Pedro Mota Soares é licenciado em Direito e pós-graduado em Direito do Trabalho, sendo consultor na Andersen TaxLegal Portugal. Começou cedo na política, como líder da Juventude Popular, e chegou a secretário-geral e vice-presidente do CDS. Para além da militância e das funções de deputado, foi ministro do Emprego e da Solidariedade Social no governo de Pedro Passos Coelho, bem como presidente da Assembleia Municipal de Cascais. Treina resistência, é maratonista e já correu a prova de Roterdão e a Maratona de Lisboa. É hoje secretário-geral da Apritel, a associação dos operadores de comunicações eletrónicas.
A ANACOM diz que os preços das comunicações subiram em Portugal, a Apritel diz que não só desceram como lideraram as descidas na Europa. Como é que pode haver esta divergência se os dados são dados?
Portugal tem dos melhores serviços de comunicações da Europa. É um facto: 92% das casas em Portugal têm rede de fibra e 99% dos portugueses têm cobertura de rede móvel, o que provém de um setor que todos os anos investe muito. No ano passado, foram 1,5 mil milhões de euros investidos na economia portuguesa, o que representa 4,2% do investimento que existe em Portugal. E isto tem consequências: os portugueses usufruem de serviços ao nível do melhor que há no mundo a preços baixos, quando comparados com os parceiros da UE. Ao analisar os preços, há que ver se as comunicações são compradas em pacote - e cá, a maioria de nós fá-lo - e quanto custam lá fora, para saber se o preço é mais baixo ou não.
Considerando o nível de vida.
Sim, respeitando a paridade do poder de compra. Até hoje, o regulador nunca fez este estudo e por isso nós encomendámo-lo. Quisemos saber, face aos serviços mais consumidos no país, quanto custam em França, Alemanha, Espanha, Itália, países comparáveis. E as conclusões são curiosas: somos dos que têm preços de comunicações mais baixos - abaixo só há um país. A própria DECO fez um estudo semelhante em 2021 e chegou à mesma conclusão: os nossos pacotes são dos mais baratos da UE. Outro ponto passa por olhar para a inflação num determinado setor ou num país, e a própria ANACOM reconhece, no balanço do setor, que desde 2017 a inflação nas comunicações foi muito abaixo da verificada no país. E vemos isso hoje, sabendo que estamos com grande pressão inflacionista: o último dado mensal do país é de 8% e as comunicações estão a ajudar a que não suba ainda mais. Nesse sentido, o mercado aqui caracteriza-se por ter produtos do melhor nível nacional e internacional.
E inovação.
E ter enorme inovação. Permanentemente, estamos a apresentar novos produtos, soluções, coisas que achamos muito normais, como puxar a televisão uma semana para trás, mas que não são tão comuns quanto achamos ou são serviços caros. Também em matérias que têm que ver com a Internet das Coisas... somos um mercado muito inovador e isso é fruto do muito forte investimento dos operadores. O nosso mercado é muito competitivo, muito concorrencial, com produtos de elevada qualidade e a preços contidos. O que demonstra a vitalidade do setor no país.
Afirmou que as receitas do setor têm caído sistematicamente, foram menos 1,3 mil milhões, enquanto o número de serviços tem aumentado. São essas as contas que o regulador não faz?
São factos. Se eu olhar para os números de 2009 a 2021, as receitas caíram 25% ao mesmo tempo que o número de serviços subscritos subiu 32%. O que isto quer dizer é que a receita média por serviço está a cair 43%. Isto demonstra o dinamismo e a concorrência, a competitividade que existe nas comunicações eletrónicas. Falamos muito de digitalização, transição digital, e temos noção de que o setor colabora com o país, entrega-lhe as autoestradas do futuro. Estamos a colaborar para um país que se quer mais coeso, a nível territorial mas também social. Há certamente muitas coisas a fazer enquanto sociedade, Portugal tem ainda um problema de literacia digital, há quem não aceda normalmente a estas novas tecnologias de informação, mas o setor já entrega muito ao país, fruto deste enorme investimento. Nos últimos dez anos, investimos pelo menos mil milhões todos os anos. A consequência: somos o terceiro país da UE com maior cobertura de redes de elevada capacidade. 92% do país está coberto com redes de fibra, o que demonstra a qualidade da nossa infraestrutura.
E como é que se distribuem as receitas?
Metade vem de pacotes de comunicações, é uma tendência mundial - é mais confortável para o consumidor poder ter os serviços em pacote e torna-se mais barato. A outra metade é sobretudo serviços móveis ou fixos stand alone. Se olharmos o perfil médio do consumidor português, percebemos que nesses pacotes metade tem quatro ou cinco serviços (4p/5p) e 40% têm 3p. Já só restam uns 10% com pacotes de dois serviços. Isso foi uma transformação que também impactou na perda de receita, com benefício dos consumidores, pela redução de preço. Somos um setor com grande necessidade de investimento intensivo mas fundamental para os desafios do país. Portugal é geograficamente mais periférico no quadro da UE, mas com uma infraestrutura digital com a capacidade da nossa tornamo-nos menos periféricos. Basta ver o que aconteceu em pandemia, quando ficámos todos confinados a trabalhar, a ter aulas, as relações sociais passaram a ser à distância... e o setor suportou o crescimento dos consumos.
