A subida das taxas de juro tem levado ao aumento das prestações da casa da maioria das famílias portuguesas, e quem fechou contratos de crédito há menos tempo está a ser mais penalizado. Os valores de dezembro de 2022 revelados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que os valores médios dos empréstimos pagos ao banco aumentaram para 299 euros, o montante mais elevado em 14 anos. E, tendo em conta os novos contratos - celebrados nos três meses anteriores a dezembro -, o valor subiu para 536 euros, a quantia mais alta desde o início desta série estatística, que remonta a 2009.
Entre final de 2021 e dezembro do ano passado, o custo médio com a prestação do crédito à habitação aumentou 18%, cerca de 46 euros. Já as prestações dos novos empréstimos estão ainda mais altas. Quem tenha contratado um financiamento nos últimos meses de 2022 está a pagar, em média, 536 euros. Trata-se de um acréscimo de 44% face à prestação média verificada em dezembro de 2021 para créditos que tivessem sido feitos há apenas três meses.
Esta subida é explicada pelo aumento da taxa de juro implícita dos contratos de crédito à habitação que em dezembro acelerou 30,1 pontos base face a novembro para 1,898%, o valor mais alto desde 2012. Face ao final de 2021, a taxa média mais do que duplicou. Em Portugal, e contrariamente a outros países europeus, a esmagadora maioria dos contratos de crédito à habitação (mais de 90%, segundo os dados mais recentes do Banco de Portugal) tem taxa variável. O agravamento das prestações médias deve-se sobretudo à escalada das Euribor que subiram rapidamente. Após muitos anos em terreno negativo, estes indexantes dispararam para os valores mais altos desde 2009, refletindo o aumento agressivo das taxas de referência por parte do Banco Central Europeu (BCE). A Euribor a seis meses, por exemplo, passou do valor negativo de -0,539% no início de 2022 para os atuais 2,832%.
Esta tendência levou a que a taxa de juro implícita nos contratos para a compra de casa aumentasse também de forma acentuada. O passado mês de dezembro foi o nono consecutivo em que se registou um agravamento. O custo é ainda maior nos contratos mais recentes, que dispararam 2,365% em novembro para 2,715% em dezembro. No final de 2021, os contratos que tinham sido feitos nos três meses anteriores tinham uma taxa de apenas 0,795%, o que demonstra como os custos dos novos empréstimos estão a escalar de forma rápida.
Além do efeito dos juros, também o valor mais elevado do capital médio em dívida ajuda a explicar a fatura cada vez mais pesada com o crédito à habitação. Em dezembro, o montante médio em dívida para a totalidade dos contratos realizados subiu 241 euros face ao mês anterior, fixando-se em 62 004 euros. Em relação ao final de 2021, o agravamento foi de 4140 euros. Esses números são ainda maiores nos empréstimos mais recentes, em que o montante médio em dívida foi de 130 mil euros, mais 1038 euros do que em novembro e um acréscimo de 12 238 euros face a dezembro de 2021. Isto indicia que os valores pedidos aos bancos para a compra de casa estão a aumentar, o que pode refletir a valorização nos preços das casas. Segundo os dados mais recentes do INE, nos primeiros nove meses de 2022, o índice de preços na habitação teve uma subida de 10%.
Mais subidas
Confrontado com uma inflação muito elevada, que atingiu 9,2% em dezembro, o BCE começou, em julho do ano passado, a subir as taxas de referência a uma velocidade sem precedentes. A principal taxa de refinanciamento aumentou de 0% para 2,5%, o que impulsionou a escalada das Euribor.
O banco central tem avisado que os agravamentos dos juros não ficarão por aqui e que serão necessárias novas subidas para se controlar a inflação. "A nossa determinação no banco central é trazer (a inflação de volta ao) objetivo de 2% de forma atempada" tomando "todas as medidas para o conseguir", disse ontem Christine Lagarde no Fórum Económico de Davos, citada pela Lusa. Durante a sua intervenção, a presidente do BCE aproveitou ainda para sublinhar que, apesar da alta inflação e dos juros mais altos, o ano em curso "não será brilhante, mas muito melhor do que o temido". Isto porque o mercado de trabalho, em particular na Europa, "nunca foi tão dinâmico", com o número de desempregados "no nível mais baixo dos últimos 20 anos", acrescentou a responsável.
Os economistas antecipam uma nova subida de 0,5 pontos percentuais na próxima reunião do BCE, agendada para 2 de fevereiro. No passado mês de dezembro, o banco central tinha já aumentado os juros nesse valor. Mas as minutas dessa reunião, divulgadas ontem, revelaram que vários responsáveis do banco central quiseram um agravamento ainda mais agressivo.
Renegociação e menos IRS
Dado este contexto de agravamento acentuado na fatura com a prestação do crédito à habitação, o governo adotou algumas medidas para ajudar a mitigar a pressão. No final do ano passado, o Executivo aprovou um diploma que visa facilitar a renegociação de crédito por parte das famílias com dificuldades em suportar o aumento das prestações. Após algumas dúvidas sobre se o recurso a este instrumento poderia penalizar quem o fizesse, o Banco de Portugal veio esclarecer esta semana que não ficam "marcados" como clientes de risco. Ou seja, os clientes que avancem para a reestruturação do crédito da casa à luz do novo regime transitório não vão ficar "marcados" e vir a ser penalizados em novos empréstimos no futuro, por exemplo.
Além da possibilidade de renegociação, entrou este mês em vigor a possibilidade de se solicitar uma redução voluntária das retenções na fonte para os titulares de crédito à habitação. Segundo o Orçamento do Estado para 2023, essa medida pode ser solicitada pelos trabalhadores por conta de outrem que aufiram até 2700 euros por mês.