No meio da explosão de ferramentas e aplicações da Inteligência Artificial (AI) começaram a surgir questões sobre a sua aplicação ao universo dos media, nomeadamente sobre como podem ser utilizados para produzir conteúdos. A revista norte-americana Wired, uma referência jornalística do mundo digital e desenvolvimento da internet, foi, que eu saiba, a primeira publicação a divulgar um guia sobre a utilização da AI na sua redação. A responsabilidade destas orientações, elaboradas pelo editor da revista, Gideon Lichfield, indica algumas garantias sobre aquilo que a Wired não fará com a AI. "Aparentemente pode parecer paradoxal que uma publicação como a Wired tenha uma política de maioritariamente evitar usar a AI" - afirmou Lichfield a uma publicação especializada em jornalismo, o Nieman Lab. E prossegue: "Creio que os nossos leitores apreciam a transparência e a tentativa de estabelecer regras claras que sublinhem aquilo que significa fazer bom jornalismo".
Desde que o ChatGPT foi lançado em novembro do ano passado, a Wired tem debatido a sua utilização no contexto da produção de conteúdos. Alguns ensaios experimentais mostraram erros factuais e segmentos significativos de textos que eram plágio, e isso levou editores e jornalistas a aprofundarem o assunto. Lichfield conta que o debate começou por querer perceber se seria legítimo usar a AI para editar um artigo, escrever títulos ou destaques ou ainda para propor temas para desenvolvimento futuro de artigos. Foi daí que nasceu a ideia de estabelecer limites à forma de utilização da AI e isto porque, sublinha, "em geral todos reconhecemos que não é um instrumento ideal para fazer muito daquilo que necessitamos e, embora esteja convencido que pode melhorar em muitas áreas, existe a forte convicção de que a sua capacidade na área da comunicação e do jornalismo está a ser exagerada".
A regra principal que a Wired estabeleceu foi a de que a AI não seria utilizada para elaborar de raiz ou editar textos com o objetivo de serem publicados, ou sequer para fazer resumos sobre matérias que os artigos abordem. Esta regra aplica-se não só aos artigos da revista, mas também a newsletters de características editoriais. Segundo a equipa de Lichfield, a AI produz textos aborrecidos, por vezes com erros e tendenciosos e não consegue substituir o que faz alguém que escreve como profissão, que é estar permanentemente a pensar na melhor forma de falar sobre temas complexos de forma a que possam ser entendidos por não especialistas.
No entanto a Wired admite que pode vir a utilizar a AI para sugerir títulos, destaques ou até posts para redes sociais - mas a utilização do que assim for produzido tem de ser sempre validada por um editor. A AI pode acelerar o processo, mas não deve ser usada sem supervisão.
Em relação à sugestão de temas para artigos futuros, a Wired reconhece que está a fazer testes para aferir a capacidade de a AI dar contributos válidos, sublinhando mais uma vez que o que produzir será sempre aferido por editores e comparado com sugestões recolhidas de forma tradicional no processo de brainstorming editorial. Um outro ponto em que a Wired estabelece claramente uma linha vermelha é a não utilização de imagens geradas por AI, de aparência semelhante a fotografias. A Wired sublinha que irá continuar utilizar fotografias de bancos de imagem como forma de defender o trabalho dos fotógrafos e manter o equilíbrio financeiro de todo o setor, pelo menos até as empresas de AI desenvolverem uma forma de compensar os autores das imagens originais. E, acessoriamente, alerta para as consequências legais da alterações não autorizadas de imagens, sejam fotografias ou ilustrações, já que o número de queixas pela sua utilização abusiva está a explodir.
Claro que Gideon Lichfield sublinha que a AI está no início, vai desenvolver-se e que a Wired irá adequar a posição sobre a sua utilização tendo em conta a evolução verificada. Esta opinião vem afinal ao encontro daquilo que muitos responsáveis da indústria afirmam e que pode ser sintetizado nesta frase de um artigo de Jeff Israely, também no Nieman Lab: "Se a atual trajetória se mantiver, é muito natural que instrumentos de escrita da AI comecem a introduzir-se no processo de trabalho normal das redações, da mesma forma que num passado recente motores de busca como o Google facilitaram o research e outros, como o Google Translator, possibilitaram o acesso a mais fontes e informações, de forma mais rápida."
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