De Grauwe. "Portugal foi mais cauteloso nos apoios da pandemia. Razão? Estou a tentar perceber"

Paul De Grauwe é professor de Economia na London School of Economics e vice-presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP) de Portugal. Nesta entrevista ao Dinheiro Vivo, fala sobre os apoios contra os efeitos da pandemia, o Pacto de Estabilidade e o papel fulcral do BCE no futuro pós-crise covid-19.
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Paul De Grauwe nasceu na Bélgica em julho de 1946 (vai fazer 75 anos, este ano). Doutorado pela Universidade de John Hopkins, nos EUA, é um economista prolífero, de grande reputação internacional, e um dos maiores críticos do estado atual da construção europeia, designadamente das regras orçamentais, que considera asfixiantes. Rejeita o Pacto de Estabilidade atual e as metas rígidas para o défice e a dívida.

Considera que a Alemanha controla o BCE, tendo impendido a instituição de agir rapidamente contra as sucessivas crises, agravando assim as recessões do passado recente, sobretudo nos países do sul, como Portugal.

Atualmente é professor de política económica europeia na London School of Economics. Foi deputado na Bélgica, foi consultor do antigo presidente da Comissão, José Durão Barroso. Conhece bem a realidade portuguesa e agora ainda mais. É vice-presidente do conselho superior do Conselho das Finanças Públicas. É investigador do Centre for European Policy Studies, em Bruxelas, e do Centre for Economic Policy Research, em Londres.

Parte 1 de 3 da entrevista ao Dinheiro Vivo

Publicou recentemente um estudo pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) no qual observa que o governo foi dos mais cautelosos da Europa a impulsionar a economia através do orçamento, durante pandemia. O que aconteceu aqui?

Em geral, a União Europeia (UE) tem sido mais cautelosa no uso das políticas orçamentais para conter os efeitos negativos da pandemia na economia. E quando comparamos, em particular com os Estados Unidos, a diferença é surpreendente. Mas também com outros países, como o Reino Unido. E dentro da UE também considero surpreendente que Portugal apareça como um dos mais cautelosos do ponto de vista de impulso orçamental contra a pandemia. Mas isto é apenas uma observação direta dos indicadores. A razão pela qual o governo fez isto... ainda estou a tentar compreender.

O governo português foi mais cauteloso porque sente que pode vir a ser penalizado por causa da dívida e do défice num futuro próximo?

O que está a sugerir na sua pergunta é que pode haver receio de que, em resultado destas políticas orçamentais expansionistas, que levam a que o nível da dívida seja superior, o país seja punido mais tarde, depois de a crise passar, quando o Pacto de Estabilidade voltar a ser aplicado.

Sim.

Não observo só este fenómeno em Portugal. No meu estudo [artigo publicado pelo Conselho das Finanças Públicas], observo que são especialmente os países do sul da Europa a serem mais cautelosos do que os países do norte.

Mas há correlação entre endividamento e moderação do impulso orçamental dos governos?

Fui ver se haveria alguma relação entre países mais endividados e países mais cautelosos, mas na verdade a não encontrei. A hipótese mais provável é que os mais endividados são países como Portugal, Grécia, Espanha, que foram, de certa maneira, no passado, humilhados por dirigentes dos países do norte da Europa, que davam ordens sobre como fazer as coisas. É a minha opinião muito pessoal: penso que nenhum desses países do sul quer passar por tal experiência uma segunda vez.

Não está a fermentar um novo problema de dívida?

Observei que os países endividados que foram mais ativos a aplicar políticas expansionistas neste período da pandemia não registaram aumentos superiores nos seus rácios de dívida medidos em função do PIB [produto interno bruto]. Aqui, acontecem duas coisas. Ao enveredarem por políticas expansionistas, os países aumentam os défices, claro. Mas ao mesmo tempo estimulam as economias ou, pelo menos, evitam uma queda maior da atividade económica. Desta forma, o rácio entre dívida nominal e PIB nominal não aumenta mais em países que usaram mais políticas orçamentais expansionistas do que nos países que foram mais cautelosos a estimular.

Notou que há uma prudência maior no impulso orçamental contra os efeitos da pandemia. A Europa devia fazer mais, como os Estados Unidos?

É uma boa pergunta. Nos Estados Unidos existe um grande debate sobre se o governo não estará a fazer demais. Não defendo que a Europa deva fazer tanto ou mais que os Estados Unidos, mas observo que fazemos significativamente menos que os EUA. Isto também precisa de ser debatido.

Como se explica essa diferença?

A Europa avaliou uma série de riscos relacionados com as políticas orçamentais expansionistas, ao passo que os Estados Unidos abriram logo caminho, agiram muito rapidamente. Claro que isto cria um risco, nos EUA, de sobreaquecer a inflação no futuro, mas as autoridades foram claras: aceitaram esse risco, tendo em conta a gravidade desta crise. Na Europa a reação foi mais "não vamos fazer demasiado" porque podemos gerar demasiada inflação ou demasiada dívida. Mesmo agora, neste contexto, a Europa parece ter assumido que o risco de inflação e dívida é mais perigoso do que o risco de deflação. É algo que considero estranho. Dito isto, também é verdade que o desenrolar desta crise e da recuperação subsequente estão rodeados de muita incerteza. Mas, ainda assim, se eu fosse governo, teria feito mais, tinha sido mais expansionista.

O BCE devia fazer mais?

Ao contrário do que aconteceu na Europa, com o Banco Central Europeu (BCE), a Reserva Federal dos Estados Unidos não definiu um montante para o programa de apoio monetário, o quantitative easing [programa de compras de larga escala}. Nos EUA, os programas de compra de ativos são ilimitados. Pelo contrário, o BCE não está disposto a fazer isso e isso criar uma sensação de que não iremos muito além dos limites estabelecidos.

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