Pirro já ganhou

Dia 17, Câmara dos Deputados decide se Dilma continua ou se o seu vice-presidente, Michel Temer, lhe toma o lugar. Vença quem vencer, Pirro já ganhou.
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Tal como o rei do Épiro e da Macedónia - que para derrotar os romanos ficou mais fraco no fim da batalha do que no estava no início – caso Dilma escape do impeachment, no dia seguinte vai liderar um governo tão ou mais medíocre do que o atual. E ainda mais fragilizado perante as ruas.

Ao perder a parceria do PMDB de Temer no governo e, por consequência, o apoio da maioria dos peemedebistas na votação do impeachment, a presidente escolheu trocar o feiticeiro por aprendizes de feiticeiro. Explicando: os quase 600 cargos de nomeação política de que dispunha o PMDB, uma massa informe que faz do oportunismo a sua (assumida) ideologia, estão a ser leiloados por mini-PMDBs, partidos que, infestados de interesseiros, corruptos e cadastrados, negoceiam cargos em troca do seu apoio no dia da votação do impeachment. Um Mensalão a céu aberto, portanto.

Se escapar do impeachment, a presidente liderará um governo tão ou mais medíocre técnica e eticamente do que o anterior e continuará a ter de conviver com Eduardo Cunha, um anti-Dilma fanático, envolvido em quase tudo o que de mais imundo a política brasileira tem produzido nos últimos anos, a vetar-lhe tudo o que mexa na presidência da Câmara dos Deputados.

E, provavelmente, uma economia a deteriorar-se porque os investidores que especulam no mercado e os jornalistas que especulam nos editoriais da The Economist continuarão a preferir Temer a Dilma, apesar do detalhe de ele não ter ido a votos e de ela ter sido eleita por 54 milhões de brasileiros.

Chegamos então ao segundo Pirro: Temer. Se conseguir os 342 votos necessários para destituir Dilma, o “vice”, considerado um mal menor até dentro do seu próprio partido, vai presidir não graças ao voto popular mas sim pela escolha dos deputados da nação – que a última vez que foram chamados a eleger alguém, escolheram nada menos do que o nefasto Cunha para os representar.

Além disso, Temer governará sob a suspeita de pretender calar a Lava-Jato. Ele e toda a cúpula do seu partido (aqueles que apareceram nas fotografias a aplaudir o momento do desembarque do PMDB do governo) já foram citados por delatores do caso de corrupção em torno da Petrobras. O partido do vice-presidente, por estar no poder há mais de 20 anos, é o que mais acumula ilícitos na história da democracia brasileira.

Nas ruas, o PT, sigla que, goste-se ou não, ao contrário do PMDB, tem forma, ideologia, projeto, militância e paixão, não deixará de gritar “golpe” no ouvido de Temer a cada mês, a cada semana, a cada dia, a cada hora.

O dia da votação do impeachment não será, portanto, o último. Se a população que se mobiliza nas ruas entender que em vez de defender causas difusas – como o infantil “fim da corrupção” – e se concentrar em pautas concretas – como a luta por uma reforma política que extinga os partidos sanguessugas - pode até ser o primeiro.

Leia as opiniões de João Almeida Moreira aqui.

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