Pedro Costa Ferreira: “Estado pagar a 30 dias é uma medida de higiene básica, mas é um anúncio. Todos os governos tentaram”

O presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) assume uma “desconfiança metódica” sobre o pacote do Governo para a Economia e defende ser necessário reforçar as verbas para a promoção internacional do turismo.
Pedro Costa Ferreira, presidente da APAVT. Foto: Gerardo Santos
Pedro Costa Ferreira, presidente da APAVT. Foto: Gerardo Santos
Publicado a

Pedro Costa Ferreira, que lidera a APAVT há 12 anos, aplaude o Programa Acelerar a Economia mas alerta que o pacote apresentado recentemente pelo Governo é um "anúncio de intenções que terá de ser escrutinado". Das 60 medidas divulgadas, 17 são destinadas ao turismo.  A redução dos prazos de pagamento do Estado a fornecedores através de modelos de liquidação de faturas em 30 dias nas entidades públicas é um dos objetivos do Executivo até ao final da legislatura e, para o presidente da associação que representa as agências de viagens do país é uma das mais urgentes.

"Se o Estado conseguisse pagar a 30 dias, algumas das medidas da parte de tesouraria não seriam necessárias", acredita. "As agências de viagens pagam os bilhetes de aviação em 18 dias e meio. Vão passar a pagar, a partir de 1 de janeiro de 2025, em oito dias e meio. A economia trabalha fornecendo e pagando. O Estado continua a pagar a oito ou nove meses, às vezes a mais de um ano. Esta medida é fundamental", reitera ainda.

Reeleito para o seu último mandato, que termina em 2026, O presidente da APAVT defende ainda o reforço das verbas para a promoção internacional do país. "Ao contrário dos outros setores, estamos entre os dez melhores e mais competitivos destinos turísticos mundiais. É a única atividade económica [no país] em que jogamos mais próximo do nível superior e não podemos jogar sem meios para isso", aponta. 

Os dados do Instituto Nacional de Estatística, conhecidos esta semana, confirmam que 2023 foi o melhor ano de sempre para o turismo, superando, pela primeira vez, o pré-pandemia. As contas das agências de viagens ficaram em linha com este recorde?
Confirmamos em absoluto. Tivemos, em 2023, o nosso melhor ano. Em 2022 emitimos 2,16 milhões de bilhetes de viagens aéreas, só em linhas não low cost, e em 2023, pela primeira vez, atingimos os 2,4 milhões - são quase mil milhões de euros em emissões. Sabemos também que no país, pela primeira vez, ultrapassámos os 3,2 milhões de viagens para o estrangeiro e as agências de viagens foram um pilar nisso.

A APAVT deu conta, nos primeiros meses do ano, de uma corrida às viagens, com uma procura 20% acima de 2023. O comportamento manteve-se?
Não se manteve, mas há boas perspetivas para o resto do ano. No primeiro trimestre houve um crescimento da procura muito acentuado, de 20% ou 30%, dependendo dos operadores turísticos e das rotas. Há um abrandamento no segundo trimestre, que tem a ver exatamente com o êxito das reservas antecipadas. Neste momento, no verão, sobretudo na operação charter, diria que o jogo está por jogar. Há muitos destinos com lugares por vender. Depois do verão ainda há muita incerteza e preocupação, temos duas guerras importantes no mundo e a inflação.

A avaliar pela procura pujante no primeiro trimestre, diria que a inflação não impactou o poder de compra dos portugueses?
Tivemos um grande ano em 2023 e em cima de um grande ano há aumento da oferta, as pessoas que querem viajar têm a memória de que não foi fácil e tentam assegurar lugares. O comportamento do primeiro trimestre é relativamente expectável. O que eventualmente não esperaria foi o comportamento da procura face ao aumento da inflação. Há uma aparente alteração do consumo ou do comportamento do consumidor. E há um novo comportamento numa franja importante do mercado, que são as pessoas mais idosas e com poupanças relativamente significativas, que no pós-pandemia ficaram com uma elasticidade maior relativamente às incertezas e à perda do poder de compra. Têm poupanças, decidiram que vão viajar até ao fim da vida, e isso pode ser uma explicação. A ser verdade, temos aqui a introdução de um estabilizador de mercado do lado da procura. A verdade é que a inflação existe, as taxas de juros aumentaram, mas o comportamento do consumo foi muito mais positivo do que tradicionalmente seria de esperar.

