Em discussão pública até dia 21, a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, desenhada por António Costa Silva, vai determinar a aplicação dos 45 mil milhões que o país receberá de Bruxelas nos próximos sete anos. Em conjunto com o BCSD Portugal - Conselho Empresarial para Desenvolvimento Sustentável, o Dinheiro Vivo revela como 15 líderes de diferentes áreas veem os pontos fortes e o que falta no plano que está em marcha.
Alexandre Ramos, CIO da Liberty na Europa (Portugal, Espanha e Irlanda) e branch manager em Portugal
Das propostas apresentadas, destaco o papel dos reguladores que, na nossa ótica de seguradora, devem proteger cada vez mais os consumidores perante a oferta crescente de produtos e serviços, não só pela mão da indústria, como pelas novas insurtech. Torna-se crucial o investimento do país na indústria digital, suportada pela formação, escolar e empresarial. A aceleração da digitalização tem de ser sustentável e com medidas concretas. Na Liberty mantemos a aposta no país. Queremos aumentar quota de mercado e o investimento em tecnologia que acabamos de anunciar serve precisamente esse propósito. Queremos ter a capacidade de inovação de uma insurtech, com o know how de uma companhia com mais de 100 anos no mercado.
A Liberty pretende manter-se um forte parceiro dos portugueses neste apoio à aceleração da digitalização, influenciando positivamente a indústria seguradora com parceiros, clientes e em estreita relação com reguladores.
Ângelo Ramalho - CEO Efacec
A reindustrialização da Europa pode ser última grande oportunidade para a verdadeira a industrialização de Portugal. O plano de desenvolvimento da indústria nacional deve endereçar os problemas estruturais de competitividade da nossa indústria, mas também a criação de condições de melhoria da atratividade para a captação de IDE. O crescimento recente da economia está suportado em atividades terciárias de baixo valor acrescentado e alta volatilidade. Quando o Estado assume um papel de safe net e protetor da economia, é ainda importante não esquecer o papel das empresas, verdadeiros motores da economia, desenhando mecanismos que fomentem inovação, competitividade, excelência e retenção de talento. Vejo com bons olhos a aposta em eixos estratégicos prioritários catalisadores da economia e do combate às alterações climáticas.
António Brochado Correia Territory - Senior Partner da PwC
As empresas estão a enfrentar um dos maiores desafios da história, sendo este um momento único para reflexão sobre como se quer impulsionar a recuperação. Este momento é uma oportunidade de reinvenção e adaptação dos negócios ao novo contexto, em que a integração de temas como a sustentabilidade e a tecnologia e digitalização são diferenciadores. O reposicionamento está refletido no Plano de Recuperação, sendo o alinhamento das políticas de investimento público e privado cruciais. O setor financeiro será chave no financiamento sustentável, incluindo a disponibilização e promoção de produtos verdes. Valorizar os recursos naturais de Portugal, de forma sustentável, é um imperativo. Devemos concretizar oportunidades inerentes à nossa dimensão marítima e continental.
António Lagartixo - CEO da Deloitte Portugal
A discussão de uma visão estratégica para o país é crítica, com a enorme recessão que vamos viver e a necessidade de uma correta utilização dos fundos. Ter um caminho claro e tão consensual quanto possível fará a diferença entre mergulharmos num caminho de distanciamento da Europa ou aproveitarmos os nossos fatores diferenciadores para nos aproximarmos dos países mais desenvolvidos. Por isso, no Plano de Recuperação, destaco dois eixos: os investimentos na rede de infraestruturas e na transição digital. No domínio das infraestruturas terão certamente de ser feitas opções, sendo fundamental a aposta no transporte de mercadorias. No que se refere à transição digital, a pandemia veio acelerar e reforçar a sua importância: necessitamos de promover a qualificação e retenção do talento nacional, a transformação do tecido empresarial e pôr mais tecnologia na administração pública, reduzindo burocracia e custos de contexto. A requalificação de competências de cursos com menor procura no mercado de trabalho para competências nos domínios tecnológicos merecia destaque mais aprofundado.
Armando Oliveira - Administrador delegado da Repsol Portugal
O documento assume enorme utilidade, na medida que apresenta uma visão holística para a recuperação. Define vetores de atuação e medidas para todos os setores nevrálgicos da sociedade. Parece carecer contudo de diversificação das fontes na área da energia. A transição energética e a descarbonização são oportunidades para canalizar o investimento em projetos sustentáveis, de maneira a reinventar a indústria e precaver futuras carências. É importante a equidade entre tecnologias; será incauto restringir a transição a determinada ciência aplicada ou acreditar que a resposta a um problema complexo será efetivada apenas por tecnologias emergentes com alto custo e risco de segurança de armazenagem. A transição deve ser gradual e criteriosa, privilegiando a eficiência das soluções, conhecimento já desenvolvido e aproveitamento de infraestruturas, de forma a suavizar o custo de implantação das redes.
Duarte Costa - Founder da Grosvenor Investments
A recapitalização, inovação e maior resiliência da economia são absolutamente fundamentais na estratégia de diferenciação e criação de valor no longo prazo. E aqui, o papel dos privados e de cada um de nós individualmente será determinante para o sucesso do país. O Estado deve aproveitar o precioso contributo das experientes equipas profissionais que as sociedades gestoras de investimentos portuguesas têm atualmente e que serão o verdadeiro agente catalisador dos melhores princípios e práticas de sustentabilidade e dos investimentos sustentáveis, mandatórios neste novo normal.
Emanuel Proença -Administrador da Prio
Não haverá desenvolvimento sustentável sem transição energética. Uma visão estratégica para esta década tem de cobrir este assunto. Não fazer nada deixou de ser opção e fazer errado sairá demasiado caro. Mas enquanto país, mais do que consumidores, teremos de ser atores, i.e. tecnólogos, demonstradores, produtores e exportadores. O capítulo da industrialização pela transição energética nos transportes ainda está por escrever. Há que concretizar oportunidades na mobilidade elétrica, nos biocombustíveis avançados e no hidrogénio e de que forma de as capturar. O texto não reflete ainda a enorme oportunidade de sustentabilidade e negócio que resultará de fazer convergir competências que já temos, como entre o nosso cluster de software/hardware e o de equipamentos e soluções para a mobilidade elétrica, ou entre setores dos resíduos e das renováveis na produção de energias líquidas altamente sustentáveis.
Fernando Leite - CEO da LIPOR
O documento começa por estabelecer uma visão estratégica para o Plano de Recuperação. Aí sobressaem questões como a descarbonização da economia, a economia circular, a digitalização, a economia inclusiva, o envelhecimento populacional, aposta na I&D, formação, cadeias logísticas, a inovação e a reindustrialização. Considera vital que Portugal se prepare para novas crises. É um dos pontos que mais valorizo: a noção e a crença na imprevisibilidade do futuro e na limitada capacidade que temos como sociedade para, de modo célere e global, reequilibrarmos o normal. Considera-se fundamental colocar as empresas no centro da recuperação mas não se perde a ideia do papel do Estado, que em crises como esta é pedra fulcral da ação para uma retoma. Muito mais importante para o país do que esta Visão Estratégica, será o seu debate por todos os setores da sociedade e decisões equilibradas e coerentes, não só pelo governo como por todas as entidades públicas e privadas e pelos cidadãos.
Filipa Ferreira - Diretor de Pessoas e Cultura Banco Carregosa
É indubitável a relevância da construção de um Plano de Recuperação que conte com o compromisso inequívoco do Estado, empresas e cidadãos. Estimando-se a maior recessão global desde a Segunda Guerra, urge tirar partido de uma oportunidade privilegiada de repensarmos modelo económico-social que, uma vez mais, se evidenciou frágil, posicionando-nos com foco na implementação de iniciativas que promovam a sustentabilidade económica do país com menor dependência do exterior, a digitalização de forma transversal e apostando de forma estruturante e inovadora nas dimensões essenciais para uma sociedade próspera e sustentável: Educação e Saúde.
João Castello-Branco - Pres. da Navigator e do BCSD Portugal
Os desafios da agenda da sustentabilidade, que vão das alterações climáticas às desigualdades sociais, impactos ambientais do crescimento e necessidade de uma economia cada vez mais circular, são já conhecidos. Mas a crise da covid veio acelerar e precipitar essa agenda, ao pôr a nu fragilidades e vulnerabilidades da sociedade e da economia. Estamos, por isso, perante um call to action que temos de aproveitar. Acredito que Portugal se encontra em boa posição para o fazer, assumindo a iniciativa privada e a capacidade empreendedora das empresas um papel fundamental no desenho de modelos de negócio sustentáveis e viáveis, que ajudem a converter a crise numa oportunidade. Neste enquadramento e com base na reflexão sobre a transformação dos clusters tradicionais como ponto de partida para a construção do futuro, no Plano de Recuperação fica muito claro que as empresas são peças fundamentais.
