“Ponte de Sor está referenciada por todos os grandes players mundiais da aviação”

No dia em que decorre o maior evento de aviação e aeronáutica da Península Ibérica, o Portugal Air Summit 2024, que se realiza de 10 a 12 de outubro, o vice-presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor, Rogério Alves, explica como é que o Aeródromo Municipal de Ponte de Sor promoveu a região.
O vice-presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor, Rogério Alves. Foto: D.R.
O vice-presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor, Rogério Alves. Foto: D.R.
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Em 2010, Ponte de Sor atravessava uma crise económica sem precedentes, com uma taxa de desemprego de 25%, imposta pelo encerramento da fábrica de componentes automóveis Delphi. Hoje, a cidade alentejana do distrito de Portalegre está nos mapas mundiais da indústria aeronáutica. 

No dia em que decorre o maior evento de aviação e aeronáutica da Península Ibérica, o Portugal Air Summit 2024, que se realiza de 10 a 12 de outubro, o vice-presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor, Rogério Alves, explica como é que o Aeródromo Municipal de Ponte de Sor promoveu a região afirmando-se “enquanto localização para novos investimentos e levou a que conseguíssemos hoje ter um cluster de referência no país. Um ecossistema empresarial robusto e diversificado, com players a atuar nas áreas da formação de pilotos, na manutenção de aeronaves de pequena e grande dimensão, na fabricação de componentes como máscaras de oxigénio para a aviação pressurizada e na fabricação de aeronaves não tripuladas”.

Neste momento, com todo o investimento feito e o reconhecimento nacional e internacional de Ponte de sor, estão aqui “sediadas 14 empresas do setor (no aeródromo e na zona industrial) e contabilizamos exatamente 447 postos de trabalho diretos”, acrescenta o responsável também pela gestão do aeródromo. 

Olhando para 2009, com o fecho da fábrica Delphi a atirar centenas de pessoas para o desemprego e a empobrecer a economia local, como conseguiu Ponte de Sor construir um cluster aeronáutico que hoje é uma referência internacional?

O encerramento da Delphi impôs uma crise económica e social sem precedentes no concelho e região. Em 2010 tínhamos mais de 1300 desempregados, uma taxa de superior a 25%, com tudo o que tal implica. A reação a esta crise aconteceu, em primeiro lugar e antes do surgimento da aeronáutica, com a fixação da indústria da cortiça e consolidação da agroalimentar. Se antes apenas expedíamos cortiça aqui produzida para ser transformada no Norte do país, com a implementação das fábricas nas nossas zonas industriais, passámos a ter a transformação junto à matéria prima e, como tal, foi possível debelar parte do problema. Refira-se que, se considerarmos as quatro unidades de transformação de cortiça presentes no concelho, este é o maior setor empregador. Quase em simultâneo, fixaram-se em Ponte de Sor, fruto da disponibilidade de terreno em novas zonas industriais e da capacidade para atração de investimento, duas unidades de produção de pequenas aeronaves ultraleves. Ora, para dar resposta a esta indústria, o executivo de então iniciou em 2003 a construção de um pequeno aeródromo que foi, de facto, um marco fundamental. De importância igualmente marcante, foi a opção de sediar em Ponte de Sor os meios aéreos da proteção civil nacionais. O que significou a expansão do aeródromo para as atuais condições infraestruturais, com a ampliação da pista, iluminação, sistemas de apoio a aterragem por instrumentos, entre outras características que posicionam este equipamento como uma das estruturas aeroportuárias melhores e mais bem equipadas do país. Assim, partindo do facto do município ser proprietário de uma infraestrutura desta natureza, o que fizemos enquanto executivo foi apostar tudo no desenvolvimento do seu potencial. Aproveitando que a região Alentejo, muito por impulso da instalação da Embraer em Évora em 2012, passou a contar com a aeronáutica como setor de especialização inteligente, foi possível ao município continuar a investir sucessivamente, beneficiando de fundos comunitários dos vários quadros de apoio. Apostou-se então na expansão da capacidade dainfraestrutura, dotando-a de novos hangares, placas de parqueamento e outras estruturas como a torre de informação de voo. Mas, a par deste investimento, fizemos um trabalho de promoção muito forte a nível nacional e internacional, procurando um profundo conhecimento do setor, integrando o Cluster Nacional AED (Aeronáutica, Espaço e Defesa) e participando em feiras internacionais. Neste capítulo, o Portugal Air Summit (PAS) teve um papel determinante. Isto permitiu uma afirmação crescente de Ponte de Sor enquanto localização para novos investimentos e levou a que conseguíssemos hoje ter um cluster de referência no país. Um ecossistema empresarialrobusto e diversificado, com players a atuar nas áreas da formação de pilotos, na manutenção de aeronaves de pequena e grande dimensão, na fabricação de componentes como máscaras de oxigénio para a aviação pressurizada e na fabricação de aeronaves não tripuladas. E com grandes possibilidades de crescimento futuro, desde logo pela presença de Ponte de Sor em três agendas mobilizadoras do PRR, da aeronáutica e do aeroespacial, sendo a mais relevante e impactante para Ponte de Sor a Aero.Next, que significa instalação de uma fábrica para a assemblagem do primeiro avião português, o LUS 222, no aeródromo de Ponte de Sor. Significará um crescimento abrupto de novos postos de trabalho nos próximos dois a três anos, com impacto regional e nacional, por via do expectável arrastamento positivo que um investimento desta natureza implicará. Portugal passará a figurar na lista de países capazes de produzir uma aeronave de A a Z o que configura um novo marco, uma prova inequívoca da capacidade produtiva, de inovação e desenvolvimento instalada no país.

Sentiram que houvesse constrangimentos geográficos que dificultaram o desenvolvimento aeronáutico em Ponte de Sor e a sua internacionalização?

Não querendo embarcar num recorrente discurso de vitimização dada a nossa situação de interioridade, a verdade é que sentimos que, para atingir o mesmo fim, a nossa geografia obriga-nos a trabalhar muito mais do que outros territórios. Não obstante, acreditámos sempre que a nossa localização também poderia ser uma vantagem e preferimos a narrativa do “copo meio cheio”. No final do dia, a situação central no território nacional, o espaço aéreo não controlado, a orografia plana e o clima favorável, são grandes ativos endógenos quando falamos em aviação. Não obstante, foi preciso fazer um duro caminho até chegarmos a uma clara e inequívoca aceitação da nossa região como de importância fundamental para o setor em Portugal. Muitos não acreditaram, muitos duvidaram, mas fomos sempre insistindo na nossa estratégia e tivemos a felicidade de encontrar no percurso apoios decisivos como a CCDR Alentejo, a própria Autoridade Nacional de Aviação Civil, entre outrasentidades e alguns governantes. Mas, fundamentalmente, éàs empresas que em primeiro lugar decidiram fixar-se em Ponte de Sor que temos de estar gratos e às quais temos de continuar a prestar todo o apoio, dentro das nossas possibilidades.

O caminho da internacionalização também foi interessante. Muitas vezes, Ponte de Sor foi o único representante nacional em certames internacionais. Hoje é diferente, com a integração e crescimento do cluster nacional, Portugal começa a ter uma presença notória, com claros ganhos para o setor.

Entre as empresas presentes no aeródromo de Ponte de Sor potencia-se o empreendedorismo e a inovação?

Estamos a falar de um setor altamente tecnológico, onde a inovação e o desenvolvimento é latente a toda a atividade. Um dos melhores exemplos de empreendedorismo e inovação é a Tekever. Quando chegou a Ponte de Sor, em 2016, era uma starup já com algum reconhecimento na área dos UAV em Portugal. Hoje é um dos principais players europeus e mundiais deste mercado. Atualmente é a maior empregadora do aeródromo, com cerca de duzentos postos de trabalho, contando nos seus quadros com perfis altamente qualificados, dedicados à inovação e pesquisa. Esta é uma área de negócio onde os desenvolvimentos acontecem a grande velocidade. Estão, por exemplo, numa das agendas mobilizadoras do PRR, a desenvolver um novo drone de doze metros de envergadura de asa, capaz de concorrer com os gigantes mundiais do setor, como a Airbus. De uma maneira geral, mas sobretudo na produção de componentes, esta indústria tem de estar na linha da frente da inovação edesenvolvimento de novos produtos, metodologias e abordagens, sob pena de perderem competitividade.

Quantas startups estão instaladas no aeródromo e como se estão a integrar neste ecossistema?

