
O Governo concretizou nos últimos dias um conjunto de operações necessárias à privatização da companhia aérea nacional, incluindo a passagem da Portugália da holding TAP SGPS para a TAP S.A., a empresa que será aberta aos privados. O caderno de encargos deverá ficar definido até ao mês de março, mas o processo não está isento de contingências. Ao que o Dinheiro Vivo apurou, um dos riscos que se colocam à operação será uma possível tentativa de impugnação da venda da Portugália à TAP S.A. pela companhia brasileira Azul, o que na prática corresponderia a pôr em causa a privatização, com o argumento de que a operação, realizada por cerca de 4 milhões de euros, foi feita por um valor demasiado baixo, em prejuízo dos credores.
Este será mais um capítulo do braço-de-ferro que a Azul tem em curso com a TAP SGSP, para exigir o pagamento de uma emissão de obrigações no valor de 165,7 milhões de euros que subscreveu quando era acionista da companhia portuguesa. Tal como o Diário de Notícias avançou a 5 de novembro, o grupo brasileiro alega que a passagem dos ativos da TAP SGPS para a TAP SA será uma forma de esvaziar a holding, impedindo-a de cumprir as suas obrigações para com os credores, constituindo uma situação de incumprimento.
Já o Governo português e a TAP consideram que o referido empréstimo obrigacionista que a Azul subscreveu no tempo em que David Neeleman era acionista de ambas constituiu, na verdade, um suprimento. E, assim sendo, será um crédito subordinado, que não tem precedência em relação a outros créditos. Segundo o Expresso, este é o entendimento da Morais Leitão, a sociedade de advogados que assessora a TAP neste diferendo com os brasileiros da Azul.
O Dinheiro Vivo tentou obter esclarecimentos de fonte da companhia brasileira, mas até ao fecho tal não foi possível.
Privatização avança no primeiro trimestre
A venda da Portugália, da Cateringpor e da UCS à TAP S.A. eram passos essenciais para a privatização desta última. Com as operações em causa, a holding TAP SGPS fica apenas detentora de uma participação na antiga TAP Manutenção e Engenharia, no Brasil, que está em vias de ser liquidada.
Juntamente com a transferência destes ativos, que estava prevista no plano de reestruturação que foi assinado com a Comissão Europeia em 2021, o Governo procedeu a uma última injeção de capital na companhia aérea, no valor de 342 milhões de euros. Espera-se agora que o processo de privatização arranque com a divulgação do caderno de encargos, em março, que deverá colocar como condições a manutenção do hub da TAP em Lisboa e a continuação das rotas estratégicas da empresa no Brasil, na África lusófona e na América do Norte. O ponto mais relevante será a dimensão da participação acionista que o Estado irá alienar.
O apoio do maior partido da oposição é relevante para que o eventual investidor tenha a segurança necessária para poder avançar com a operação, até porque dificilmente quererão avançar se existir o risco de o Estado um dia reverter a venda, à semelhança do que sucedeu na anterior tentativa de privatização, disse ao Dinheiro Vivo uma fonte ligada ao processo. O mais provável será a venda de uma participação minoritária, ficando prevista a possibilidade de mais tarde poder ser reforçada, defendeu a mesma fonte. Até ao momento, três grupos internacionais parecem ser os mais prováveis candidatos à compra da TAP: a Lufthansa, a IAG (Ibéria e British Airways) e a Air-France KLM.
O diretor da GoodBody Capital Markets e especialista em aviação, Joe Gill, disse à Lusa, na semana passada, que os grupos IAG e Lufthansa são os candidatos mais óbvios à privatização da TAP, pelo seu track record de aquisição de companhias mais pequenas e pela sua solidez financeira.
“Penso que os dois grupos de grande dimensão mais óbvios [na privatização da TAP] são o IAG e o grupo Lufthansa, tudo se resumiria a estes dois, têm um historial de sucesso na compra de pequenas empresas e têm solidez financeira, o que não sei se a Air France-KLM tem, [...] eles têm uma grande quantidade em dívida”, apontou Joe Gill, num encontro com jornalistas portugueses, em Dublin, Irlanda, citado pela agência noticiosa. Joe Gill foi consultor do IAG na compra da companhia aérea de bandeira irlandesa, Aer Lingus, em 2015.
Se estivesse a trabalhar com o Governo português, aconselharia a garantir que o comprador tem solidez financeira”, adiantou o consultor, que também não vê com bons olhos o Estado manter uma posição maioritária na companhia aérea. “Podem interferir em decisões que não são boas para a companhia aérea, acrescentou. O consultor defendeu ainda que uma estrutura com vários acionistas é desaconselhável.