E face a este cenário, como estão os preços? Viajar este ano está mais caro?
Está mais caro porque houve um aumento de preços devido à inflação e porque o ano corre bem, e com os custos a aumentar é natural que os preços subam também. Agora, o mercado charter é muito flexível do ponto de vista do preço. Na programação os preços subiram, entre 5% e 15% mas se a procura não corresponder, a verdade é que haverá ajustamento do preço. Agora no verão, diria que à medida que nos aproximarmos de algumas datas de partida que podem não estar preenchidas, geralmente os operadores turísticos lançam algumas campanhas especiais. Vamos vender mais caro do que no ano passado, em termos de mercado global, mas não de uma forma muito significativa.

Como estão os portugueses a fazer estas férias e quais são os destinos preferidos lá fora?
Há três vencedores antecipados: as Caraíbas, Cabo Verde e a Tunísia, porque claramente são rotas muito preenchidas, mas depois o mercado português é um mercado muito adulto e não há poucos destinos. De facto, temos um caleidoscópio de destinos que se pode comparar a qualquer mercado desenvolvido europeu. Itália, Ilhas Espanholas, Marrocos, circuitos europeus, Zanzibar, Albânia, Dubai, Oriente em geral e depois Espanha e Portugal.

E cá dentro?
Em Portugal, diria que praticamente todas as regiões estão, de modo geral, ainda em jogo, ainda não venceram. Isto significa que ou os mercados reagem à última hora muito bem. Por exemplo, o Algarve sei que ainda tem ocupação por preencher. Temos de pensar que a Alemanha acabou de ser eliminada e a Inglaterra vai à final. Diz-me a experiência que quando um determinado mercado é eliminado de uma grande competição futebolística, o dia a seguir é um bom momento de reservas, porque as pessoas estão um bocadinho mais condicionadas. Penso que as coisas ainda estão por acontecer.

Relativamente ao Algarve, no ano passado falou-se de um verão com menos mercado doméstico devido aos preços mais altos. Espera-se um cenário idêntico em julho e agosto?
Eventualmente. O preço está alto, mas nunca me preocupo com o preço quando a ocupação é boa. Estamos sempre a falar que não queremos preços baixos e, se queremos gerir a pressão turística, temos de, por turista, obter mais receita. E não se consegue isso se não tivermos uma estadia superior ou um preço mais alto. Não me choca muito, como não me choca se um português for para as Caraíbas em regime tudo incluído e pagar menos. Choca-me é se os hotéis não ficarem ocupados. Julgo que ainda é cedo para ter a certeza do que vai acontecer. Os hoteleiros mantêm os preços altos e ouvi comentários de alguns mercados emissores que podem estar a achar os preços altos, mas é muito difícil comentar estas questões antes do verão.

Há destinos concorrentes que estão a vender mais barato do que o Algarve ou as ilhas. Isso pode ser uma ameaça ao turismo nacional?
Se a taxa de ocupação for boa, acho que não é nenhuma ameaça. Faz bem ao mundo se houver mais turistas portugueses nas Caraíbas e mais turistas estrangeiros em Portugal. Isso é que faz a nossa multiculturalidade e sermos um mundo policromático e termos mais tolerância pelas diferenças. E faz-se não só com as pessoas a passar férias cá dentro masa trocar de país. Temos tido tradicionalmente, e parece ser um número muito estável, cerca de 30% de mercado interno na ocupação hoteleira.

Quais foram as maiores diferenças e desafios este ano no desenho da operação charter? Houve um reforço da aposta no Porto devido aos constrangimentos da Portela?
Absolutamente. As grandes diferenças são, em termos de procura, mais reservas antecipadas. Em termos de oferta temos mais operação e temos mais Porto porque o aeroporto de Lisboa está com mais dificuldades agora do que em 2023. Depois, pelas características das regras de atribuição de slots, a operação turística é, passo a passo, um bocadinho expulsa do aeroporto de Lisboa. Os voos regulares têm prioridade, os voos anuais têm prioridade e, apesar do tráfego charter ser muito bem-vindo pela administração do aeroporto, por ser temporário muito flexível, - podemos alterar a hora de partida quase semana a semana - a grande verdade é que as regras de fixação dos slots nos estão a expulsar um bocadinho e isso é algo de novo, também. Diria que a nossa procura global no país está habituada a partir de Lisboa, o que é diferente de estar habituada a partir do Porto.