João Rodrigues - Country Manager Portugal Europe da Schneider Electric
De forma geral, os dez eixos estratégicos definidos são as áreas que considero prioritárias para a construção de um país mais forte no pós-pandemia. Focando-me na aceleração da transição digital, é vital que a futura estratégia da administração pública dê a máxima importância à digitalização. As empresas que mais rapidamente se adaptaram e criaram valor são as que já trabalham dentro da economia digital, geram valor a partir dos dados e portanto concluo da necessidade de forçar esse caminho, de forma a fazer crescer as empresas nacionais e atrair multinacionais, que cada vez mais veem a Península Ibérica como hub tecnológico.
João Wengorovius Meneses- Secretário-geral do BCSD Portugal
O que está em jogo é a capacidade de Portugal ter maior relevância na atração e gestão dos fluxos de materiais, produtos/serviços, informação, capitais e pessoas (com talento). Temos boas condições de partida mas temos de ser capazes de melhorar o hardware e o software do país. Para tal, iremos precisar de bastante iniciativa privada e bom investimento público, nomeadamente nas infraestruturas, requalificação das pessoas e níveis de conhecimento e inovação da economia. Paralelamente, teremos de rever o nosso modo de vida e as cadeias de valor das empresas, para assegurar a sustentabilidade do modelo de desenvolvimento.
José Eduardo Martins - Sócio da Abreu Advogados
Costa Silva conhece suficientemente bem o país que nos calhou. Tanto que tem repetido com sabedoria o diagnóstico sobejamente conhecido: Portugal tem demasiados planos e quase nenhum planeamento. Não tendo carta para marear estes tempos valerá a pena recordar o que ficou por fazer nas últimas décadas de planos: abastecimento de água com uma tarificação justa, tratamento e reutilização de águas residuais e a abertura do mercado de gestão de resíduos.
Luís Fernandes - CEO da Cimpor
Os eixos estratégicos apresentados estão alinhados com os objetivos de sustentabilidade industrial. Os eixos de reconversão industrial, reindustrialização e transição energética mencionados são vitais para a recuperação económica e social. Caberá ao governo estabelecer canais de comunicação com o tecido industrial e definir as prioridades de atuação. O passo seguinte é materializar o plano em mecanismos legislativos que propiciem a execução e não comprometam o acesso a financiamentos.
Rosalina Tanganho - Manager External Affairs da Tabaqueira
É fundamental aproveitar este tempo para lançar a recuperação e a economia do futuro com base na reconversão industrial e na reindustrialização. É necessária uma nova visão a médio e longo prazo sobre o que pode ser o futuro industrial do país, abrindo a novos setores mas que preserve a atividade industrial já instalada e a sua competitividade a nível global, com políticas públicas a nível regulamentar e fiscal baseadas em evidência científica e que permitam reduzir a exposição a fatores de risco, criem um ambiente económico favorável para manter e reconverter investimentos em unidades produtivas de bens transacionáveis com capacidade competitiva a nível global, com a inerente manutenção e incremento das exportações e que assumam a sustentabilidade como modelo de negócio e a capacidade de descarbonização do processo industrial.
José Ramalho Fontes - Presidente da AESE Business School
Contribuição positiva para construir o plano de recuperação. Contém alternativas válidas resultantes da análise de um gestor privado com uma boa visão da realidade e das tendências mundiais. Muito oportunamente, chama à responsabilidade a “Rede de Escolas de Pós-Graduação de âmbito empresarial, que devem ser reforçadas e potenciadas com um novo ciclo de investimento e desenvolvimento”. Pela negativa, pode ser interpretado como um plano de recuperação, que não é, e as prioridades apresentadas, muito necessárias para contrariar a nossa tendência para a generalidade, não ajudam a focar-se no essencial. É um documento de trabalho que deveria ser discutido por stakeholders relevantes, em articulação com a sua operacionalização no âmbito do governo.