Plataformas e restaurantes pedem solução para entregas sem prejuízo

Teto de 20% para valor cobrado aos estabelecimentos por pedido é excessivo para os restaurantes mas insuficiente para despesas das tecnológicas. Municípios podem ser solução.
Publicado a

Há um ano, as plataformas de entregas eram uma refeição saborosa para os restaurantes. As cozinhas conseguiam mais rendimentos, enquanto as tecnológicas entravam numa nova cidade praticamente todas as semanas.

O coronavírus, contudo, provocou uma intoxicação alimentar: obrigou os estabelecimentos a dependerem exclusivamente do take-away e das entregas para sobreviverem, com queixas para as comissões de mais de 30% por cada encomenda, cobradas pela Uber Eats e Glovo.

O primeiro desconfinamento trouxe algum alívio, mas logo no início de 2021, os restaurantes ficaram novamente reservados ao take-away e às entregas. Voltaram as queixas sobre as comissões, que passaram a constar do menu de restrições do governo: desde meados de janeiro que há um teto máximo de 20% para o montante cobrado aos estabelecimentos por cada encomenda.

O caldo ficou entornado para os dois lados: a comissão continua a ser excessiva para os restaurantes e as tecnológicas queixam-se de que o valor cobrado é insuficiente para cobrir todo o serviço. As câmaras municipais poderão ser o ingrediente que salve esta refeição.

"Com a restauração a depender das entregas e do take-away, a atividade é insuficiente e os restaurantes não conseguem ter margem de lucro para suportar as despesas. A atividade gera prejuízo", indica ao Dinheiro Vivo o líder da Associação Nacional de Restaurantes Pro.Var, Daniel Serra.

O problema afeta sobretudo a gastronomia mais tradicional, "com uma divisão da estrutura de custos incompatível com a atividade das plataformas. Apenas nos espaços de comida rápida é que as entregas geram margem positiva".

No mais recente inquérito da Pro.Var, com 622 respostas, sete em cada 10 inquiridos responderam que o restaurante está a dar prejuízo. "O único retorno que existe é a ligação ao cliente e o facto de as equipas estarem ativas. Há mesmo muitos empresários que não têm consciência de que a atividade está a dar prejuízo", alerta o dirigente.

A mesma reclamação foi apresentada na semana passada pela associação que representa hotéis, restaurantes e similares (AHRESP).

"Muitos destes negócios não têm margem sequer de 20% para pagar 20% a uma plataforma e, portanto, logo à partida isto é um fracasso. Apesar de ser alguma coisa que cai na caixa registadora, trata-se de um valor extremamente residual e muito insuficiente para a maioria" dos restaurantes", corroborou a secretária-geral daquela associação, Ana Jacinto, em entrevista à Lusa.

Presente em mais de 50 cidades em Portugal, a Uber Eats é uma das principais plataformas de entrega de refeições. Fonte oficial do braço alimentar desta tecnológica sustenta que, desde o início da pandemia, "a maior prioridade é ajudar os parceiros", através do "investimento em ações de marketing, que geram procura" e aumentariam os rendimentos dos restaurantes.

Na semana passada, contudo, a empresa norte-americana suspendeu o serviço de entregas em Águeda, Guia e Vila Real de Santo António. "Estes ajustamentos são inevitáveis. O que estamos a tentar fazer é que o serviço se mantenha disponível e fiável em tantas localidades e para tantos restaurantes quanto possível. No entanto, tivemos de fazer escolhas e esperamos poder voltar a operar normalmente o mais rápido possível", justificou a plataforma.

A Uber Eats defende que a taxa de serviço "é a única receita" da empresa. A comissão financia várias operações: o serviço de entregas, "incomparavelmente mais eficiente e flexível do que o que qualquer restaurante poderia montar de forma independente; o serviço de apoio ao cliente, incluindo o custo suportado pela Uber com quaisquer problemas ocorridos com os pedidos; o processamento de pagamentos e a faturação certificada das entregas; as equipas que ajudam os restaurantes a ajustar a sua operação aos canais digitais e a explorar o seu potencial; a manutenção, o desenvolvimento e melhorias constantes da plataforma".

Quanto mais tempo houver um limite às comissões, maiores serão os cortes, avisa a tecnológica. Rever as zonas de serviço, limitar os raios de entrega para diminuir custos e reduzir ou mesmo eliminar campanhas de marketing são algumas das opções em cima da mesa.

Contando com os restaurantes fechados por mais algumas semanas, a Pro.Var defende uma "solução de proximidade" junto das plataformas. "As próprias câmaras municipais, em conjunto com associações locais, podem criar soluções alternativas", repartindo os custos entre restaurantes, clientes e taxistas.

Matosinhos, Viseu, Famalicão e Vila Nova de Poiares são alguns dos exemplos de sucesso apontados por Daniel Serra: as encomendas dos consumidores aos restaurantes são entregues por taxistas, sem taxa de transporte, coberta pelos municípios.

Também presente em mais 50 cidades, a Glovo acompanha a Uber Eats no fim dos limites às comissões. Em troca, a tecnológica espanhola sugeriu um corte de 50% da taxa de entrega paga pelos consumidores. Com financiamento da própria plataforma, esta medida geraria um aumento da procura "duas a três vezes superior" ao proporcionado pelas comissões dos restaurantes limitadas a 20%, estimou o diretor-geral, Ricardo Batista.

Até ao final desta semana serão conhecidas as medidas para a próxima quinzena do estado de emergência. Resta saber se o Governo e o Presidente da República vão manter o cardápio.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt