A 24 de janeiro, o Bloco de Esquerda submeteu o Projeto de Lei n.º 510/XV/1 com o objetivo de proibir a "venda de imóveis em território nacional a pessoas, singulares ou coletivas, com residência própria e permanente ou sede no estrangeiro, por forma a combater a escalada de preços com a habitação". O Governo já terá feito saber que não está a equacionar qualquer tipo de proibição que, desde logo, seria de complexa aplicação pelo enquadramento de Portugal nas regras da União Europeia. Apesar de não produzir, por agora, nenhum resultado legislativo, o referido PL já trouxe para a praça pública mais uma rodada de alarido sobre os estrangeiros como os culpados na subida os preços da habitação..No preâmbulo do documento, depois de uma interpretação dos eventos que ao longo da última década nos terão trazido à atual escalada de preços com a habitação, é-nos assegurado que o "processo de gentrificação e financeirização da habitação motivou a mobilização de cidadãos e autoridades locais em várias cidades Europeias". Para que não nos restem dúvidas sobre a oportunidade, eficácia e consonância internacional de uma lei de proibição de venda de casas a estrangeiros, são-nos apresentados os exemplos que deveríamos seguir para resolver a escalada de preços da habitação: Alemanha, Países-Baixos, Canadá, Nova Zelândia, Catalunha e Baleares..Vejamos agora a realidade. Com exceção do Canadá e na Nova Zelândia, onde há legislação em vigor, é tudo apenas debate. Na Alemanha e nos Países-Baixos há quem defenda o tema, mas não existe evidência de qualquer restrição à compra de casas por estrangeiros. O mesmo na Catalunha. Nas Ilhas Baleares, o Governo criou uma comissão para estudar a possibilidade de proibir a aquisição de habitação por cidadãos, estrangeiros ou não, que vivam nesta região há menos de cinco anos, devido à escalada de preços dos imóveis. E cita como exemplo o Canadá..No Canadá, a restrição de compra de imobiliário residencial por estrangeiros foi uma promessa da campanha eleitoral de 2021 do partido de Justin Trudeau. A proibição é temporária, por apenas dois anos, e entrou em vigor a 1 de janeiro de 2023. Portanto, é impossível avaliar qualquer impacto real dessa lei; citá-la como modelo é aventureirismo dos que advogam a proibição em Portugal ou noutros sítios. Tanto mais que especialistas e economistas canadianos estão céticos quanto aos resultados práticos desta medida. No dia da entrada em vigor do diploma, Laura McQuillan escreve no CBC News que especialistas e economistas afirmam que "Muita gente tem sido convencida nos últimos anos de que são os investidores estrangeiros e o dinheiro estrangeiro que estão impulsionando os preços das casas, em vez do que realmente está fazendo isso: taxas de juros baixas e oferta muito baixa"..No Canadá, os compradores estrangeiros representam entre 2,6% e 6,2% do total das aquisições (cf. Statistics Canada), o que, objetivamente, e tal como em Portugal, é insuficiente para inflacionar os preços de todo o mercado. "Os dados que temos mostram que a percentagem é realmente muito pequena quando se trata de compradores estrangeiros", diz Vik Singh, professor assistente no programa de estudos de gestão global da Ted Rogers School of Management da Universidade Metropolitana de Toronto. "Acho que o governo tinha de fazer alguma coisa [sobre habitação], e é mais fácil escolher o comprador estrangeiro como alvo.".Olhemos agora para a Nova Zelândia, que é, de facto, o país que tem há mais tempo legislação em vigor restringindo a compra de imobiliário residencial por não-residentes. Em 2005, foi criado o Overseas Investment Act (OIA) que obriga não-residentes a obter a aprovação do Overseas Investment Office antes de adquirirem propriedades declaradas sensíveis. Em outubro de 2018, com o objetivo de fazer baixar os preços das casas, o OIA passou a incluir propriedades residenciais existentes na lista de ativos sensíveis sujeitos à referida aprovação continuando a ser possível, no entanto, comprar construções novas e terrenos baldios..Nesse momento, o preço médio das casas era de NZ$ 691.043 (cf. QV Index), cerca de 411 mil euros ao câmbio atual. Mas em vez de cair, como alguns acreditavam que aconteceria, o preço médio continuou a subir todos os meses e todos os anos até ao recorde de NZ$ 1.063.765 alcançado em janeiro de 2022. Um aumento de 54% para mais de 633 mil euros. Isto sucedeu enquanto a percentagem de compradores estrangeiros baixou de 2,9% para 0,4%. Entre janeiro e dezembro de 2022, o preço viria a descer 13% para NZ$ 944.767, um patamar ainda 37% acima do valor de outubro de 2018. Os números são eloquentes: a culpa dos preços altos não é dos estrangeiros..Pelo contrário, a líder da equipa de economistas do ANZ Bank, que financia mais de 30% de todos os créditos à habitação na Nova Zelândia, Sharon Zollner, citada pelo NZ Herald, explica que as causas da variação dos preços são as taxas de juro. Até ao início de 2022, as taxas de juro mantiveram-se acessíveis e impulsionaram a procura. Como o mercado não cresceu - ter-se-á construído apenas uma casa nova por cada quatro transacionadas - os preços subiram. A partir de janeiro, à medida que subiam os juros iam descendo os preços. São as taxas de juro, na medida em que condicionam diretamente a procura, e as características do mercado, que determinam a oferta, os fatores de fixação do preço da habitação. Não os estrangeiros..Em vez de ideologia, proibições sem fundamento, e alarido assente em dogmas sem alicerces, seriam muito mais eficazes propostas dos partidos políticos para o fomento à criação de novas habitações, até porque as taxas de juro são dificilmente domesticáveis. Dos processos de licenciamento à fiscalidade, da recuperação de milhares de imóveis desafetados à captação de investimento nacional e estrangeiro para a construção de novas unidades residenciais, muito há que fazer para ampliar o mercado com mais oferta ao alcance dos vários tipos de procura. Isso, sim, será parte da solução para oferecer mais casas mais acessíveis às famílias portuguesas..Pedro Fontainhas, diretor executivo da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts