Preciso de ir "resgatar" familiares à Ucrânia. Tenho faltas justificadas?

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A nossa lei prevê um regime taxativo de faltas justificadas, sendo que, no respectivo elenco, não se encontra prevista uma qualquer opção na qual se enquadre a situação indicada.

De facto, não se poderá olvidar que o nosso Código do Trabalho foi elaborado tendo por base uma realidade, nacional e europeia, de paz. Por este motivo, no geral, não se encontram no diploma normas especialmente previstas para situações de conflito armado ou guerra, o que verifica no que respeita ao regime das faltas.

Em todo o caso, somos da opinião que seria justificável - mediante interpretação extensiva do disposto legal - aplicar-se ao caso concreto o regime constante do artigo 252.º do Código do Trabalho, sob epígrafe: "Falta para assistência a membro do agregado familiar".

Com efeito, prevê o n.º 1 do artigo 252.º do CT que o trabalhador tem direito a faltar ao trabalho até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a cônjuge ou pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, parente ou afim na linha recta ascendente (pais, avós, bisavós, sogros, avós do cônjuge, bisavós do cônjuge etc.) ou no 2.º grau da linha colateral (irmãos e cunhados).

Somos peremptórios em realçar que, no caso concreto, a letra da lei apenas prevê de forma expressa a aplicação deste regime a casos de doença ou acidente. Todavia, atenta a ratio da norma e os princípios de protecção a que responde, entendemos justificável aplicar-se este regime de faltas - necessariamente justificadas - ao caso em análise.

Destarte, desde que preenchido o âmbito subjectivo da norma (a relação de parentesco ou de afinidade prevista no artigo 252.º do CT) e respeitado o período máximo de ausência (15 dias), entendemos que poderão considerar-se justificadas, ao abrigo desde artigo, as faltas de trabalhador que, de forma inadiável e imprescindível, necessite de se ausentar para resgatar familiar de zona de guerra ou fronteiriça.

Seguindo o mesmo raciocínio, será razoável defender-se que os regimes da falta para assistência a filho ou neto (constantes dos artigos 49.º e 50.º do CT) também poderão, consoante os casos, sofrer extensão com vista à tutela desta situação.

Sem prejuízo do entendimento atrás vertido, ainda que se defenda uma opção mais conservadora ou que em causa esteja a necessidade de resgate de parente, afim ou terceiro não enquadrado no elenco dos artigos 49.º, 50.º ou 252.º do CT, o empregador sempre poderá, querendo, autorizar/aprovar a falta do trabalhador, de acordo com o disposto na alínea j) do n.º 249.º do CT.

Miguel Cunha Machado, advogado da Cerejeira Namora Marinho Falcão

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