
O segredo das empresas é a capacidade de resiliência e de adaptação. Já o dizia Darwin. Se não nos adaptarmos, morremos. Nós já cá estamos há quase oitenta anos a produzir pneus. Passámos por várias adaptações, uma delas foi a compra da Mabor pela Continental, que deu origem à Continental Mabor, e que se não tivesse acontecido tínhamos morrido. Tivemos que nos adaptar e saber crescer para sermos o que somos hoje. O nosso lema número um é adaptar. E, por isso, procuramos estar nos EUA, na Europa, na Ásia, para garantir que estamos sempre em algum sítio, mas nunca parados. E acho que isso tem sido feito com bastante sucesso. 

Falou há pouco no bloqueio  aos carros chineses e à vinda dos construtores para a Europa. Isso pode ser uma oportunidade para a Continental Mabor?
Dentro do nosso portfólio estão todos os produtores europeus, muitos americanos e alguns asiáticos. Nós trabalharemos com qualquer um deles que queira vir para a Europa e que queira os nossos pneus. Mas isso já não é uma decisão da Continental Mabor, mas sim da Continental. A divisão central, que está sediada na Alemanha, é que decide onde é que alocam os pneus novos. Nós só dizemos que estamos prontos, ou não, durante o período de discussão para escolha da colocação da produção. Sendo certo que produzimos para todas as marcas europeias. 

E mesmo a eletrificação, sendo um desafio para os construtores, não é uma ameaça para a Continental Mabor.
Essa é a coisa maravilhosa que os carros têm, sejam eles elétricos, a diesel, gasolina, hidrogénio ou urânio, utilizam pneus e nós estamos prontos para os fornecer. Os carros elétricos têm características e requisitos muito próprios mas nós já estamos a fornecer várias marcas. 

E que investimentos estão previstos?
Em 2023,  investimos 95 milhões de euros. A nossa média, nos últimos 10 anos, tem sido de cerca de 70 milhões ao ano. Portanto, para 2025, há-de andar por esses valores, depende agora como é que o ano vai avançar e evoluir para ver se continuamos a fazer o nosso caminho de investimento, para expandir e transformar a Continental Mabor numa empresa extraordinariamente moderna. É isso que precisamos neste momento de fazer para conseguir continuar a competir num mercado altamente competitivo como é o dos pneus.

Está em curso um projeto de automatização do armazenamento, não é?
É um dos projetos em curso. Temos vindo a rasgar o telhado da fábrica e a montar armazéns com grandes dimensões, em altura,  para retirar do chão de fábrica os materiais de transporte dos semicomponentes e o último grande projeto, de ergonomia, é para reduzir a carga física dos colaboradores que têm que carregar os pneus nas prensas. É uma forma também de melhoria da eficiência que a fábrica toda vai ter. 

Têm falta de espaço para crescer?
Temos vindo a comprar alguns terrenos que ainda havia aqui à volta, mas agora já estamos rodeados de estradas e, portanto, temos que arranjar alternativas. O nosso crescimento, neste momento não será tanto em volume, mas no tipo de pneus que fazemos. Temos vindo a apostar nos chamados UHP (Ultra High Performance), que são pneus de elevada performance e de elevado valor acrescentado. É a forma de ganhar valor sem ocupar mais espaço. 

Pode passar pela construção de uma fábrica noutro local?
Não. A Continental tem 22 fábricas em todo o mundo e nunca faz uma segunda fábrica próxima da primeira. Se um dia for necessário mais pneus para os Estados Unidos, mais depressa expandem as fábricas de lá.

Mesmo com fábricas lá ainda exportamos made in Portugal?
Sim. A Continental tem 3 fábricas nos EUA, mas os tais pneus diferentes, de alto valor acrescentado, eles não fazem. E a  fábrica que lá está já atingiu a sua capacidade. Portanto, ou se investe lá, ou utiliza-se a capacidade instalada em Portugal. E o que se decidiu foi não investir nos EUA enquanto a fábrica de Lousada continuar a produzir com capacidade e eficiência para fornecer o mercado americano.

Fazem 19 milhões de pneus ao ano em Lousada, ainda conseguem fazer mais?
Capacidade para crescer em volume temos alguma, é só uma questão de ser necessário. Quando houver projetos. E nós temos alguns em cima da mesa... Ao longo destes anos todos nós temos sempre um projeto no forno a cozinhar à espera que venha o momento certo e acho que tem sido esse o segredo da nossa fábrica, é estarmos sempre disponíveis com os projetos certos no momento certo. 

