Prazo médio de pagamento das empresas agravou-se para 60 dias

Embora Portugal esteja abaixo da média europeia, o prazo é o dobro do pretendido por Bruxelas, que quer mexer na legislação. Setor público leva 68 dias em média a liquidar faturas.
Estudo mostra que há 10,5 biliões de euros de faturas e créditos em atraso na Europa.
Estudo mostra que há 10,5 biliões de euros de faturas e créditos em atraso na Europa.Gerardo Santos / Global Imagens
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O prazo médio de pagamento de faturas entre empresas em Portugal está nos 60 dias, mais quatro do que no ano passado. Mesmo assim, abaixo da média europeia que está nos 62 dias. Já o setor público leva cerca de 68 dias a pagar o que deve, um número que baixou - no ano passado era de 70 -, mas que, mesmo assim, é mais do dobro dos 30 dias que a Europa pretende implementar como prazo máximo na diretiva europeia de pagamentos. A Intrum, empresa da área dos serviços de gestão de crédito, estima que haja 10,5 biliões de euros em faturas e empréstimos por pagar em toda a Europa. Uma quantia “exorbitante, quase o equivalente à soma do PIB de França, Alemanha e Reino Unido”, destaca.

Os dados são do estudo European Payment Report 2024, estudo anual da Intrum que recolheu informações de mais de nove mil empresas em 25 países europeus , para concluir que 12% dos inquiridos assumem que as perdas por dívidas incobráveis “reduziram a sua capacidade de investir”. Além disso, gastam, em média, 10,45 horas por semana a tentar recuperar pagamentos em atraso, o que, apesar de representar um ligeiro decréscimo face às 10,47 horas referidas na edição do ano passado, totaliza, ainda assim, “mais de um quarto do ano de trabalho: 73 dias úteis”, destaca o estudo.

No caso português, esse prazo é de 10,27 horas por semana, cerca de 30 minutos a menos do que o ano passado, mas ainda assim, “o tempo e os recursos que as empresas deixam de alocar à sua atividade principal para recuperar pagamentos em atraso é preocupante”, defende o diretor-geral da Intrum Portugal. Para Luís Salvaterra, “é imperativo erradicar a cultura do ‘pagar e morrer, quanto mais tarde melhor’”. E lembra que as empresas têm ao seu dispor “vários instrumentos” para minimizar o impacto negativo causado por esta situação, nomeadamente legislação que penaliza quem não paga nos prazos, mas reconhece que a sua aplicação “ainda é muito reduzida”.

Este responsável aponta as “repercussões significativas” que os atrasos têm na saúde financeira das empresas, sublinhando que “quando os clientes não pagam a tempo, as empresas enfrentam dificuldades em honrar os seus próprios compromissos financeiros com fornecedores, funcionários e outras despesas operacionais, situação que pode conduzir à necessidade de recorrer ao crédito para cobrir as necessidades de tesouraria, implicando custos adicionais com juros”. Além disso, podem limitar a capacidade de investimento, de expansão ou de entrada em novos mercados. “Os atrasos de pagamento são, em última análise, uma ameaça à sobrevivência das empresas”, diz.

Apesar de tudo, o estudo da Intrum mostra que 60% das empresas portuguesas consideram como prioridade estratégica para 2024 melhorar as suas práticas, para garantir pagamentos atempados. Mas há 18% de inquiridos portugueses a referir que vão solicitar prazos mais longos. A nível europeu, 34% das empresas inquiridas assumiu que há uma maior probabilidade de solicitarem prazos mais longos aos seus fornecedores ou de pagarem mais tarde do que o acordado. Para 41% dos inquiridos, os tempos são de corte nos custos, sendo que 20% assumem que serão “mais cautelosos” na assunção de compromissos financeiros e 15% planeia reduzir o recrutamento. 

“O ambiente de incerteza dos últimos anos provocado por sucessivas crises - pandemia, guerra, inflação, elevadas taxas de juro -, tem dificultado o retorno à normalidade para muitas empresas”, admite o diretor-geral da Intrum Portugal, que aponta o dedo aos tribunais. “A morosidade associada à obtenção de pagamentos pela via legal é também uma das razões que suporta este ciclo vicioso de deixar arrastar as faturas no tempo”. 

Esta não é uma situação nova. Aliás, em 2008, o governo liderado por José Sócrates aprovou, em Conselho de Ministros, o programa “Pagar a Tempo e Horas”, com o objetivo de assegurar a redução dos prazos de pagamento a fornecedores de bens e serviços a entidades públicas. O programa previa uma política de monitorização, e de reporte trimestral, dos prazos médios superiores a 90, 60 e 30 dias.

Já no debate sobre o Programa do Governo da AD, em abril passado, Luís Montenegro prometeu “lançar em breve um programa para colocar o Estado a pagar a 30 dias”. Na altura especificou que, numa primeira fase, a ideia é criar uma conta-corrente entre a Autoridade Tributária e as empresas de modo a agilizar os pagamentos aos fornecedores. Depois, a medida será alargada a toda a administração central, assegurou.

O tema preocupa também as instâncias comunitárias. Em setembro, a Comissão Europeia propôs uma revisão da diretiva sobre os atrasos de pagamentos, estabelecendo um prazo máximo de 30 dias para liquidação das faturas. Na apresentação da sua proposta, a Comissão explicou que uma em cada quatro falências se deve a atrasos nos pagamentos.

Da parte do Parlamento Europeu, a questão também merece preocupação, mas foi considerado que, a par da limitação do prazo de pagamento a 30 dias, deveria ser “concedida flexibilidade às empresas para que possam beneficiar da liberdade contratual e negociar um prazo mais longo, quando tal seja necessário”. Uma questão que ficará para decisão dos futuros eurodeputados, na sequência das eleições europeias de 9 de junho. 

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