
É em Estarreja que se vai instalar uma multinacional asiática que pretende produzir calçado para as grandes marcas desportivas, a partir de Portugal para o mundo. E o grupo Fernando Ferro & Irmão, especialista em metalomecânica de precisão e em automação e robótica industrial, está a negociar o fornecimento das linhas de produção automáticas para esta unidade, que deverá arrancar “no início do ano” e que terá capacidade para produzir “milhões de pares ao ano”.
Portugal é já uma referência do bem saber fazer no fabrico, mas quer também afirmar-se na tecnologia, e aproveitou o Plano de Recuperação e Resiliência para desenvolver a “fabrica inteligente do futuro”. Os primeiros resultados do projeto FAIST - Fábrica Ágil, Inteligente, Sustentável e Tecnológica, que envolve 45 parceiros e um investimento de 50 milhões de euros, foram esta semana apresentados na Simac Tanning Tech, a feira de máquinas para calçado, marroquinaria e peles em Milão, através da Fernando Ferro & Irmão (FFI) e do Centro Tecnológico do Calçado (CTCP).
Com 25 anos de experiência no fornecimento de máquinas para calçado, a FFI diversificou entretanto para indústrias como a aeronáutica, automóvel e alimentar, entre outras. Metade do seu volume de negócios, que este ano deverá chegar aos 11 milhões de euros, o patamar mais alto de sempre, é obtido além fronteiras, sendo fornecedora de soluções de robótica e automação na Europa, Ásia e América do Sul.
O FAIST e o PRR funcionaram como “motor” para acelerar o desenvolvimento de novas soluções, permitindo desenvolver em Portugal aquilo que “normalmente compramos fora, e temos que comprar o que nos dão”. Permitiram também uma ligação direta aos fabricantes portugueses, de modo a que a inovação seja desenvolvida à medida das suas necessidades e dificuldades. “Para podermos evoluir, é importante que saibamos não só produzir bom calçado, mas também as máquinas para não termos de as importar”, sublinha Fernando Ferro, que falou ao Dinheiro Vivo no stand do grupo na Simac.
As primeiras inovações deste projeto, centrado em máquinas e soluções tecnológicas de robotização, com recurso a visão artificial e a inteligência artificial, estão já a ser instaladas em fábricas portuguesas, como a Carité, de Felgueiras, ou a AMF, de Guimarães. E o grupo está já em negociações com projetos na Roménia e em países sul-americanos.
A nova unidade, de capital asiático, que está a nascer em Estarreja, paredes meias com a FFI, é já cliente do grupo português na Ásia, mas pretende instalar-se em Portugal para abastecer localmente os seus clientes europeus.
“Nós continuamos dependentes dos mercados asiáticos, mas o mundo é global e precisamos todos uns dos outros. Tem é que ser uma dependência mútua”, refere Fernando Ferro, que acredita que outros investimentos se seguirão, na sequência desta aposta da União Europeia na sua reindustrialização. “Os países asiáticos continuam a dominar a cadeia produtiva e não querem correr o risco dos europeus quererem fazer tudo sozinhos. Eles querem fazer parte da equação. O segredo é eles virem para cá e eu acredito que mais empresas virão numa lógica de produção local to local. E nós temos que fazer o mesmo para abastecer o mercado lá”, defende o empresário.
Voltando ao FAIST, mais do que cortar custos, a automação e a robotização visam “aumentar a eficiência e a rentabilidade” das empresas, promovendo a diferenciação dos seus produtos. E vem também ajudar a resolver o problema da falta de mão-de-obra, transformando tarefas rotineiras, que têm valor, por máquinas.
O que não significa que as máquinas irão substituir as pessoas. Florbela Silva, coordenadora do FAIST, é perentória: “O projeto não vai diminuir a mão-de-obra no setor, vai sim libertar pessoas de operações intensivas”. E, por isso, contempla também um plano de capacitação, dando novas competências à mão de obra existente.
Deste projeto, que termina em 2025, está previsto que saiam mais de 30 novas máquinas e equipamentos, mais de 20 soluções de software e gestão e nove componentes de calçado inovadores. Dará, ainda, origem a cinco linhas de produção industrial, a sete novos produtos de calçado e a três unidades piloto para efeitos de demonstração.
Previsto está, ainda, que os 300 postos de trabalho que gerou para o desenvolvimento dos diversos projetos fiquem nas empresas a implementá-los.
A Fernando Ferro & Irmão foi uma das seis empresas portuguesas presentes na Simac, a par das 30 que estiveram, em simultâneo, na Lineapelle, a apresentar as suas novidades a nível de curtumes e de componentes para calçado.
Destas, destaque para a Bolflex, empresa de solas de Felgueiras, que conseguiu, finalmente, patentear o seu processo de desvulcanização que permite que os resíduos de borracha possam ser processados e revulcanizados, como a borracha virgem, e assim ser usada como nova matéria-prima.
Já a Atlanta esteve em Milão a mostrar as suas solas inovadoras, desenvolvidas no âmbito do projeto Bioshoes4all, projeto do PRR que apoia o desenvolvimento e produção de novos biomateriais, bem como a criação de novos conceitos de ecoprodutos. Com o CTCP e o PIEP (Polo de Inovação e Engenharia de Polímeros), a Atlanta desenvolveu uma coleção de solas, “com estética apelativa e funcionalidades otimizadas” baseada em princípios biomiméticos.
*A jornalista viajou a convite da APICCAPS