
A Unicorn Factory está empenhada em "criar uma rede internacional de inovação", explica o diretor executivo Gil Azevedo. O próximo passo é ganhar escala para posicionar o país como um polo internacional relevante, atraindo startups que buscam "acesso privilegiado a mais mercados, a mais geografias, sem precisarem de começar do zero", conclui.
Ganhando visibilidade, Portugal atrai os maiores fundos de investimento para as startups locais, explica Gil Azevedo. “Temos de ser capazes, como país, de atrair a sua atenção, ter a credibilidade deles olharem para o mercado português e procurarem quais é que são aqui os futuros unicórnios, as futuras empresas globais.”
A Unicorn Factory Lisboa tem apoiado a criação de vários hubs de inovação em Lisboa. Quais são os principais desafios para consolidar Lisboa como uma referência global para startups e inovação?
Gosto mais de falar de Portugal do que de Lisboa. Portugal como um todo é que pode ter um papel muito relevante na inovação. Temos conseguido, ao longo dos últimos anos, e mais concretamente com o aparecimento da Fábrica de Unicórnios, criar
um ecossistema já muito forte na área do crescimento internacional e da atração de empresas de dimensão muito interessante para Portugal. No entanto, obviamente, é um caminho que ainda temos de percorrer. Somos um país de 10 milhões de habitantes, não temos o luxo de ter as populações que têm a França, Alemanha, para não falar nos Estados Unidos. Portanto, temos de combater um bocadinho aquilo que é a nossa dimensão mais pequena. Temos ingredientes muito bons e esses ingredientes permitem-nos estar a falar no meio do Web Summit, com mais de 70 mil participantes, mais de três mil startups de todo o mundo, mas esta parte de ganharmos escala é fundamental, porque senão não conseguimos dar o salto para um centro a nível internacional.
Isso tem muito a ver também com a perceção que existe no estrangeiro em relação ao nosso país. Como é que tem mudado essa perceção nos últimos anos?
Portugal tem vindo a reforçar este papel de ser um bom local para estabelecer novos negócios, para desenvolver inovação, numa parte inicial e também numa parte quando as empresas já estão estabelecidas a nível mundial. Ainda temos aqui um desafio para escalar, da internacionalização das nossas empresas. É uma área que nós temos vindo a desenvolver muito apoio, criámos uma área específica, só que também é preciso ser acompanhado por alterações e melhorias a nível legislativo, a nível de regulação. Não só de Portugal, mas da União Europeia, por forma a conseguir ter aqui de facto um ambiente propício, não só numa fase inicial ou numa fase já de escala muito grande, mas também durante todo o crescimento das empresas.
É preciso também atrair novos investidores que estejam dispostos a arriscar mais também no financiamento para esta internacionalização, para esta exportação de produtos e serviços?
Pensar que os investidores vão arriscar mais é um bocadinho boa vontade, porque infelizmente os investidores investem onde veem projetos com potencial, para ver o seu objetivo. E aqui o papel que temos vindo a fazer com a Unicorn Factory Lisboa é dar essa credibilidade, dar a credibilidade ao ecossistema, dar a credibilidade às startups que apoiamos e a todo o país, de forma a que os investidores internacionais, que são aqueles com maiores capacidades de investimento, olhem para o mercado como credível onde está a nascer a inovação do futuro.
A Unicorn Factory também facilita estas parcerias estratégicas com grandes empresas e com instituições internacionais. Qual é o impacto destas parcerias no desenvolvimento do ecossistema de inovação local?
Vem uma startup portuguesa que quer ir para a Espanha e começa do zero, não conhece a regulação, não conhece onde está o talento espanhol, não conhece as empresas, não conhece os investidores. Portanto, quer a nível local, quer a nível nacional, há aqui uma dificuldade inerente à forma como a inovação nasce, de ganhar escala e ter acesso a outros mercados. Em Portugal o trabalho tem sido feito por forma a conseguir agregar todo o ecossistema português. Todos os nossos programas são abertos a startups de qualquer parte do país, não têm qualquer necessidade de estar estabelecidas em Lisboa, porque somos um mercado pequeno, temos que ver que a nossa inovação tem de ser conjunta e não repartida. E quando passamos a uma escala internacional, a Europa também tem de pensar da mesma forma. Temos aqui três grandes campeões de inovação, a China, os Estados Unidos e mais recentemente o Médio Oriente, a querer investir muito na área de inovação e a Europa tem de assumir aqui o seu papel de ser capaz também de ser uma fábrica de inovação.
É por isso que um evento como a Web Summit tem importância?
Sem dúvida, eu gosto de chamar-lhe uma ponte. É aqui uma oportunidade, a nível nacional, de expormos a inovação que está a ser criada a partir de Portugal e de ajudar as nossas startups a terem os contactos internacionais, por forma a poderem ter mais oportunidades de crescimento. Mas também fazermos ligações com outros mercados, por forma as startups de outros mercados entenderem que Portugal é uma ótima base para a expansão dos seus negócios e terem aqui parte das suas operações.
É sabido que o nosso talento é muito cobiçado por outros países, mas como é que nós conseguimos fazer o inverso? Como é que Portugal consegue atrair talento internacional, porque também precisa e como é que a Unicorn Factory se relaciona com essa vertente de buscar esse talento internacional?
Exatamente esse é o ponto. O talento nacional é muito cobiçado e não é suficiente. Portanto, temos aqui de ser capazes de também criar as condições para o talento internacional se instalar em Portugal. Mas Portugal tem esta grande vantagem de ser aqui um centro entre várias geografias. Estamos a falar dos Estados Unidos, da América do Sul, estamos a falar da Europa, a capacidade que nós temos de comunicar em inglês que outros mercados europeus não têm tanto. Um comentário que ouço muito das empresas internacionais quando vêm para cá é a nossa capacidade de acolher e isso torna para o talento internacional uma plataforma muito interessante para mudarem-se com as suas bagagens para o país, porque é um país onde se sentem seguros, onde sentem que são bem-vindos e que sentem que podem contribuir e é isso que temos também assistido muito. E esse ecossistema que estamos a criar torna ainda mais interessante, mais talento, quer português, quer internacional, ficar cá.
A Câmara Municipal de Lisboa tem apoiado a Unicorn Factory, não só esde este presidente, mas o anterior também apoiava a Startup Lisboa e o surgimento do Hub Criativo do Beato. Como é que a Câmara pode promover também aquilo que é fundamental em questões de habitação? Quando trazemos talento internacional, ou atraímos investidores, ou startups para Portugal, quando muitos deles têm maior poder de compra, isso de facto pode destabilizar os valores da habitação…
Obviamente é uma preocupação. Faço aqui a ressalva que este projeto da Fábrica de Unicórnios e esta visão de posicionar a cidade e o país como um grande centro internacional de inovação vem de facto da visão do Presidente da Câmara atual, aproveitando a sua experiência como antigo Comissário Europeu de Inovação. E de posicionar Portugal a uma escala muito mais ambiciosa do que aquela que tinha vindo a ser desenvolvida. Relativamente aos problemas que as cidades em crescimento têm, e Lisboa é uma das, entre muitas cidades, que tem vindo a ter impactos também colaterais do crescimento económico, aqui também o Presidente da Câmara desafiou-nos a lançarmos a área de inovação social, que é pensarmos como é que a inovação pode criar melhor trabalho, atrair investimento, mas pode também ter soluções que as cidades podem implementar para melhorar o dia-a-dia dos seus residentes. E aqui lançámos este ano um programa de inovação social que é um dos maiores da Europa, onde tivemos 320 startups de mais de 40 países a proporem soluções que tenham um impacto no dia-a-dia das pessoas. E desses projetos selecionámos nove. Vamos trabalhar com a Câmara e com estes projetos a desenvolver as suas soluções com a cidade, por forma a conseguir minimizar e até ultrapassar estes problemas que surgem com o crescimento e que vão sendo minimizados com o tempo.
E há algum deles que esteja ligado diretamente à habitação?
Quanto à habitação, já da parte da cidade há um investimento muito forte em habitação acessível. Portanto, no nosso caso focámos para já na educação, na saúde e na integração de imigrantes, por forma a ser aqui três temas que podem ter aqui um impacto positivo para os residentes. Isto associado às políticas que estão a ser seguidas, estou convencido que muito rapidamente vamos ser capazes de ter aqui o problema ultrapassado.
Acha que as eleições autárquicas de 2025 poderão vir a ter algum impacto naquilo que é o que vocês estão a construir neste momento no ecossistema do empreendedorismo?
Eu espero que não. Nós estamos, de facto, a criar uma marca que já é a nível nacional reconhecida como a marca da inovação em Portugal, que espelha esta ambição de criar empresas de uma escala global. Temos vindo a desenvolver programas com todo o tipo de parceiros. Como referiu, também nos mandatos anteriores, a inovação foi uma prioridade. Creio que a inovação continua a ser uma prioridade e que se aproveite toda esta ambição que foi criada e estes resultados estão a ser criados para continuar a crescer independentemente do futuro.
O Beato Innovation District, que é assim agora que se chama, é um dos maiores polos de inovação na Europa. Quais é que são as áreas tecnológicas e criativas que têm mostrado maior potencial de crescimento?
No Beato, acabamos de juntar ali três grandes tipos de organizações. Centros de investigação, as próprias scaleups destas empresas que já estão em crescimento internacional, e também centros de inovação de empresas internacionais. E esta mistura destes três grupos permite também ali fomentar muito a inovação. Dito isto, a inteligência artificial é um tema que obviamente não podemos ignorar, é obviamente o número um no foco da inovação hoje em dia, mas também a área da sustentabilidade. Tanto a nível governamental como a nível da Comissão Europeia há aqui um foco muito grande das empresas serem mais sustentáveis, mas também os próprios consumidores têm vindo cada vez mais a exigir soluções sustentáveis. Portanto, é que uma área também tem vindo a ter muito investimento e daí também ser um dos nossos hubs de inovação a área da sustentabilidade e mobilidade.
Como recebeu a notícia do primeiro-ministro que Portugal vai ter o seu LLM (Large Language Model) em português? Qual é a importância para Portugal?
É mais um passo que demonstra a importância da inteligência artificial para o futuro dos países e das sociedades. Sermos capazes de criar modelos que usem a língua portuguesa como a sua base, pode ter um impacto muito positivo a nível da cultura portuguesa, a nível da criatividade portuguesa. É um passo importante para fomentar o nosso papel de inovação a nível internacional e, neste caso especificamente, de cariz português. Depois vai permitir muitas outras empresas e startups beneficiarem deste modelo para desenvolverem novas soluções inovadoras.
E os cidadãos beneficiam com isso porque há uma aproximação clara?
Claro, claro.
Por que razão a Unicorn Factory descentralizou os seus vários hubs na cidade, promovendo de alguma forma também uma certa aculturação de quem se junta a estas startups?
A inovação é cada vez mais o motor económico da sociedade e, portanto, limitá-la a um local em que acaba por ser quase um ponto turístico não dá a dimensão que acreditamos que a inovação deve ter para Portugal e para a cidade. Toda a cidade deve ter essa capacidade de inovar e permite essa mais-valia que referiu, de conseguir ter os residentes, as empresas, as startups, os investidores a colaborarem não só numa área, mas a colaborarem onde estão, que é em toda a cidade.
O que é que perspetivam para o próximo ano?
