Por que não gosto do IVA zero
Não é recomendável reduzir o IVA como solução para combater a inflação. Num primeiro momento, o governo propôs medidas insensatas, como o controlo de preços e o ataque aos investidores. A última versão é igualmente má: coordenação com a grande distribuição para garantir preços baixos com uma descida temporária do IVA. É um erro. E o pior de que estas medidas, é que este discurso dirigista e de controlo de preços tornou-se a norma.
Há vários motivos para não se defender o controlo de preços à conta do IVA.
A subida de preços veio para ficar, é por isso estrutural. Não se resolvem problemas estruturais com soluções temporárias. Com IVA zero, hoje o consumo fica mais barato, mas amanhã ficará mais caro. No entretanto, continuámos com défice e a pedir dinheiro às gerações futuras, que além de terem de pagar os preços altos, vão ter de pagar a dívida criada por este desconto. A dívida pública não pode financiar dificuldades desta geração. Ou seja, não podemos comer mais baratos e forçar os nossos filhos a pagar o desconto para o qual nada beneficiaram. Há um consenso entre os economistas: As baixas de impostos só são boas se forem sustentáveis ou se trouxerem benefício aos mais novos. Em termos práticos, as descidas de impostos só são boas se não aumentarem défice, ou se promoverem o crescimento económico.
Há um segundo motivo para ser contra esta medida: a coordenação de preços. Um quilo de batatas custa no produtor entre 15 a 30 cêntimos. Toda esta batata é vendida nos supermercados a 1,2 euros. Aparentemente é mais difícil embalar, conservar, distribuir e vender a batata do que a produzi-la no meio do campo sujeito a todo o tipo de intempéries. Ao pedir que as grandes redes de distribuição mantenham os preços baixos estamos a garantir que este modelo de negócio se mantém. Confesso que não entendo essa paixão por este modelo de negócio. Ou por qualquer um. Não gosto de intervenções no mercado.
Mais, se olharmos friamente para os números do INE, vemos que desde 2022 todo o sector agrícola está a perder margem. Nenhum outro sector apresenta uma alteração tão pronunciada como os preços de produção/venda e os preços dos factores de produção. Esta era uma excelente altura para alterar a força negocial entre os diferentes agentes económicos e para promover naturalmente modelos de negócio com cadeias mais curtas, menos centralizadas e mais concorrenciais.
Há ainda uma terceira grande razão para ser contra esta medida. O Estado tem uma melhor alternativa onde gastar o seu dinheiro.
Em inflação, e mesmo sem as recorrentes cativações, o Governo tem toda a máquina do Estado em défice. Terá de gastar mais. Mas aqui está um detalhe curioso - o Governo pode alterar os termos de troca do financiamento público. Pode escolher financiar mais educação em troca da justiça, ou vice-versa. Investe mais nos dois (deixando todos contentes), mas pode fazer escolhas sobre quais as áreas que prefere. Esta ilusão monetária pode ajudar a resolver os eternos problemas públicos para os quais não há coragem para resolver.
Do lado do Estado há ainda outra forma de combate à inflação. Se de facto tivermos uma educação ou saúde que funcione, é obvio que irá sobrar maior rendimento para as famílias que gastam fortunas em ATL, centros de explicação, e gastos em saúde privada. Somos o país da Europa onde há mais gastos directos das famílias na saúde. É isto que temos de exigir: um Estado que funcione! Não devemos exigir mais um "cheque-prenda".
E finalmente há mais um motivo para sermos contra o IVA zero: o mecanismo de preços tem de funcionar. Os preços têm uma função-chave no que devemos produzir e no que consumimos. Os preços são "o" aspeto-chave de uma economia de mercado, já que reduzem num único indicador o que as pessoas mais querem e valorizam; e o que compensa mais aos produtores produzir. Se um produto é caro, há um convite para que mais produtores entrem na produção, que desenvolvam alternativas à mesma necessidade e que os consumidores moderem o seu consumo. Se temos preços administrativos, temos um erro no mercado.
Durante a pandemia, um amigo ofereceu-se para fazer compras para uma vizinha idosa. Esta senhora recusou a ajuda, dizendo que precisava fazer as compras sozinha porque não sabia o que estava em promoção. A vizinha comprava o que estava mais barato, substituindo batatas por cenouras, porco por frango ou peixe congelado, e assim por diante. Esta sábia senhora percebeu o óbvio: não há uma lista de compras fixa, mas um orçamento a ser gerido com base nos preços marcados nas prateleiras.
Os produtores também são afetados pelos preços relativos dos produtos e ajustam a sua produção para sobreviver. Se o preço da batata subir, talvez volte a compensar produzi-la. Alias, a dieta mediterrânica não foi construída por um nutricionista, mas pelo equilíbrio entre o que se conseguia produzir e o que era rentável produzir. Para quem gosta de história e de geografia, a admirável obra Portugal - o Mediterrâneo e o Atlântico (Orlando Ribeiro) nota-se que as culturas e métodos agrícolas foram-se impondo por necessidade económica em diferentes regiões e ao longo dos séculos. Destaco o simples exemplo da vinha na zona oeste (Colares, mais precisamente), onde o vinho foi forma de produção de eleição por necessidade e não por gosto: "Os areais e as encostas prestam-se bem ao cultivo da vinha e dificilmente suportariam outro; mesmo em terrenos pobres, o rendimento é sempre compensador". Por que motivo achamos que temos de produzir o mesmo de sempre, aos preços de sempre?
Em resumo, a redução do IVA para zero não é uma solução viável para combater a inflação. É uma medida temporária que não aborda as causas estruturais da inflação e que pode ter efeitos negativos a longo prazo, incluindo o aumento da dívida pública e a distorção do mecanismo de preços.
É importante considerar outras soluções. A solução para a carestia da vida é a maior liberalização dos mercados (municipais?), uma revisão do acesso aos mercados abastecedores, de forma a promover uma entrada de pequenos produtores e de maior concorrência nacional e internacional. Um maior controlo dos contratos de fornecimento de produtos da grande distribuição, revendo cláusulas abusivas e não apenas e só o controlo de preços na prateleira. Se quisermos e pudermos descer impostos, a opção tem de ser em toda a cadeia, a todos os players permitindo que as pessoas façam o seu ajustamento.
O liberalismo é tão mais do que impostos baixos.