Primeiro ano da pandemia gerou mais défice nos Açores do que na Madeira ou no País

Défice do País foi de 5,7% do PIB da República em 2020, segundo as contas do CFP, mas desequilíbrio orçamental dos Açores chegou a 8,7% do PIB regional. Défice da Madeira reapareceu e ficou em 2,8% da riqueza regional em 2020.
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O saldo das contas públicas da Região Autónoma dos Açores (RAA) sofreu uma deterioração muito mais acentuada no ano da pandemia, em termos relativos (medido em proporção do produto interno bruto ou PIB), quando comparado com o da Madeira ou mesmo o saldo nacional português.

Ou seja, o défice dos Açores afundou muito mais em 2020 (face a 2019), mostra um estudo do Conselho das Finanças Públicas (CFP), divulgado esta quinta-feira.

No entanto, o fardo da dívida (também em percentagem do PIB) subiu muito mais na Madeira do que nos Açores ou em Portugal como um todo.

Enquanto o défice do País (em contas nacionais, as que valem para Bruxelas e para os investidores estrangeiros em dívida pública) foi de 5,7% do PIB português em 2020, segundo as contas do CFP.

Já o desequilíbrio orçamental da região dos Açores aumentou para 8,7% do PIB açoriano nesse ano. Na Madeira, a diferença entre receitas e despesas foi de -2,8% do PIB desta região no primeiro ano da pandemia, indica o mesmo estudo do CFP.

Assim, segundo cálculos do Dinheiro Vivo com base nos valores apurados pelo Conselho presidido por Nazaré Costa Cabral, o saldo orçamental da República passou de um excedente de 0,1% do PIB em 2019 (o primeiro da História da democracia) para um défice de 5,7% em 2020 (5,8% segundo o INE), o que representa uma descida equivalente a 5,8% do produto interno.

No caso dos Açores, que registaram um défice regional de 1,7% em 2019, viram o desequilíbrio aumentar cerca de 7% do PIB, para os referidos 8,7% do produto regional.

A Região Autónoma da Madeira (RAM) também registou uma redução do seu saldo orçamental regional, mas este movimento nesse primeiro ano de impacto da pandemia foi mais suave, por assim dizer: passou de um excedente 0,7% do produto madeirense para um défice de 2,8% em 2020. É uma descida equivalente a 3,5% do PIB face a 2019.

Dívida sobe em toda a linha, mas mais na Madeira

O ano da pandemia também foi marcado, é óbvio, pela subida do peso da dívida pública nos vários PIB considerados.

A resposta à pandemia requereu recursos avultados e isso reflete-se na herança do endividamento.

Aqui, a situação degradou-se mais, em termos relativos, na Madeira, que já tinha um histórico muito negativo das contas regionais do tempo da troika.

O programa de resgate obrigou ao reconhecimento de inúmeras e avultadas dívidas e prejuízos públicos por parte do governo regional, na altura liderado por Alberto João Jardim. Assim, a dívida da RAM atingiu um pico de 112,9% do PIB regional em 2015.

"Em 16 de setembro de 2011, o INE e o Banco de Portugal comunicaram que a RAM tinha procedido a vários Acordos de Regularização de Dívidas entre 2008 e 2011 respeitantes a despesas realizadas em anos anteriores e não reportadas às autoridades estatísticas, o que suscitou uma correção à despesa e dívida da RAM", recorda o CFP. As subidas foram muito expressivas.

Mas desde 2015 que a dívida tem vindo a descer, fixando-se em 91% em 2019, um dos valores mais baixos dos últimos anos. Mas com a pandemia, o rácio voltou a dar um salto, desta feita para 114,5% em 2020, indica o CFP.

Entre 2019 e 2020, o endividamento bruto da Madeira (também medido em contas nacionais) aumentou o equivalente a 23,5% do PIB.

Proporcionalmente é muito mais do que o aumento da 16,8% do PIB ao nível da República (que acabou 2020 com uma dívida de 133,6% do PIB, segundo as novas contas do CFP). O valor provisório do Banco de Portugal e do INE (divulgado em setembro) é 135,2%.

No caso dos Açores, que têm uma dívida mais baixa (mesmo em termos relativos) o aumento também foi menos forte. Em 2020, a dívida açoriana subiu cerca de 14,3% do PIB regional para 57,9%.

Regiões: a história recente de défices e dívidas

No novo estudo, que abrange os anos de 2011 a 2020, o CFP recorda que se trata de um período "marcado pela aplicação do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) a Portugal entre 2011 e 2014 e mais recentemente pelos efeitos económicos e sociais desencadeados pela crise pandémica"

Durante este tempo, "a situação orçamental e financeira das regiões autónomas alterou-se, refletindo trajetórias distintas de evolução das suas finanças, com implicações na sua sustentabilidade futura".

Açores

"Em contabilidade nacional, o desequilíbrio orçamental avaliado em função do PIB gerado na Região Autónoma dos Açores (RAA) traduziu-se num défice que variou entre 2,8% do PIB da região (PIBR) em 2011 e 1,7% em 2019."

"Os anos entre 2011 e 2013 caracterizaram-se por uma redução do défice, sendo o ano de 2013 aquele em que o saldo apurado pelo INE (-0,3% do PIBR) mais se aproximou de uma situação de equilíbrio."

Nos cinco anos que seguintes, "o saldo orçamental registou uma deterioração de 2,7 pontos percentuais (p.p.) do PIBR, atingindo, em 2018, 3% do PIB da região", sendo que "mais de metade desse défice resultou da operação de recapitalização e da garantia concedida à SATA Air Açores pelo Governo Regional", diz o Conselho.

Depois, em 2019, "a dissipação do efeito pontual daquela despesa de capital contribuiu para que o défice orçamental se reduzisse para quase metade."

No caso da dívida açoriana, "entre 2011 e 2019, a dívida de Maastricht da RAA elevou-se de 28,4% para 43,6% do PIB da região".

Este acréscimo da dívida global "foi ainda mais significativo (totalizando 1402 milhões de euros, passando de 19,3% para 47,3% do PIB da região)".

"A integração no universo da administração regional dos Açores de entidades com elevado montante de passivos, a partir de 2015, entre as quais as unidades hospitalares da região autónoma, contribuiu em cerca de 625 milhões de euros para esse aumento", acrescenta o CFP no sumário do estudo.

"Relativamente a 2020, o défice orçamental desta região autónoma ascendeu a 8,7% do PIB da região (dos quais 3,2% devidos à garantia concedida pelo Governo Regional dos Açores ao financiamento obtido pela SATA). Em termos de endividamento, o rácio da dívida elevou-se para 57,9% do PIBR, um acréscimo anual de 14,3 pontos percentuais (p.p.)."

Madeira

"A Região Autónoma da Madeira (RAM), após ter atingido em 2010 o défice em contas nacionais mais elevado da sua história (26,9% do PIB da RAM) e de um défice de 15,9% do PIB da região em 2011, alcançou uma posição orçamental excedentária a partir de 2013, o que permitiu sustentar uma trajetória de recuperação das contas públicas até 2019".

Segundo o CFP, "a superação das metas anuais para o saldo em contas nacionais estabelecido no PAEF-RAM [programa de assistência da troika e de Portugal à Madeira] permitiu obter até ao final do programa (2015) uma trajetória de excedentes orçamentais sustentada por saldos primários positivos que se prolongaram até 2019".

No entanto, até 2015, as contas públicas da região agravaram-se de forma muito expressiva. Por exemplo, o governo teve de reconhecer dívidas avultadas no setor da Saúde, do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (Sesaram).

Mas depois, com a queda do défice, a dívida pública madeirense "iniciou a partir de 2016 uma trajetória descendente até à eclosão da crise pandémica".

"A regularização dos valores em dívida e a redução dos encargos de despesa atrasada foram determinantes para iniciar a redução da dívida" e "registou uma diminuição de 112,9% em 2015 para 91% em 2019, uma evolução essencialmente determinada por excedentes primários que nesse período totalizaram 17,1 p.p. do PIB da região", explica o CFP.

(atualizado 19h30)

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