Como estão agora os consumos?
Estavam a subir já antes da pandemia. O consumo de dados, quer móveis quer de redes fixas, subiu 730% entre 2014 e 2021, é uma subida exponencial e que demonstra capacidade e qualidade das redes. Portugal é hoje um país muito atrativo para os nómadas digitais e nisso é muito relevante termos qualidade nas infraestruturas de comunicações.
Esse ritmo de investimento é para manter? Focado agora na implementação do 5G?
O investimento no 5G está e continuará a ser feito, mas olhando os dados consolidados do setor não é um ano extraordinário: o investimento feito está sempre acima dos mil milhões, é muito significativo. Temos todos a noção de que o futuro vai passar cada vez mais pela dimensão do digital - a forma como trabalhamos, a forma como nos relacionamos, como estudamos passa muito pela digitalização, é um dos nossos grandes desafios, e podemos estar orgulhosos deste setor.
E é possível apanhar o comboio do 5G depois do atraso no leilão?
Os números são impressivos e falam por si: há operadores que já anunciaram que têm cerca de 70% da população coberta com 5G. Mas de facto Portugal perdeu tempo no leilão, que, no final do dia, foi mais caro do que se previa. Isso também não é positivo porque retira capacidade de investimento noutras dimensões. Mas os operadores estão a dar resposta, a desenvolver as redes para garantir que Portugal não fica para trás na transição digital.
Será essa uma oportunidade para voltar a contratar, depois de se ter reduzido brutalmente os recursos humanos? Só em 2020, perderam-se 2 mil trabalhadores.
Sabemos os desafios que temos no mercado de trabalho, crescentemente há serviços em outsourcing, e quando olhamos os números devemos ver a sua totalidade. O grande desafio da sociedade portuguesa é promover e reter talento - também nas telecomunicações, esta capacidade de formar talento em novas tecnologias. Nos estudantes que vão para estas áreas não há desemprego. É preciso também fazermos o reskilling de muitas pessoas que estão em setores que podem ser descontinuados e dar-lhes novas competências e o setor digital tem pressionado isso.
Até março, as Telecom estiveram impedidas de cortar serviços. Já voltaram a cortar?
Logo no início da pandemia, até antes de haver regras formais, o setor teve muita sensibilidade face às dificuldades dos consumidores, foi muito importante para nós garantir que um consumidor com dificuldades continuava a ter o seu serviço de telecomunicações. Tentámos sempre protegê-los e uma das primeiras coisas que fizemos foi disponibilizar comunicações gratuitas, nomeadamente nos dados, que aumentaram imenso. E o setor mantém essa preocupação de garantir que ninguém fica para trás. Há um dado que vejo como importante que são as reclamações no setor.
E como estão a evoluir?
Todos temos centenas, até milhares de interações diárias com o setor das telecomunicações, logo é normal haver mais reclamações. Mas a verdade é que nos últimos dez anos elas têm vindo a cair sistematicamente. Tiveram em 2020 uma inversão - que se explica com a pandemia -, mas já estão em 2021 abaixo do que estavam em 2019. São dados quer das associações de consumidores quer da ANACOM, que lançou recentemente o relatório sobre o tema: no primeiro trimestre houve uma descida de 30%, sinal da grande qualidade do setor.
E há atrasos nos pagamentos?
O setor tem enorme preocupação de dar respostas caso a caso às pessoas, procuramos garantir que não ficam limitadas nas comunicações. Essa preocupação foi acrescida em pandemia - procurávamos soluções, pagamento em prestações, diluído no tempo, e é algo que mantemos mesmo agora, que já desconfinámos e retomámos a atividade.
Com o efeito da guerra na Ucrânia, o setor também está a lidar com subidas de custos. O aumento vai passar para o consumidor?
Não queria falar sobre algo que é ainda especulativo. O setor está pressionado por um contexto económico desafiante, a inflação está a impactar custos muito significativos no setor: na energia há aumentos de 150% e isso tem muito impacto, os preços do cobre, que é fundamental para o setor, subiram 80% de janeiro de 2020 a este maio, portanto há pressão muito forte. E neste contexto muito desafiante, volátil e incerto, é essencial, para o setor e para o país, garantir que há previsibilidade quer da regulação quer da legislação, para os operadores poderem continuar a desenvolver os seus planos de investimento, a fazer o roll out das redes de 5G. E não só, porque uma das consequências do leilão é aumentar-se também a cobertura de redes de 4G, 3G, vai haver cobertura ainda mais forte. Além disso, ainda há no país zonas brancas, não cobertas e que não têm rentabilidade comercial. Se queremos ter, do ponto de vista da coesão social, resposta, temos de alocar investimento público para se cobrir essas zonas. A Alemanha está a fazê-lo até em matérias de 5G, Espanha está a investir imenso através do PRR no setor das comunicações e também aqui faz sentido que isso aconteça. Já é público que o governo constituiu um grupo de trabalho para analisar essa matéria, que é do interesse do país, mais até do que do setor, mas a Apritel está totalmente disponível e quer colaborar para esse objetivo.
