Podres poderes

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Como é da natureza d a democracia, os brasileiros desiludem-se com o poder executivo. Não apenas o exercido pelos sucessivos presidentes da República, todos de vez em quando clientes das páginas policiais, e por boa parte dos seus inenarráveis ministros, mas sobretudo com o de governadores estaduais e o de prefeitos municipais.

Dos mais famosos, como Sergio Cabral, que chefiou a cleptocracia que faliu o Rio de Janeiro, aos menos mediáticos, como Didi, que um ano depois de eleito ainda não tinha aparecido para trabalhar na prefeitura de Desterro, na Paraíba, porque lhe era mais rentável acompanhar os seus negócios numa cidade vizinha.

Virou-se para o legislativo e o que viu? Senadores, deputados federais, deputados estaduais e por aí fora vendidos pela melhor oferta, não raras vezes semi-analfabetos, produtos de atraso civilizacional, controlados por lóbis e interesses às vezes inconfessáveis e, boa parte deles, nas malhas da justiça.

A justiça, precisamente, foi o último poder em que os brasileiros depositaram esperanças. E um grupo de jovens advogados e procuradores correspondeu, protagonizando a maior operação contra a corrupção da história do país, que abalou tenebrosos alicerces do crime erguidos por séculos pelas elites políticas. Mas até no melhor pano – leia-se Sergio Moro – caiu a nódoa: o juiz obstinado e incansável de Curitiba recebe um auxílio-moradia mesmo morando em casa própria na sua cidade e auferindo um salário mensal que supera os ganhos anuais da maioria dos seus sofridos compatriotas. E ele acha isso muito bem.

Enquanto isso, no Supremo, os juízes chamam-se de psicopata para baixo e protelam decisões em massa em nome de burocráticas questões de ordem.

Millôr Fernandes dizia que as pessoas eram todas admiráveis até as conhecermos melhor. E nos últimos meses, escrutinada pela imprensa, o Brasil conheceu melhor a justiça. E nos últimos dias, por causa da morte da vereadora Marielle Franco, conheceu melhor uma juíza desembargadora da 20ª Câmara Cível do Tribunal do Rio de Janeiro chamada Marília Neves.

Primeiro, porque ela publicou uma notícia falsa difundida até por um deputado sobre Marielle – “ela foi morta por descumprir ordens do [grupo criminoso] Comando Vermelho que a elegeu”. Depois, porque os jornais foram sondar outras intervenções públicas e descobriram um padrão. Um padrão inqualificável.

Exigiu que Jean Wyllys, o único deputado brasileiro homossexual assumido, fosse fuzilado. “Embora não valha a bala que o mate”.

Depois, a propósito dos protestos feministas pelo mundo, perguntou: “Não temos nada melhor por que lutarmos? Não temos um pilha de loiça para lavarmos?”.

Finalmente, ao saber que o Brasil foi o primeiro país do mundo a nomear uma portadora de síndrome de Down como professora auxiliar disse “o que será que essa pessoa ensina a quem?”. “Vou ali matar-me e volto já”, concluiu, em jeito de graça.

A professora em causa, entretanto, respondeu com calma angelical que vai ensinar os seus alunos a não serem preconceituosos. Ela, Marielle, o povo simples das ruas e não os poderosos é que são o Brasil em que ainda vale a pena confiar.

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