A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou recentemente, no dia 4 de Janeiro último, uma resolução que propõe um conjunto de medidas concretas na luta contra o racismo. Foi aprovada com 124 votos a favor, 44 abstenções e 12 votos contra. Uma larga maioria portanto. A esmagadora maioria dos países de África, América Latina e Ásia votaram a favor. A China votou a favor, os Estados Unidos de Trump conta. Infelizmente Portugal não se encontrava do lado do consenso internacional, antes se absteve, afastando-se ostensivamente da luta contra o racismo.
A votação dos países da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) é também interessante: Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Brasil, Timor Leste e São Tomé e Príncipe todos votaram a favor. O único país a não votar a favor foi Portugal. Eis como o nosso país se afasta dos seus irmãos de língua portuguesa desalinhando-se do consenso da CPLP. Eis como Portugal cede ao Brasil a liderança da CPLP e se torna um ator secundário e isolado.
E o que propõe a Resolução? Nos seus pressupostos lembra "o sofrimento das vítimas do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e das formas conexas de intolerância e a necessidade de honrar a sua memória" e exorta "os Estados a honrar a memória das vítimas das injustiças históricas e da escravatura, do trafego de escravos, incluindo o trafego transatlântico de escravos, o colonialismo e o apartheid". Como propostas a resolução lembra a) a necessidade de ratificação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, b) A necessidade de levar à prática os objetivos da Década dos Afrodescendentes, c) Lembra o financiamento prometido para que o Alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos possa levar a cabo a sua missão, d) Pede financiamento para o Programa da Década dos Afrodescendentes e) exorta os órgãos da ONU já constituídos a prosseguir a sua atividade. Nada de radical, apenas propostas razoáveis e de bom senso.
Porquê então a abstenção? Para seguir uma EU dividida entre o voto contra e a abstenção? Para alinhar até ao fim com a administração Trump? Que ganhamos com isso? Que mensagem passamos aos portugueses Negros e/ou afrodescendentes?
Na Espanha a abstenção levantou uma onda de indignação. A mesma discussão pública se verificou noutros países. Em Portugal nem se falou do tema. Mas ele é mais uma acha para afastar Portugal do consenso da CPLP com todas as consequências que isso tem no plano económico e diplomático.
A política externa portuguesa raramente é escrutinada pelos órgãos de comunicação social. Mas ela é essencial para um país completamente dependente das exportações como Portugal que precisa de manter laços com todos os estados do mundo. Este tipo de votação tem custos económicos para todos nós para além de aumentar as divisões internas. É assim que continuamos a empobrecer. É assim que cimentamos uma imagem negativa no mundo.
Nota: Pode consultar-se a resolução em undocs.org/es/A/RES/75/237 e as votações em www.un.org/en/ga/third/75/docs/voting_sheets/L.50.Rev.1.pdf