A questão das acessibilidades continua a ser um problema? Queixou-se disso ao ministro da Economia esta semana, na visita que recebeu...
À medida que estes anos todos foram passando nós tivemos que arranjar alternativas para por a fábrica a funcionar, senão já tínhamos fechado. As alternativas tiveram que existir porque a variante à EN14 foi apresentada em 2014, prometida em 2015, em 2016  ia sair do papel... e só começou o ano passado. No entretanto, fiquei sem poder construir no meu terreno que era espaço de reserva para a variante. Isto é sempre um bocado complexo, estamos nestas discussões  numa área que era supostamente industrial ou deveria ser industrial, e eu não consigo construir. Sem falar que continuamos a ter de circular com os camiões pela Nacional 14, que tem mais de 60 anos e já está cheia, e não contemplava que a fábrica de Lousado, que aqui foi construída em 1966, fosse crescer desta forma, sete vezes mais do que a dimensão original.

Que área têm agora?
Temos 800 mil metros quadrados, duplicamos em 10 anos. Isto obriga a que entre borracha, produtos químicos e outros materiais e que saiam pneus, que têm que sair por algum lado. Há uns anos, antes da variante arrancar, a Câmara [de Vila Nova de Famalicão] fez-nos a rua de Montoito, o que nos permitiu facilitar a circulação dos camiões entre a fábrica e o armazém. Mas isto é um daqueles exemplos complexos... Como é que uma empresa desta dimensão, que é o quarto maior exportador nacional, e com o volume de impostos que nós pagamos, como é que fomos deixados, 10 anos no mínimo, num abandono total, em que queremos investir e avançar e é difícil? Tínhamos projetos, entretanto passou o prazo, e eles foram transferidos para outros sítios. 

Refere-se à expansão da produção de pneus fora de estrada, reconhecido com o estatuto de PIN (potencial interesse nacional). Foi para onde?
Isso não lhe vou dizer. Somos todos amigos, a produção foi parar a outro lado, agora temos que começar o processo todo de novo, ninguém aguenta sete anos à espera. Quando a variante estiver terminada, e me derem novamente acesso aos terrenos, temos de voltar a analisar os projetos de expansão que possam ainda vir a existir.

Quando está previsto que termine a variante?
Dizem-me que deve acabar em agosto do próximo ano, mas eu sou como o São Tomé, ver para crer.

De que área estamos a falar?
A área não  é muito grande, tem é  cantos onde eu preciso de aterrar e não posso porque não estão acabados os outros acessos. Precisamos da configuração final para eu me poder mexer dentro da fábrica a fazer alguns trabalhos de terraplanagem, que nós estamos com desníveis muito grandes... Entre a variante e o terreno onde estamos é capaz de ser para aí  uns 20 metros de altura. Temos ali um precipício e eu preciso de puxar uns 5 ou 6 metros para o lado e não posso. Não é o  aeroporto de Lisboa, estamos a falar de 10 metros aqui e cinco metros acolá, mas com 20 metros de altura tenho que aterrar. Quando trazemos cá os nossos chefes eles riem-se, como é que ao fim de tantos anos ainda estamos a discutir a mesma coisa. A estrada andou 20 anos a discutir-se e em dois já tem ponte, já tem acessos, não tem asfalto, mas também só está previsto terminar em agosto do próximo ano. Mas, tanta coisa e em dois anos fez-se. Aquilo que a estrada vai custar é um terço daquilo que eu pago em impostos por ano.

A mão de obra é um desafio? 
Não temos tido dificuldade em atrair colaboradores. Há alguma redução da disponibilidade, em vez dos cinco ou seis mil currículos que recebíamos temos agora 700 ou 800, mas continuamos a crescer sem problema. Neste momento temos aqui um centro de avaliação e testes para pneus agrícolas e pneus fora de estrada, um centro de I&D de pneus de bicleta que é único... Temos conseguido atrair outras áreas e refundámos, no ano passado, o Continental Solutions Center, que já tem quase 200 colaboradores e está a desenvolver soluções informáticas para todo o grupo.

Quantos trabalhadores têm? 
Em 2023 eram 2800, este ano um pouco mais. Temos crescido todos os anos.

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