Este ano estamos completar a nossa rede de hubs e vamos aqui provavelmente ainda crescer mais um ou dois hubs durante o ano que vem. Mas o nosso foco vai ser criar uma rede internacional de inovação. Já conseguimos quintuplicar a nossa capacidade de apoiar startups. Este ano já apoiámos 259 startups em Portugal. Já apoiámos 70 empresas internacionais de tecnologia a instalarem-se em Lisboa só nos últimos dois anos, dos quais 14 são unicórnios internacionais. Só que agora, para continuarmos a ganhar escala e sermos de facto uma organização de relevo internacional, temos de ser capazes de pertencer a uma rede de mercados em que as startups que se juntam a nós têm acesso privilegiado a mais mercados, a mais geografias, sem terem de começar do zero. Temos essa capacidade de oferecer parceiros noutros mercados que ajudam as nossas empresas a instalarem-se, a crescerem, a procurarem investimento. Estamos a ajudar a ganhar escala e estamos a ganhar uma dimensão muito maior do que aquela que teríamos se nos limitássemos a Portugal.
E quais são essas geografias que vocês pretendem, nesta fase inicial, privilegiar de alguma forma como primeiros parceiros?
Nós seguimos aqui uma dupla estratégia. Uma primeira estratégia é os mercados que as startups portuguesas querem expandir em primeiro lugar. Estamos a falar do Brasil, Estados Unidos, Espanha e também Inglaterra. Uma segunda estratégia é a União Europeia e a Europa como um todo. Europa, mais uma vez, parte de uma situação inferior face aos Estados Unidos, face à China e, portanto, a capacidade de inovar vai partir da capacidade de conseguirmos ligar mercados, quase criar um mercado único de inovação europeia. E nós aqui queremos ajudar este movimento e queremos liderar este movimento, começar a criar ecossistemas ligados em que os programas de inovação não são locais, mas são a nível europeu, o que acaba por ajudar as startups a terem mais oportunidades de crescimento, mais oportunidades de parceiros e mais oportunidades de levantamento de fundos.
É muito difícil as startups portuguesas conseguirem investimento dentro da Europa e pior ainda fora da Europa. O que é que perspetiva que se possa alterar em relação ao investimento?
Do nosso lado é esta criação da tal rede internacional porque ao ganharmos escala, ganhamos visibilidade e atraímos os maiores fundos de investimento para Portugal. Portanto nós acreditamos muito que a capacidade de investimento de curto prazo tem que vir de investidores internacionais. Temos de ser capazes, como país, de atrair a sua atenção, ter a credibilidade deles olharem para o mercado português e procurarem quais é que são aqui os futuros unicórnios, as futuras empresas globais. E esse trabalho temos vindo a desenvolver.
Este orçamento de Estado traz alguma novidade?
Traz novidade. Foi anunciado um fundo de 100 milhões para Deep Tech, que é obviamente uma área em que muitas destas empresas, quando são bem-sucedidas, se transformam em unicórnios. Portanto, é bem-vindo este anúncio de investimento e também são bem-vindos alguns anúncios que têm vindo a ser feitos a nível da desburocratização, da facilitação da inovação. Esperamos que o ano 2025 permita dar passos importantes nesse sentido de desburocratizar, de baixar as barreiras que ainda vão existindo às empresas no seu crescimento e começarmos de facto a fixar cá as empresas e não terem que a certa altura procurar mover as suas sedes para outros locais, mesmo que, e apesar de tudo, mantenham cá uma parte importante das suas operações.
Um ponto se calhar menos positivo tem a ver também com a fixação dos jovens em Portugal.
Creio que a inovação vem também dar resposta à fixação do talento jovem em Portugal.
Os jovens querem trabalhar em projetos ambiciosos, em novos projetos, em projetos que vão crescer e vemos isso no dia-a-dia dos projetos que temos na área do empreendedorismo jovem. Até há uma estatística da União Europeia em que 54% dos jovens em Portugal gostavam de montar o seu negócio. Portanto, a inovação dá-lhes esse caminho. Mesmo que não seja o seu negócio, mas poderem juntar-se a projetos inovadores. Portanto, à medida que nós conseguimos crescer este ecossistema de inovação em Portugal, conseguimos fixar mais jovens. Obviamente também são bem-vindas medidas que venham a beneficiar a nível de impostos e que lhes permitam fazer face ao início de vida.