Beja e Faro poderiam ser alternativas?
Não. Faro está numa ponta e no verão nem sequer tem procura, porque todos os portugueses [da região] estão a trabalhar no turismo. Faro tem uma procura de portugueses, em termos de mercado emissor, depois do verão. Temos uma procura, diria, quase que a partir de Lisboa e até ao norte e não faz muito sentido fazer uma operação a sul. Em Beja estudámos várias hipóteses, mas vejo com grande dificuldade. Não podemos fazer ali voos de curta duração porque demoraríamos mais a chegar a Beja do que no próprio voo e é desagradável fazer um voo de hora e meia e demorar quatro ou cinco horas a chegar a Beja. São dificuldades operacionais grandes, foram estudadas e tentámos com a ANA perceber se haveria alguma escapatória que desse jeito a toda a gente, mas não, neste momento a alternativa mais viável é o Porto. Que, aliás, funciona bem como aeroporto e não vejo mal nenhum em apanhar o voo no Porto ou em Lisboa, as distâncias são as mesmas. É mais uma questão de hábito e vamos caminhar para lá certamente.

Esse cenário pode traduzir-se num desafio futuro de pressão e congestionamento do aeroporto Francisco Sá Carneiro?
Aparentemente o Porto ainda tem capacidade de crescimento e, portanto, não é a nossa primeira preocupação. Preocupa-nos mais as obras na Portela que permitirão uma melhor operacionalização do aeroporto. Isso é fundamental para gerir os atrasos e uma operação que é complexa.

Sempre afirmou que se o futuro aeroporto de Lisboa passasse por Alcochete teria de existir uma solução intermédia, que seria Montijo. Como vê os planos anunciados pelo Governo nesta matéria?
Vejo com alguma desconfiança metódica, porque esta desconfiança é também um exercício de cidadania. Gosto que haja uma decisão e é bem-vinda. No entanto, tenho a consciência de que nada está feito e de que é uma intenção. Desde o documento de impacte ambiental até às lutas que esperamos com as associações ambientalistas, ainda serão vários anos e não tenho razões para ter a certeza de que Alcochete é o sítio do novo aeroporto. Por isso é que tenho pena que se tenha deixado cair o documento de impacte ambiental do Montijo, porque era uma via que estava aberta para uma solução em poucos anos e é também por isso que para nós são absolutamente importantes as obras na Portela. São a única via de, a curto prazo, melhorarmos um bocadinho a capacidade de resposta.

A TAP será outro dos temas que irá marcar os próximos meses. Que estratégia defende para a companhia?
Em relação à composição do capital social da TAP, a APAVT nunca tem dito se deve ser pública ou privada. A TAP tem de ter capacidade de crescer e julgo que com um bocadinho de bom senso a privatização vai ajudar, porque é necessário financiamento e não há um projeto de crescimento, aparentemente, sem alguma privatização - não sei se total. Do ponto de vista do timing, sei que o Governo não abandonou [a ideia da privatização], mas também julgo que não está assumida como a principal prioridade das reuniões do Governo. Não sei se isso será um grande problema ou uma grande oportunidade, porque a concentração aérea na Europa está num momento de enorme dinâmica. Temos a Lufthansa a comprar a ITA, temos a IAG a apertar o cerco à Air Europa, temos a Air France/KLM a ir atrás da SAS e, se tudo isto acontecer, a TAP pode ficar para último lugar. Há quem defenda que isso é uma enorme fragilidade e provavelmente há quem considere uma grande oportunidade. Vamos ver. O que é importante em tudo isto é que este processo de recuperação não pare.

E relativamente à SATA e aos Açores? Os empresários da região têm contestado a falta de ligações ao arquipélago.
É uma resposta mais difícil. A SATA precisa de um projeto de desenvolvimento e não se consegue desenvolver se não crescer e parece-me difícil que consiga crescer sem novos capitais. À semelhança da TAP, a SATA, mais cedo ou mais tarde – aliás, penso que é uma decisão, mais do que do Governo, europeia –, vai ter de ser privatizada.

