Preço do café pressionado por menor produção, alterações climáticas e ataques no Mar Vermelho

Variedade robusta está "ao preço mais alto de sempre no mercado", tendo aumentado mais do que 200% nas praças internacionais desde a pandemia
CARL DE SOUZA/AFP
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A menor produção, alterações climáticas e ataques no Mar Vermelho explicam o aumento do preço de café, afirmam à Lusa a secretária-geral da Associação Industrial e Comercial do Café e o 'broker' de café verde Luís Lorena.

Desde a pandemia de covid-19 que os preços do café robusta - que é a variedade mais consumida pelos portugueses - nos mercados internacionais subiram mais que 200%, continuando ainda em valores altos, o que tem impacto no setor deste produto.

"Este aumento de preços pode ser explicado pelos fatores tradicionais da oferta e da procura: uma produção insuficiente nos países de origem, essencialmente África Central e Vietname, que conduziu a uma baixa recorde dos 'stocks' mundiais de café robusta e uma procura mais acentuada por parte da indústria", que "agravou este problema", aponta a secretária-geral da AICC, Cláudia Pimentel.

Tal "criou as condições no mercado para que o preço café robusta" se encontre "ao preço mais alto de sempre no mercado", prossegue a responsável, lembrando a que acrese as alterações climáticas nos países produtores que estão a provocar "quebras na produção", o que tem impacto nos preços do café verde.

A isto somam-se as condicionantes que "a situação no Mar Vermelho está a trazer ao comércio internacional", onde os Huthis atacam navios há meses, com o aumento dos custos de trabsporte "e um atraso muito relevante na chegada de mercadorias à Europa, entre as quais o café", acrescenta Cláudia Pimental.

Luís Lorena não prevê que o preço do café possa descer para já. Dos dois tipos de variedades existentes, em Portugal "70% do café que se consome é o robusta e 30% é o arábica e o problema, neste momento, é que o café robusta, devido à elevada procura e pouca disponibilidade a nível mundial" tem registado uma alta de preços nos mercados, explica também o 'broker'.

Isto porque "os produtores de café robusta estão a produzir cada vez menos e existe uma maior procura a nível mundial", estando os preços "em máximo históricos", sublinha.

A título de exemplo, a variedade arábica "é mais utilizado no Norte da Europa e o robusta no Sul da Europa", sendo que o preço desta última subiu no período da 'covid-19' porque, antes, era a variedade que tinha o preço mais competitivo.

Ou seja, o aumento do consumo do robusta, segundo o 'broker' de café verde, deve-se a dois fatores: "Primeiro, com a pandemia e o 'lockdown' [população em casa], o canal HoReCa [Hotéis, Restaurantes e Cafés] fechou, as pessoas foram para casa e como esta variedade tinha preços inferiores ao arábica, passou a ser mais consumido".

Depois, no Norte da Europa começaram a alterar os 'blends' e, em vez de ser 100% arábica, "começaram a pôr robusta" numa percentagem de 5%, 10%, 15%, o que aumentou o consumo desta variedade e, logo, menos disponibilidade nos mercados, o que faz subir preços.

Anteriormente, aponta, a quantidade de robusta utilizada na Europa nos 27 países "estava à volta dos 39%" e arábica nos 61%.

"Neste momento, estamos a falar de 46% de robusta e 54% de arábica", destaca Luís Lorena.

Em termos reais, em 2020 um torrefator comprava café robusta "246% mais barato do que agora", enfatiza.

Além disso, "há menos países produtores de robusta" atualmente, sendo que Angola chegou a ser o maior produtor mundial desta variedade.

Países à volta de Angola como "Camarões e Costa do Marfim têm apostado 100% no cacau e abandonado o café", e ficou-se sem o robusta que vinha daí, enquanto do outro lado há Uganda e a Tanzânia que "mantêm os mesmos níveis do passado".

A Índia, que também é produtora, tem um "consumo interno brutal" e "tem escoado a maior parte do seu café para a indústria solúvel na Ásia". Depois há o Vietname e a Indonésia, tendo o último perdido 30% da colheita em 2023 por causa das chuvas e do mau tempo. O Vietname também "teve uma colheita complicada", disse.

A única alternativa que existe é o Brasil, que produz robusta numa quantidade suficiente, mas "não é muito bem aceite na Europa", concluiu.

Previsões

A secretária-geral da AICC (que conta entre os seus associados empresas como Newcoffee, Nestlé Portugal e NovaDelta) reconhece que as associadas "são diretamente impactadas ao nível dos eus custos" pela subida do preço.

No entanto, "o grau de impacto variará de acordo com as políticas próprias de comercialização, não podendo a AICC fazer quais considerações sobre eventuais impactos a nível do consumidor", sublinha Cláudia Pimental.

Em termos de futuro, "há alguns países que normalmente tinham uma segunda colheita como o Uganda", em que esta última era relativamente pequena, conta. Agora, o que "se espera é que este ano seja maior, em julho", o que "pode amenizar de alguma forma os preços no futuro, mas depende se a colheita correr bem e estamos dependentes do clima", remata a secretária-geral.

Por sua vez, Luís Lorena considera que o aumento do preço do café junto dos consumidores "é inevitável". E acrescenta: "Quer na restauração como também na alimentação".

Empresas

O Grupo Nabeiro - Delta Cafés acompanha "com atenção a instabilidade" no mercado de café verde, que "está a ter implicações diretas" no negócio do setor, enquanto a Nestlé diz "nunca fazer comentários" sobre a política de preços.

"Estamos a acompanhar com atenção a instabilidade que se vive globalmente no mercado de café verde e que naturalmente nos deixa preocupados, uma vez que está a ter implicações diretas no negócio de todo o setor e cadeia de valor", afirma fonte do Grupo Nabeiro.

Também contactada pela Lusa, fonte oficial da Nestlé adianta que a empresa "nunca faz comentários sobre a sua política de preços porque as regras do direito da concorrência o proíbem, na medida em que tal divulgação pode prejudicar o próprio consumidor".

Além disso, "de uma forma transversal, a política de preços faz parte da estratégia comercial das empresas e constitui, normalmente, um segredo comercial", prossegue a mesma fonte.

No entanto, "relativamente ao eventual impacto nos preços ao consumidor, cabe-nos esclarecer que o preço dos produtos ao consumidor é determinado pelos retalhistas e não pela Nestlé", sublinha fonte oficial.

De acordo com a multinacional, "excetuam-se desta situação os produtos Nespresso e Nescafé Dolce Gusto, vendidos nas boutiques e nos canais digitais, onde a Nestlé vende diretamente ao consumidor".

Fonte oficial da Nestlé sublinha que, "em qualquer caso, não existe necessariamente uma relação direta entre subida de preço de matérias-primas e preços" e que, "apesar de ser um elemento muito relevante, depende de muitos fatores, sobretudo numa multinacional que opera em vários países e a diferentes níveis da cadeia de distribuição".

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