Pode o Marketing Social Corporativo responder às necessidades das populações mais pobres do mundo?

Publicado a

O conceito da Base da Pirâmide (BoP) foi popularizado por Prahalad na obra "A Fortuna na Base da Pirâmide”, onde defende que o crescimento das empresas pode fazer-se através do serviço a estas populações mais carenciadas, se souberem mobilizar de forma eficiente a inovação e se se focarem no vasto mercado inexplorado e em crescimento deste segmento. O termo foi usado por referência às populações pobres do mundo, que ganham menos de 2000 dólares por ano e estão localizadas na camada inferior da pirâmide, localizando-se sobretudo na América Latina, Sul da Ásia, Leste Asiático, Pacífico e África. Para além dos rendimentos muito baixos, este mercado é também caracterizado por acesso limitado a serviços essenciais e, frequentemente, por condições de vida rurais ou semi-urbanas. Os trabalhadores BoP enfrentam múltiplas barreiras que impedem o acesso a empregos de qualidade, e que incluem educação ou competências limitadas, falta de registo formal de trabalho, discriminação e estigma, bem como barreiras legais ou administrativas ao emprego. Essas barreiras são mais prevalentes para trabalhadores informais, que possuem rendimentos incertos e voláteis, não gozam de direitos e proteção laboral e, muitas vezes, não têm acesso a benefícios sociais e redes de segurança oferecidas pelos estados. Não há dúvidas que é necessário quebrar este ciclo vicioso, mas é importante perceber como e qual o papel das empresas em desfazer este ciclo.

De acordo com um estudo publicado em setembro de 2023 pela IFC (InternationalFinanceCorporation), parceira do Banco Mundial, estima-se que 4,5 bilhões de pessoas em países em desenvolvimento vivam na base BoP, sobrevivendo com esparsos rendimentos e sem acesso a bens, serviços e oportunidades económicas. E apesar do progresso significativo no combate à pobreza nas últimas décadas, a desigualdade de rendimentos continua a ser um desafio importante, agravado pela covid-19, que criou problemas económicos significativos para famílias de baixos rendimentos em todo o mundo. Como resultado, 90 milhões de pessoas a mais ficaram abaixo do limiar de pobreza em 2022. Os mercados de trabalho enfrentaram ruturas que afetaram significativamente os meios de subsistência destes trabalhadores, especialmente no setor informal, onde se incluem 58% das mulheres que trabalham. É, por isso, urgente quebrar este ciclo!

Apesar da fórmula de combate mais propalada para isso assentar no tripé Estado-Empresas- Sociedade Civil, as empresas e os investidores têm um papel fundamental na expansão do acesso a melhores meios de subsistência para os trabalhadores BoP, o que se pode conseguir com a adoção de práticas de emprego inclusivas que aumentem a participação, o avanço, a resiliência e o empoderamento desses trabalhadores. Os benefícios para as empresas são claros e incluem um melhor acesso do setor privado a capital humano, cadeias de suprimentos mais sustentáveis ​​e resilientes, acesso a novos mercados e investidores; e, claro, uma imagem de marca e gestão de risco mais fortes.

Neste sentido, o marketing social corporativo pode ter um papel importante para que as empresas possam atender às necessidades das populações BoP. Pode ser usado para promover comportamentos, produtos e serviços que melhorem o bem-estar e incentivem o desenvolvimento sustentável, sendo que alguns destes produtos e serviços podem efetivamente ser oferecidos por empresas sem pôr em causa o seu fim lucrativo, que é o que lhe garante a sua continuidade. Por isso, vale a pena ver de que forma pode esta área do marketing fazer a diferença na vida das empresas, idealmente gerando valor.

Por exemplo, ao permitir o empoderamento dos mais vulneráveis, o ganho pode advir pela via da melhoria da saúde e qualidade de vida e garantia de uma melhor estabilidade económica (para ambos os géneros). Por outro lado, ao promoverem campanhas de alfabetização e educação, o ganho pode promover a aprendizagem ao longo da vida, e fornecer recursos para a aprendizagem, tornando o consumidor mais competente nas suas compras. Por outro lado ainda, ao apoiar medidas para a promoção da saúde e higiene, prevenindo doenças e o saneamento, as empresas podem ajudar a melhorar as condições sanitárias e reduzir a incidência de algumas doenças, capacitando desta forma o consumidor a adquirir um conjunto mais alargado de bens e serviços, inclusivamente os seus. Ao promoverem a adoção de soluções de energia limpa e ao destacarem os benefícios económicos e para a saúde, as campanhas que possam promover e apoiar têm ainda o potencial de poderem incentivar estes consumidores a mudarem de fontes de energia tradicionais e poluentes para alternativas sustentáveis, o que inevitavelmente acaba por contribuir por permitir conduzir esses indivíduos para o grupo dos seus clientes prospetivos. Iniciativas que incentivem a reciclagem e o descarte adequado de lixo podem também ajudar a criar ambientes mais limpos e a gerar oportunidades económicas por meio de programas de reciclagem, o que contribui para um melhor contexto para as relações de compra e venda.

Finalmente, de destacar que o apoio a programas de micro-finanças e de poupança e ao promover a educação financeira e a confiança nas instituições financeiras, as empresas estarão a contribuir para ajudar indivíduos e comunidades BoP a ter maior estabilidade económica, o que por sua vez ajuda a trazer estes consumidores para o seio dos seus clientes prospetivos e atuais, passando a haver um maior interesse no desenvolvimento de propostas de valor dirigidas a este target. E numa dimensão de empreendedorismo, o apoio a campanhas que fornecem informações sobre como criar e gerir micro e pequenas empresas pode permitir a capacitação a indivíduos para que criem as suas próprias oportunidades económicas, eventualmente criando os seus próprios empregos e, deste modo, gerando o seu próprio rendimento que lhes permitirá comprar os produtos das empresas, estimulando-se assim o ciclo virtuoso do retorno de valor à empresa que providencia o apoio.

Portanto, empresas e sociedade civil não devem limitar-se a esperar que seja o Estado a tomar a iniciativa. Agir é urgente e é preciso ter em atenção que poderá passar pelos mercados BOP o crescimento que muitas empresas sustentam junto de outros mercados.

Susana Costa e Silva, professora associada e diretora do Mestrado em Gestão da Católica Porto Business School

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt