Os últimos dois anos foram particularmente delicados para os Estados, as empresas e as famílias. Os próximos tempos advinham-se igualmente desafiantes. A incerteza sobre a duração e a dimensão que a guerra na Ucrânia pode vir a assumir, associada às pressões inflacionistas e a uma inevitável mudança da política monetária por parte do Banco Central Europeu (BCE) vão colocar uma maior pressão sobre as famílias. Mas a situação poderá ser ainda mais gravosa para as empresas. Endividadas e com modelos de negócio assentes em margens reduzidas, muitas das pequenas e médias empresas portuguesas não estão preparadas para lidar com uma nova crise ou com a subida das taxas de juros. Muitas ficarão, certamente, pelo caminho.
Dados do Banco de Portugal mostram que quase metade das empresas (45%) apresentaram prejuízos, em 2020. É certo que estes números foram empolados pelo efeito da pandemia, mas analisando as estatísticas anteriores é possível verificar que a percentagem de empresas com resultados líquidos negativos é historicamente elevada. Para segurarem os negócios durante estes últimos anos, os gestores e empresários socorreram-se das medidas extraordinárias de apoio às empresas e também da dívida. Só em 2021, o endividamento total das empresas cresceu 4,2%. Com balanços frágeis e sem folga financeira, como vão lidar as empresas com a subida de um ou dois pontos percentuais das taxas de juro dos seus empréstimos?
A "tempestade perfeita" que se perfila no horizonte expõe as fragilidades de um modelo económico assente na ideia de um Portugal Low Cost, onde muitas das pequenas e médias empresas continuam a competir pelo fator "preço" - em vez de apostarem na qualidade e na diferenciação dos seus produtos e serviços - e estão mais focadas no volume - quando deveriam procurar uma maior rentabilidade das suas margens. Este é um modelo sem futuro. Sublinho: Portugal não tem condições para ser uma economia low cost.
O raciocínio é simples: Se eu tiver uma empresa que se dedica à produção de mesas, não posso concorrer com a Ikea, apostando no fabrico de mobiliário a preços acessíveis. Mas se investir numa produção personalizada, com recurso a materiais nobres, usando técnicas artesanais ou inovadoras que permitam produzir peças únicas, provavelmente terei uma maior probabilidade de conquistar um segmento de mercado específico e garantir margens mais robustas. Terei 50 mil pessoas interessadas em comprar o meu produto? Certamente que não. Mas do ponto de vista de negócio será mais interessante apostar num modelo de negócio que proporciona uma margem superior por unidade.
Com exceção de alguns setores de atividade - cuja dimensão e volume do mercado são de tal forma vastos que os ganhos obtidos podem ser contabilizados em cêntimos - a larga maioria dos negócios em Portugal opera com baixos volumes. Pelo que a adoção de uma estratégia assente em margens finas não é sustentável.
É por isso urgente uma mudança de visão sobre a forma como queremos posicionar a nossa economia e as nossas empresas. Esta transformação do modelo económico exige mudanças a diversos níveis. Do lado das empresas, o foco deverá passar por uma maior robustez das margens. E para isso é importante que haja uma maior aposta das empresas na inovação, na digitalização, na qualidade, na diferenciação, no talento e também na disponibilização de serviços adicionais que envolvam o cliente e permitam potenciar o crescimento dos negócios.
Do lado do Estado, seria também interessante termos mais incentivos para as empresas que simultaneamente geram lucro, remuneram adequadamente os seus quadros e optem por reinvestir esses ganhos na economia.
Mas sobretudo é fundamental mudarmos a perceção negativa que ainda permanece associada à noção de lucro. Se uma empresa tem lucros, cria empregos, tem capacidade para pagar melhores salários e gera riqueza para a economia. Empresas robustas, dotadas de balanços fortes e com reservas são, assim, o melhor "escudo" para a preservação do emprego e para que uma economia se mantenha competitiva e resiliente em situações de crise.
Sebastião Lancastre, CEO easypay