Porque importa ter estabilidade política

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As últimas semanas trouxeram aos portugueses o cenário de uma crise política inesperada, causada por episódios relacionados com potenciais situações de incompatibilidades de rendimentos associados à esfera pessoal do primeiro-ministro Luis Montenegro, levando a uma situação delicada, da qual muito provavelmente irá resultar um cenário de eleições antecipadas. Esta é aliás, uma situação que cria uma sensação de dejá-vu , se recordarmos que já na legislatura anterior o governo socialista liderado então por António Costa, foi forçado a apresentar a demissão na sequência de um caso de potencial interferência em projetos relacionados com o lítio e hidrogénio. Dois governos que duram cerca de um ano das suas legislaturas, e que trazem consigo implicações relevantes, num momento que é de crucial tomada de decisões para o futuro do país nas próximas décadas, não só em termos económicos, mas também societários e de posicionamento geopolítico estrutural. Acresce, que não se vislumbra à partida que qualquer dos principais partidos consiga obter uma correlação de forças suficientemente relevantes para ultrapassar aquele que é atualmente um enorme obstáculo: uma maioria sólida e estável.

Em primeiro lugar é importante dizer que estas clarificações políticas têm custos relevantes no imediato, e que são mais elevados quanto mais tempo se perder no processo eleitoral. Afeta desde logo a confiança de investidores, consumidores e empresas que perante a incerteza tendencialmente reagem negativamente, levando ao atraso de decisões e por consequência levam a impacte económico. Também as medidas de estímulo orçamental, ou de programas estruturais em que envolvem fundo europeus ficam adiados, com é o caso dos fundos do PRR, que bem sabemos, são absolutamente cruciais para a transformação do país para as próximas décadas. Tudo isto tem implicações também nos mercados financeiros, que sentem a fragilidade institucional, e a fazem refletir nos custos de financiamento da divida soberana portuguesa, que é ainda elevada.

Depois, importa refletir sobre o atual momento de mudança estrutural a nível global. Para além das novas regras de jogo no âmbito do comércio internacional, existem enormes desafios estruturais no âmbito da reformulação do papel da União Europeia, no âmbito da defesa e da segurança, e que Portugal tem de estar presente com capacidade de implementar, mas também de procurar reposicionar-se dentro da União Europeia, para poder ser relevante. E isso também significa olhar para além do projeto europeu, e ter uma estratégia política e comercial própria, e para além da União Europeia. Acresce que tecnologicamente o mundo está a transformar-se e é preciso implementar mudanças estruturais também a nível do país, para que Portugal possa continuar a crescer e diminuir o diferencial de competitividade para com o resto da União Europeia. Ou seja, é preciso rapidamente implementar uma agenda reformista que permita manter um contrato social com os portugueses, e manter o estado social.

Tudo isto exige estabilidade política. Provavelmente poucas vezes foi tão essencial como agora. A clarificação política através de eleições é importante para restabelecer a confiança entre o sistema democrático e os cidadãos. Permitirá ao país pronunciar-se, e definir o futuro. Mas tão ou mais essencial será ultrapassar o bloqueio parlamentar que persiste, e que previsivelmente continuará depois das eleições. O próximo executivo dificilmente poderá dar-se ao luxo de viver sem uma maioria parlamentar que o sustente por uma legislatura completa. Sob pena de se hipotecar de forma grave o futuro de Portugal para a próxima década.

*Luís Tavares Bravo é economista, Presidente do Internacional Affairs Network

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