
Os dois maiores portos de cruzeiros do continente estão a preparar-se para cumprir o prazo de fornecer energia elétrica aos navios atracados, que termina em 2030, mas a velocidades distintas. Isto num quadro em que a indústria ganha mais relevo na economia nacional e, também, vozes de contestação face à poluição atmosférica que provoca nas cidades. Neste momento, só o porto de Lisboa tem um plano de investimento definido para instalar pontos de alimentação elétrica em terra. Leixões afirma estar apostado em antecipar a obrigação legal estabelecida pela União Europeia, embora não detalhe o projeto.
O porto da Madeira não está incluído nesta primeira fase do plano europeu, assim como os dos Açores, no entanto já está “a arrepiar caminho”, diz a presidente da APRAM- Administração dos Portos da Região Autónoma da Madeira. Nos Açores, a gestora portuária decidiu analisar a viabilidade económica de um investimento desta dimensão.
A instalação dos designados Onshore Power Supply (OPS) para fornecimento de energia elétrica aos navios nos portos, que integra o plano europeu de construção de uma rede de transportes sustentável e eficiente, visa reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa produzidas pelos navios e o ruído.
Os principais portos europeus têm de cumprir esta medida até 2030. Um estudo da organização ambientalista Transport & Environment referente a 2023 (divulgado pelo Diário de Notícias) revelou que Lisboa é uma das cinco cidades europeias mais afetadas pela poluição provocada pelos cruzeiros. O Porto de Lisboa tem já um investimento em curso para mitigar o problema.
Segundo esclarece ao DN/DV, a primeira fase do projeto OPS “está prevista entrar em exploração em 2029”. Nessa altura, estará concluída a ligação em alta tensão à rede elétrica pública, a construção da subestação principal e uma rede de média tensão para ligar os terminais, diz fonte oficial do Porto de Lisboa. Esta operação exige um investimento da ordem dos 18,3 milhões de euros, que pode receber um apoio máximo de 14,5 milhões. A segunda fase abrangerá a instalação de subestações nos terminais e sistemas de gestão de cabos para o abastecimento simultâneo de navios. O terminal de cruzeiros de Lisboa terá capacidade para fornecer energia a três navios em simultâneo, estando a infraestrutura pensada para futuras expansões, adianta.
Este “é um projeto de grande importância estratégica para o Porto de Lisboa, principalmente a nível ambiental, reputacional e operacional”, sublinha a mesma fonte. A empresa pública prevê que a instalação total do sistema de fornecimento de eletricidade irá permitir uma redução de cerca de 77% das emissões de gases com efeitos de estufa nos navios acostados nos terminais, em toneladas de CO2 equivalente/ano, por referência ao ano de 2019. O investimento “irá atrair um maior número de embarcações” e reforçar “a diferenciação da oferta do Porto de Lisboa relativamente a outros portos ibéricos”, acredita.
Indústria um passo à frente
Mais de metade dos navios de cruzeiros, concretamente 52%, estão preparados para se ligarem a OPS em terra, e em 2028, a CLIA - Associação Internacional de Cruzeiros estima que este número suba para 72% . No entanto, apenas 3% dos portos tem fontes de alimentação de energia elétrica instaladas. Feito o contexto, Paula Cabaço revela que a APRAM tem vindo a “arrepiar caminho” e está a desenvolver vários projetos, tendo em vista a descarbonização dos portos da Madeira e a sustentabilidade.
Segundo avança, a APRAM está “na fase final do projeto Greens Ports, cofinanciado a 50% pela UE, que inclui a realização de um conjunto de estudos de forma a analisar a viabilidade técnica e financeira associada à implementação das OPS nos portos do Funchal, Caniçal e Porto Santo, assim como no sentido de adaptar as embarcações da APRAM ( lanchas e rebocadores) para a utilização de combustíveis mais verdes”. No domínio da energia elétrica, a responsável frisa ainda que participam no projeto internacional SHIFT2DC, que envolve mais de 30 entidades de 12 países, dispondo de um orçamento de 11 milhões de euros.
A APDL - Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo prevê que até ao fim de 2029 os navios cruzeiros possam ligar-se à rede elétrica do Porto de Leixões, enquanto estão acostados. Segundo fonte oficial, a estratégia para a transição energética da APDL integra a criação de infraestruturas para o carregamento elétrico de navios atracados, a promoção de combustíveis alternativos, nomeadamente garantindo o armazenamento, e a produção de energias renováveis aproveitando o sol, o vento e as ondas. O objetivo é atingir a neutralidade carbónica até 2035, 15 anos antes do prazo estabelecido pelo Acordo de Paris, frisa.
A mesma fonte realça ainda que a APDL aposta na eletrificação das operações portuárias, na modernização de equipamentos para minimizar emissões, e na digitalização e monitorização da qualidade do ar. Entre as iniciativas já implementadas, destacam-se a utilização de um autocarro elétrico para o transporte de passageiros e tripulantes dos cruzeiros, desde o terminal até à portaria, e dois rebocadores “verdes”, que contribuem para a redução de emissões de CO2 provenientes dos transportes marítimos, assinala. Numa parceria com a Prio, a APDL arrancou com um projeto para a utilização de ecobunkers (combustíveis ecológicos) em embarcações de apoio, como rebocadores e lanchas de pilotos.
Já a Portos dos Açores está a estudar o abastecimento de energia elétrica a navios de passageiros para o tráfego interilhas no arquipélago e particularmente no grupo central (ilhas do Faial, Pico e São Jorge). Como explica a gestora portuária, “os custos inerentes e o facto de sermos nove ilhas, condicionam, e muito, a implementação de OPS, de uma forma generalizada, sobretudo para outro tipo de tráfegos marítimos, com maiores exigências de consumo”. A viabilidade e a implementação deste projeto vai depender de “estudos técnicos e económicos, a efetuar nos próximos anos” e “do alinhamento com a regulamentação vigente e as metas ambientais europeias e as exigências internacionais”.
Ano de recordes
Este ano, o porto de Lisboa prevê receber um total de 360 escalas de navios cruzeiro, indicador que regista crescimentos anuais desde o fim da pandemia. Já no que toca ao número de passageiros, 2024 não será um ano recorde. As previsões apontam para 750 mil, quando em 2023 chegaram à capital mais de 758 mil turistas por esta via. Ainda assim, os passageiros de turnaround (embarque em Lisboa) têm vindo a crescer, situando-se atualmente nos 200 mil, destaca a empresa. Este quadro da atividade do porto de cruzeiros de Lisboa reflete-se na economia local e nacional. Segundo um estudo da Nova SBE, cada navio que faz escala em Lisboa contribui, em média, com 2,29 milhões de euros para o Produto Interno Bruto, cria 59 postos de trabalho e gera mais de 900 mil euros em receitas fiscais. A atividade representou 0,3% do PIB nacional em 2023, gerando um impacto direto de 794 milhões de euros.
O porto de Leixões espera bater em 2024 um novo recorde. A previsão aponta para 152 escalas de navios de cruzeiro e cerca de 190 mil passageiros, indicadores que comparam com 116 navios recebidos e 148 889 turistas em 2023. Até outubro, o porto já registou 130 escalas e mais de 167 mil passageiros, destaca a APDL. A entidade não tem dúvidas que esta indústria “desempenha um papel crucial na economia do Norte de Portugal”, com benefícios diretos no emprego e no turismo, e indiretos nas atividades transversais do território. Destaca ainda as contribuições fiscais diretas, a atração de moeda estrangeira e a promoção da região, na medida em que “60% dos passageiros afirma a sua intenção de regressar como turista convencional, o que contribui para a promoção a longo prazo da região”.
Nos portos da Madeira, a dinâmica do turismo de cruzeiros mantém-se em alta. A APRAM estima encerrar 2024 a somar 300 escalas e a ultrapassar os 623 630 passageiros registados no ano passado. Só este mês de novembro irá receber 63 escalas, incluindo uma no Porto Santo, e cerca de 142 mil turistas, movimento que garantirá “o melhor mês de sempre a nível de passageiros, nos portos da região”. A administração dos três portos do arquipélago estima que o impacto anual da indústria de cruzeiros na economia regional seja de 55 milhões de euros.
Este ano, a Porto dos Açores deverá receber 171 escalas de navios cruzeiro e cerca de 153 mil passageiros, uma quebra face às 190 escalas registadas em 2023 e aos 162 mil turistas que chegaram ao arquipélago por via marítima. Segundo a gestora, esta indústria “configura uma evidente mitigação da sazonalidade do turismo”. É na estação baixa, de outubro a maio, que “os cruzeiros mais nos visitam e ajudam a manter uma movimentação económica constante”, quando a chegada de turistas tradicionais, por via aérea, diminui.