 Existem, dentro das empresas existentes, vários projetos de investigação e desenvolvimento de novos produtos que poderão gerar spinoffs ou startups, mas neste momento não temos propriamente nenhuma empresa dessa natureza instalada no aeródromo. De qualquer forma, incentiva-se o empreendedorismo, quer através de iniciativas como o Boost, o concurso de aceleração de startups que realizámos em 2022 no PAS, com grande sucesso. Mas também através da aproximação à academia, temos hoje protocolo com dez instituições de ensino superior que, para além dos Cursos Técnicos Superiores que já são ministrados em Ponte de Sor (Produção Aeronáutica, Informática ou Proteção Civil), fomenta-se a realização de estágios, programas de investigação e outras atividadesgeradoras de possibilidades de atração e fixação de talento.

No total, quantas empresas estão no aeródromo e quantos postos de trabalho já criaram?

Atualmente estão sediadas 14 empresas do setor (no aeródromo e na zona industrial) e contabilizamos exatamente 447 postos de trabalho diretos. Importa ainda assinalar a presença diária de mais de duzentos alunos da academia de pilotos, dado o seu impacto na economia local.

E quantos novos empregos se poderão criar através das Agendas Mobilizadoras?

Estimam-se que as três agendas mobilizadoras do PRR em que Ponte de Sor se encontra envolvida, Aeronext, Neuraspace e Newspace criem, nos próximos dois a três anos mais de duzentos novos postos de trabalho. Refira-se que a agenda Aeronext, além da construção do avião LUS222, tem também o objetivo de desenvolvimento de outro produto com impacto em Ponte de Sor, um drone de grandes dimensões, o ARX, a produzir também no aeródromo, pela Tekever. No caso das agendas relacionadas com o espaço, a Neuraspace e a Newspace, o impacto será relacionado com a possibilidade de instalação de um radar de grandes dimensões para monitorização de lixo espacial e fabricação de peças para satélites e microssatélites.

É possível replicar para outras partes do país e do mundo o que se construiu em Ponte de Sor?

Claro que sim. Existem no país e no mundo várias localizações com igual potencial, que poderiam apostar num setor que está em franco crescimento e que encerra inúmeras oportunidades. Curiosamente, entidades globais do mundo da aviação como a ICAO ou a IATA apontam Ponte de Sor como um caso de estudo de desenvolvimento de uma zona de coesão através da aviação. Temos sido referenciados como caso de sucesso e convidados a dar o nosso testemunho em vários fóruns nacionais e internacionais, o que nos deixa motivados, mas com enorme sentido de responsabilidade.

Qual a importância do Portugal Air Summit para Ponte de Sor, para o Alentejo e para as exportações?

O Portugal Air Summit surgiu em 2017 como parte da estratégia de promoção de Ponte de Sor. Foi o nosso principal instrumento nesse desígnio e alcançou uma notoriedade inesperada, de tal forma que se tornou o principal evento deste género na Península Ibérica. Ultrapassou claramente as fronteiras regionais e nacionais e tronou-se um evento de referência. Na edição de 2022,fizemos história com a primeira aterragem de sempre de um A320 no Alto Alentejo. Esta última grande edição contou com 122 parceiros, 100 expositores, mais de 150 M€ em volume de potencial negócio gerado diretamente no evento, 77 países alcançados na emissão em live streaming, com 100% de ocupação da taxa hoteleira da região. Foi a maior edição de sempre até agora. 

Este grau de exposição tem aproximado grandes empresas do mundo da aviação e países que por tradição são fortes no mundo da aviação?

Claramente. Este é um setor global em que as grandes empresas e países estão muito atentas a tudo o que se passa no mundo. Podemos afirmar que o cluster de Ponte de Sor está referenciado por todos os grandes players mundiais do setor. Grandes nomes como Airbus, Boeing ou Easyjet, por exemplo, já visitaram Ponte de Sor em várias ocasiões e constantemente se verifica procura de novas possibilidades de negócio ou parcerias. Aliás, uma prova disto mesmo é o próprio PAS, que conta com a presença de empresas e delegações internacionais oriundas das mais diversas geografias mundiais.

Qual o impacto deste setor na economia local?

Tem um enorme impacto a vários níveis. Além dos óbvios e já falados, que é a criação de emprego e a formação, a atração de investimento e o impacto no turismo e serviços é também considerável. No fundo, o aumento da atividade aeronáutica trouxe maior visibilidade à cidade, atraindo profissionais, estudantes e visitantes. Isso impulsiona setores como hotelaria, restauração e outros serviços locais, contribuindo para uma economia mais diversificada.

 

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