Um estudo da ForwardKeys, em parceria com a European Tourism Association, conhecido esta semana, aponta o elevado crescimento dos mercados da ásia-pacífico e Estados Unidos na Europa. Como pode Portugal captar estes turistas?Portugal tem de, no estado em que está, continuar a crescer, porque se não vai perder a guerra do turismo mundial. A melhor maneira de continuar a crescer é o longo curso, são os mercados internacionais como o brasileiro, o norte-americano e o asiático. Porque não procuram só sol e praia e, portanto, permitem atenuar a sazonalidade. São também os mercados emissores com mais receita por turista, não apenas porque eles gastam mais, mas também porque estão cá mais tempo. Os mercados asiáticos virão a seguir e não há outra maneira de trabalhá-los se não for com ligações aéreas e com o seu desenvolvimento. A atual TAP tem estado na centralidade do turismo portuguê e o atual turismo tem muito a ver com a estratégia do Fernando Pinto, que desenvolveu o mercado brasileiro. Depois a estratégia do Antonoaldo Neves, que há menos tempo desenvolveu o mercado norte-americano, e de alguma maneira, julgo que eventualmente – e não com a TAP - temos de desenvolver uma estratégia das rotas aéreas para captar os mercados asiáticos, que já são os principais mercados do mundo.

O Governo anunciou recentemente o Programa Acelerar a Economia. Das 60 medidas anunciadas, 17 respeitam ao turismo. Que leitura faz deste pacote?
Do ponto de vista do rumo, parece-me muito feliz. O facto de em 60 medidas 17 visarem especificamente o turismo, merece um cumprimento porque, pela primeira vez, um governo assume que sem turismo não se cresce em Portugal. Dito tudo isto, vamos introduzir um bocadinho a desconfiança metódica. São anúncios de intenções que vão ter de ser escrutinados, espero que a Confederação [do Turismo de Portugal] escrutine, a APAVT irá fazê-lo. Algumas destas medidas nem sequer dependem do Governo: a baixa do IRC, que é tão bem-vinda, vai depender do diálogo parlamentar. Por outro lado, destas 17 que estão alocadas ao turismo, 14 ou 15, dependem quase só da liderança do Turismo de Portugal. E essas serão realizadas porque conheço a tutela e é por isso que o turismo cresce mais do que a economia em geral: somos mais competitivos, estamos mais bem organizados, temos uma parceria público-privada que é um exemplo no país. Portanto, se devemos ter alguma desconfiança, porque são intenções, ainda mais com esta desordem política, e não são realizações, provavelmente será na área do turismo que elas vão aparecer mais cedo. Tenho de sublinhar a medida do pagamento a 30 dias [redução dos prazos de pagamento do Estado a fornecedores através de modelos de pagamento de faturas em 30 dias nas entidades públicas, com cumprimento previsto até ao final da legislatura]. Se o Estado conseguisse pagar a 30 dias, algumas das medidas da parte de tesouraria não seriam necessárias.

Essa deveria ser uma medida prioritária?
Devia, mas alguém acredita nela?

Essa desconfiança tem a ver com as condições da legislatura?
Não, tem a ver com a capacidade do Estado de pagar a 30 dias. Desde que nasci que falamos nisso. O Estado pagar a 30 dias é como tomar banho diariamente, é uma medida de higiene básica. As agências de viagens pagam os bilhetes de aviação em 18 dias e meio. Vão passar a pagar, a partir de 1 de janeiro de 2025, em oito dias e meio. A Economia trabalha fornecendo e pagando. O Estado continua a pagar a oito ou nove meses, às vezes a mais de um ano. Esta medida é fundamental, mas o que vem aqui é um anúncio. Todos tentaram, se este governo conseguir…

Há outras medidas para o futuro do turismo que deveriam constar deste programa?
Do ponto de vista do turismo, temos de começar a pensar em reforçar a promoção internacional. O turismo é um dos setores mais competitivos do mundo. Competimos com todo o mundo e, ao contrário dos outros setores, estamos entre os dez melhores, os mais competitivos dos destinos turísticos mundiais. É a única atividade económica em que jogamos mais próximo do nível superior e não podemos jogar sem meios para isso.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt