Mais uma reunião do BCE, mais uma descida nas taxas de juro – a quarta redução desde junho. Embora a pergunta sobre até onde pretende ir Christine Lagarde seja recorrente, a resposta é direta: para concluir o combate à inflação, a presidente do BCE precisa de colocar a taxa de juro ao nível da chamada taxa de juro neutral. Este é o nível que garante a estabilidade na atividade económica: nem tão alto que restrinja e arrefeça a economia, nem tão baixo que incentive a aceleração da inflação.
Embora o conceito pareça simples, o grande problema é que este nível não é observável – tem de ser estimado. E, como se não bastasse, está em constante movimento. Por isso, os jornalistas perguntam repetidamente a Lagarde onde acredita que ele se encontra neste momento. Para perceber os seus movimentos, basta vermos o funcionamento do mercado dos fundos para investimento, onde a economia disponibiliza dinheiro para financiar o investimento.
Para a economia disponibilizar esse dinheiro, alguém tem de poupar – tipicamente as famílias e o Estado. Uma vez disponível, o dinheiro é canalizado para financiar investimentos das empresas (e do Estado) em capacidade produtiva, como maquinaria ou propriedade intelectual. A taxa de juro neutral situa-se, então, no ponto certo, em que os agentes poupam o suficiente e as empresas investem na medida certa para manter o crescimento económico sem pressionar a inflação.
Determinar este nível é uma tarefa complexa, porque basta um fator externo alterar os comportamentos de consumo, poupança ou investimento para o nível neutral da taxa de juro mudar. Por exemplo, quanto maior for o crescimento da produtividade impulsionado por novas tecnologias, maior será a vontade das empresas de investir, acelerando a atividade económica e aumentando a pressão sobre a inflação. Para evitar esse cenário, o nível neutral tem de subir, incentivando a poupança e desincentivando o investimento das empresas. Ou seja, os aumentos de produtividade fazem subir a taxa de juro neutral. Já no cenário oposto, havendo uma alteração que aumente a poupança, o nível neutral da taxa de juro teria de baixar para promover o consumo e o investimento. Por exemplo, com o aumento da esperança média de vida, as pessoas têm poupado mais para a reforma, pressionando o nível neutral para baixo. Há também quem defenda que, após a crise financeira de 2009, a maior perceção de risco e uma regulação mais apertada levaram as pessoas a procurar ativos mais seguros, reduzindo o investimento e, consequentemente, o nível neutral.
Estes fatores têm contribuído para a redução da taxa de juro neutral nas últimas décadas. Segundo um estudo recente do Banco de Portugal, retirando a inflação da taxa de juro nominal, na década de 1980, o nível neutral da taxa de juro real rondava os 2,5%.1 Na década anterior à pandemia, caiu para perto de 0% devido a fatores como a estagnação da produtividade, o envelhecimento populacional e o aumento do risco.
Desde a pandemia, alguns economistas defendem que a taxa de juro neutral voltou a subir. A principal razão está no aumento significativo dos défices orçamentais, que reduziu a poupança disponível na economia. No futuro, outras mudanças estruturais, como a transição climática e a inteligência artificial, poderão também provocar alterações nesta taxa. A mais recente estimativa do BCE aponta para uma taxa de juro neutral real próxima dos 0,5%. Com uma inflação alvo de 2%, o nível neutral para a taxa de juro nominal esperada seria de 2,5%. Mais duas reduções de 25 pontos base e estaremos lá. O fim parece estar à vista.