No recente congresso da FIFA, a presidente da Federação Norueguesa de Futebol apelou, muito quixotescamente, diga-se de passagem, a que a FIFA atue e dê o exemplo quanto aos direitos dos trabalhadores, das mulheres e da comunidade LGBT, um apelo mais do que justo e necessário, sendo chocante como esta dirigente se viu tão desacompanhada nesta demanda.
O líder da FIFA, Infantino, num exercício de desresponsabilização grosseira, tratou logo de esclarecer esta interlocutora sobre tão inusitada questão, essa dos Direitos Humanos ou lá o que é: "A FIFA não pode ser responsabilizada por todos os males do mundo".
O mesmo é dizer que nem por todos nem por nenhum, uma vez que a FIFA se recusa a perceber que é inaceitável que se feche os olhos a mais de 6 mil mortes de trabalhadores - há quem se lhes refira por "semiescravos" - vítimas de péssimas condições de trabalho na construção dos estádios. E para agravar, que o produto final resulte numa faturação bilionária.
A evocação quase ternurenta de que a FIFA terá pressionado "desde início" as autoridades qataris a serem "parceiros comprometidos em alterações de Direitos Humanos", só faltando exultar com o contributo para que se tenha evitado ainda mais milhares de mortos, é canhestra e aviltante.
E ainda tentou consagrar o Mundial realizado no Qatar enquanto catalisador de uma suposta mudança, ao considerar que "é uma oportunidade para que o mundo árabe se mostre ao mundo inteiro". Quanto a isto, os mais de 6 mil mortos não se pronunciaram.
Ouvir Infantino ou qualquer dos seus antecessores na FIFA falar de mudança, além daquela rápida e volumosa ascensional das contas bancárias, só me faz pensar numa frase que nunca esqueci, posta por Umberto Eco na boca do frade Guilherme, em O Nome da Rosa: "Não te fies nas renovações do género humano quando delas falam as cúrias e as cortes". E por falar em livros, tratando-se da FIFA e do Mundial no Qatar, não deixe de ler o notável Red Card de Ken Bensinger. Tudo fica mais claro.