Voltando atrás, se a inflação durar só uns meses os preços poderão manter-se, mas se se prolongar terá de haver aumentos?
Não quero especular sobre uma matéria que daqui a pouco tempo pode estar ultrapassada. Nós não sabemos que vai acontecer a seguir. O que sabemos é que a inflação está a escalar e as telecomunicações têm ajudado a conter a subida de preços.
Previa-se que 780 mil famílias pudessem aceder à Tarifa Social de Internet (TSI). Já houve muitas a fazê-lo nestes cinco meses?
A entrega da TSI, depois de feitas as regulamentações e interações necessárias, só arrancou há três meses, é pouco tempo, é cedo para se avaliar em condições uma política nova e que ainda por cima tem esta dimensão social. Mas quero dizer o seguinte: Portugal fixou dos requisitos mais exigentes da UE e todos os operadores estão não só a entregar a TSI como a promovê-la nos sites, nas lojas, há informação, respostas sobre quem e como pode aceder. Eu tive a preocupação de me reunir com associações de consumidores para lhes dar nota de como iríamos fazer essa promoção. E em Portugal, os preços e o que se oferece aos consumidores já são muito competitivos, mesmo quem tem recursos mais baixos consegue aceder a telecomunicações porque as ofertas comerciais dos operadores já contemplam muitas vezes este perfil de consumo. É importante para nós. Dito isto, estamos a falar de uma política muito importante, de dimensão social e até para promover que mais pessoas possam aderir e usufruir de comunicações. É mesmo muito importante. Mas sendo um benefício para todo o país, o financiamento de uma política social como esta devia ser feito via OE e não via operadores. São os operadores que estão a suportar a TSI.
Há hipótese de vir a ser o Estado?
O que está previsto na legislação é que o encargo é dos operadores. Mas sendo o benefício para a totalidade do país, e concordando totalmente com esta lógica de promover as comunicações para os portugueses mais vulneráveis financeiramente, consideramos que o financiamento devia vir do OE e não dos orçamentos dos operadores.
As telecoms pagaram 100 milhões, um recorde, em taxas e licenças. Tendo em conta o momento, elas deviam ser revistas?
Sim, sem dúvida. Hoje, os custos de contexto do setor são muito elevados, crescentemente altos. Em dez anos, subiram mais de 30%, é muito pesado sobre o setor. E os encargos financeiros que tivemos com o leilão 5G foram muito desequilibrados. O 4G, há menos de 10 anos, rendeu cerca de 370 milhões aos cofres do Estado, desta vez foram 566 milhões de euros. É um encargo enorme sobre operadores que têm imensa necessidade de manter investimento. As taxas regulatórias do setor têm vindo a aumentar todos os anos e isso revela que alguma coisa não está bem. Às vezes é preciso dar mais liberdade aos agentes económicos.
A relação com o regulador já está pacificada?
A Apritel é sempre um parceiro de diálogo com todas as entidades: governo, Assembleia, regulador, associações de consumidores, público... É um ponto relevante para nós. Mas era importante haver mais previsibilidade do ponto de vista legislativo e regulatório. Uma das coisas em que temos insistido é a necessidade de se avaliar o impacto regulatório: quando se toma uma medida com um fim, é importante perceber porque se tomou a medida, que se estude e conheça o setor para que a medida venha a existir e que se avalie se resultou. É importante que um regulador conheça a realidade do setor que regula.
E este não conhece?
Muitas vezes temos de chamar-lhe a atenção para questões objetivas. Falámos aqui dos preços, é um tema em que tivemos necessidade de fazer um estudo para comparar o comparável, porque não existia; muitas vezes em matérias que têm que ver com a perceção dos consumidores do mercado é a Apritel que encomenda os estudos porque nem sempre a ANACOM os faz e para nós é importante comunicar os resultados.
Qual seria a medida do governo prioritária para ajudar o setor a ultrapassar constrangimentos e crescer?
Portugal está a transpor o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, é um grande desafio que temos - este setor é fascinante também por isso, está permanentemente em transformação. Também as novas plataformas que vendem conteúdos em cima das redes de comunicação, as OTT, quer redes sociais quer plataformas de streaming, temos de perceber como se vai equilibrar estas forças entre as novas plataformas e os operadores. É uma discussão que está a acontecer na Europa. E Portugal vai ter de transpor a diretiva sobre os copyrights, que é muito importante. A pirataria retira muito dinheiro à economia portuguesa, destrói postos de trabalho - a comunicação social sabe-o bem - e muitas das pessoas que trabalham em atividades culturais sofrem com este fenómeno. É outro tema que temos pela frente. Há muitos desafios e é fundamental que os operadores consigam prever, tenham previsibilidade na lei e na regulação, para continuar a investir crescentemente e a ter capacidade de entregar redes de excelência a preços que são dos mais baixos da UE.