Por falta de matéria-prima, pode o meu empregador obrigar-me a gozar as férias agora?

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Constituindo as férias um direito essencial e irrenunciável dos trabalhadores, é regra que a respetiva marcação deve ser, preferencialmente, feita por acordo entre empregador e trabalhador.

Na impossibilidade de acordo, compete à entidade empregadora agendar, unilateralmente, o(s) período(s) de férias, decisão que deve ser acatada pelo trabalhador.

Tal prerrogativa não constitui, porém, um direito absoluto do empregador (que este possa exercer de forma arbitrária), estando, antes, e sempre, limitada pela garantia dos direitos do trabalhador. Nessa medida, são várias as restrições que se lhe impõem.

Desde logo, (e com exceção das situações especialmente previstas em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho), o empregador só poderá agendar unilateralmente as férias do trabalhador para o período compreendido entre 1 de maio e 31 de outubro de cada ano civil.

Por outro lado, ainda que se admita que o trabalhador usufrua, de modo interpolado, do seu período de férias, haverá sempre que acautelar o gozo consecutivo de, pelo menos, dez dias úteis da totalidade desse período.

Situação especialmente delicada surge quando a entidade empregadora pretende, por decisão unilateral, alterar o período de férias do trabalhador que havia já sido previamente agendado.

A verdade é que a nossa lei consagra uma situação excecional em que poderá fazê-lo, desde que fundamentada na emergência de exigências imperiosas do funcionamento da empresa.

A ausência de matéria-prima (necessária para o desencadear de qualquer processo produtivo) poderia, em abstrato, consubstanciar um cenário apto a justificar a possibilidade de alteração do período de férias do trabalhador, sem necessidade do seu consentimento, desde que lograsse o empregador demonstrar, em articulação com as especificidades do caso concreto, que seria aquela uma medida indispensável e de última ratio.

Para que um empregador pudesse determinar a alteração de determinado período de férias previamente agendado, com fundamento na circunstância de falta de matéria-prima proveniente da Ucrânia, competir-lhe-ia asseverar que a necessidade emergente, além de ponderosa, extraordinária e imprevisível, não seria suscetível de ser satisfeita de outro modo.

Numa tal situação, teria o trabalhador direito a ser indemnizado pelos eventuais e comprovados prejuízos sofridos em consequência de se ter visto impossibilitado de gozar as suas férias no período anteriormente marcado.

Miguel Cunha Machado, advogado da Cerejeira Namora Marinho Falcão

​​​​​​​​​​​​​​Linha de contacto SOS Ucrânia (de apoio gratuito) está disponibilizada através do canal dedicado de email: ukraine@sociedadeadvogados.eu

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