Fruto da reflexão do ex-secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, do antigo presidente da Google, Eric Schmidt, e do reitor do MIT, Daniel Hutttenlocker, nasce o livro 'A Era da Inteligência Artificial', que a D. Quixote edita esta terça-feira, 16 de novembro, em simultâneo com o lançamento da edição norte-americana. Os três autores "revelam o impacto da Inteligência Artificial (IA) no conhecimento, na política e nas sociedades em que vivemos, e apresenta-nos a uma era que começa agora a despontar: a da coabitação entre humanos e IA", pode ler-se na contracapa.
Ao longo de 240 páginas, o livro divide-se em sete capítulos. 1) Onde estamos; 2) Como chegámos aqui - tecnologia e pensamento humano; 3) De Turing aos dias de hoje - e mais além; 4) Plataformas de rede globais; 5) Segurança e ordem mundial; 6) IA e a identidade humana; e 7) IA e o futuro.
Prémio Nobel da Paz em 1973, Henry A. Kissinger foi o 56.º secretário de Estado dos EUA, entre setembro de 1973 e janeiro de 1977 e atualmente é presidente da consultora Kissinger Associates, Inc. Já o filantropo e empresário Eric Schmidt foi CEO e presidente da Google entre 2001 e 2011, presidente-executivo entre 2011 e 2018 e conselheiro técnico entre 2018 e 2020. E Daniel Huttenlocher é o reitor inaugural do MIT Schwarzman College of Computing e preside ao conselho de administração da John D. and Catherine T. MacArthur Foundation; é ainda membro dos conselhos de administração da Corning Inc. e da Amazon.com.
O Dinheiro Vivo apresenta uma pré-publicação de parte do terceiro capítulo, com o subtítulo 'O sonho da Inteligência Geral Artificial.
"Alguns programadores estão a expandir as fronteiras da aprendizagem automática com o objetivo de criar a chamada Inteligência Geral Artificial (IGA). Como a IA, a IGA carece de uma definição rigorosa. Todavia, entende-se geralmente que se refere a uma IA capaz de qualquer das tarefas intelectuais dos humanos, em contraste com a «estreita» IA atual, que é desenvolvida para tarefas específicas. Mas não estamos a falar de uma IA «à imagem de Deus», capaz de exceder a inteligência humana em todos os domínios, nem de um humano «sintético».
Mais ainda do que para a atual IA, a aprendizagem automática é crucial para a IGA, embora haja limitações práticas que a podem limitar a um número discreto de domínios, da mesma forma que um humano muito competente tem, também, de especializar-se. Uma das vias possíveis para o desenvolvimento da IGA será o do treino tradicional e específico de IA em diversos domínios, para depois se combinar as diferentes especializações numa única IA. Uma IGA assim seria mais «completa», e capaz de bom desempenho num leque maior de atividades do que as IA atuais. E também menos inconsistente, e menos propensa a erros clamorosos quando nas margens das suas especializações.
Todavia, cientistas e filósofos discordam sobre se a IGA é sequer possível e sobre que características haveria de ter. Por exemplo, se fosse possível uma inteligência artificial mais abrangente, poderia uma IGA ter as capacidades de um ser humano médio, ou do melhor especialista de determinado campo? E se fosse possível desenvolver uma IGA do modo acima descrito - ou seja, começando com IA tradicionais, treinadas profunda e restritamente, e depois gradualmente aglomeradas para desenvolverem uma base de competências mais ampla -, isso colocaria problemas sérios até aos investigadores mais sofisticados e mais generosamente financiados. O desenvolvimento de tais IA exigiria computação em grande escala e seria extremamente onerosa, na ordem dos milhares de milhões de dólares, o que significa que poucas seriam criadas, e poucos teriam meios para criá-las.
Seja como for, não é evidente que a criação de IGA alterasse substancialmente a trajetória em que os algoritmos de aprendizagem automática colocaram a humanidade. Com IA ou com IGA, os investigadores humanos continuarão a desempenhar um papel importante na sua criação e operação. Algoritmos, dados para treino e objetivos da aprendizagem automática são determinados pelas pessoas que desenvolvem e treinam as IA, pelo que hão de refletir os seus valores, motivações, objetivos e critérios. Mesmo com a crescente sofisticação das técnicas de aprendizagem automática, estas limitações persistirão no futuro previsível.
Quer se mantenha limitada ou se torne geral, a IA tornar-se-á mais ubíqua e mais potente. Com o decréscimo dos custos de desenvolvimento e operação, os dispositivos automáticos geridos por IA tornar-se-ão omnipresentes. Aliás, com a Alexa, a Siri e o Google Assistant, já o são. Veículos, utensílios e aparelhos apoiar-se-ão cada vez mais em IA que automatizarão o seu funcionamento sob a nossa direção e supervisão. As IA serão inseridas em aplicações de dispositivos digitais e na Internet, orientando as experiências de consumo e revolucionando a vida empresarial. O mundo como o conhecemos tornar-se-á simultaneamente mais automatizado e mais interativo (entre humanos e máquinas), ainda que não povoado dos robôs multifunções dos filmes de ficção científica. Nas vertentes mais extremas, as IA pouparão vidas: os veículos de condução autónoma reduzirão o número de mortes na estrada, outras IA identificarão doenças numa fase precoce e mais rigorosamente, e outras ainda descobrirão medicamentos e modos de os administrar, reduzindo os custos de investigação, com consequente desenvolvimento de tratamentos para doenças mais resistentes e curas de doenças mais obscuras. IA aeronáuticas pilotarão drones de entregas ao domicílio ou até aviões de combate. IA codificadoras completarão programas esboçados por programadores humanos. IA escritoras completarão filmes publicitários concebidos por especialistas de marketing humanos. Os custos de transporte e logística decrescerão, talvez drasticamente. A IA reduzirá os consumos de energia e encontrará, provavelmente, outras formas de reduzir o impacto ambiental dos humanos. Nos domínios quer da paz, quer da guerra, o seu impacto será assombroso.
Já o impacto social da IA é difícil de prever. Considere-se a tradução linguística. A tradução universal das línguas faladas e dos textos facilitará como nunca a comunicação, incrementando o comércio e permitindo um intercâmbio cultural sem paralelo. E, no entanto, esta nova capacidade trará consigo novos problemas. Muito como as redes sociais permitiram não só a troca de ideias, mas também a desinformação, a polarização e o discurso de ódio, a tradução automatizada poderá provocar uma aproximação explosiva de diferentes línguas e culturas. Durante séculos, os diplomatas geriram cuidadosamente os contactos interculturais de forma a evitar ofensas acidentais, assim como a sensibilização para as diferenças culturais foi acompanhando o treino linguístico.
A tradução instantânea elimina estas defesas. As sociedades poderão dar por si a ofender e a ser ofendidas inadvertidamente. Não acontecerá que, confiando na tradução automática, as pessoas se esforcem menos por compreender outras culturas e nações, reforçando a tendência natural para ver o mundo através dos olhos da nossa cultura e identidade nacional? Ou interessar-se-ão mais pelas outras culturas? Poderá a tradução automatizada ser feita de maneira a refletir culturas históricas e sensibilidades diferentes? O mais provável é que não haja uma resposta unívoca.
As mais avançadas exigem quantidades colossais de dados, poder de computação imenso, e técnicos especializados. Não é de surpreender que o grosso das inovações nesta área caiba às organizações com mais acesso a esses recursos. E a liderança atrai mais recursos. Hoje, o mundo da IA está circunscrito a um ciclo de concentração e progresso, condicionando a experiência de indivíduos, empresas e nações. Em diversas áreas, da comunicação e do comércio até à segurança e à consciência de si mesmos dos humanos, a IA transformará as nossas vidas e o nosso futuro. Devemos todos garantir que a IA não seja criada isoladamente - e, consequentemente, ter em atenção tanto os seus benefícios como os seus potenciais riscos."
FICHA TÉCNICA DO LIVRO:
Título: A Era da Inteligência Artificial
Autores: Henry Kissinger, Eric Schmidt e Daniel Hutttenlocker.
Editora: D. Quixote
Nº de páginas: 240
Lançamento: 16 de novembro
P.V.P.: 16,90 €