Quando investir em Portugal "dava despedimento"

João Moreira Rato conta em livro dificuldades de para vender Portugal no pós-crise financeira e fala dos desafios de hoje, num livro que relata a saída do país da grande crise financeira.
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"A nossa maior frustração era o rating. A Cristina (Casalinho) ficava furiosa com as comparações que faziam, sobretudo com a Irlanda, e por vezes tínhamos de intervir nos relatórios para retirarem de lá frases preconceituosas." A descrição é de João Moreira Rato, sobre os tempos em que liderava o IGCP - com a sua sucessora na equipa da agência que gere a dívida pública portuguesa - e tinha em mãos a tarefa hercúlea de voltar a pôr Portugal no caminho dos mercados e dos investidores. Nessa altura, foi convidado para almoçar pelo CFO de um grande banco nacional que se propunha ajudar o país naquele momento de necessidade extrema, herdada por Passos Coelho dos anos de governação de Sócrates e do PEC IV chumbado. "Dizia-se disposto a assegurar a primeira emissão de dívida com uma contribuição "relevante". Perguntei-lhe quanto estaria disposto a avançar e respondeu orgulhoso: "qualquer coisa à volta de 200 milhões." Agradeci, mas declinei - Portugal precisava de milhares de milhões."

Os tempos duros, muitas vezes frustrantes, como quando tentava captar o interesse de investidores e lhe diziam que investir aqui comportava um muito sério "risco de despedimento", conta-os num livro que acaba de publicar, em língua inglesa porque acredita ser importante para contar a história e servir de farol cá dentro e lá fora.

The European Debt Crisis - How Portugal Navigated the post-2008 Financial Crisis recupera o caminho, as dificuldades, as escolhas e até os erros de Portugal durante a crise financeira - incluindo a grande manifestação contra a troika, em setembro de 2012, que fez o governo de Passos Coelho e Vítor Gaspar recuar na intenção de aumentar a TSU dos trabalhadores e baixar a dos patrões. "Até a minha mãe esteve nesse protesto; sempre que havia reuniões com os representantes do programa de assistência perguntavam-me se tinha ido a mais alguma...", conta o responsável pela recondução de Portugal aos mercados, apontando a contestação social como um dos fatores que mais dificuldades trazia à gestão da imagem do país e à perceção do risco. Nos périplos pelos EUA para captar financiamento, relata essas preocupações. "Tínhamos sempre na agenda encontros com as casas de rating, agências financeiras e a imprensa, era obrigatório para recuperar a reputação do país." E quando era fundamental vender alguma esperança que sinalizasse que valia a pena apostar aqui, "foram as exportações, a sua subida sustentada mesmo durante a crise", a servir de farol e prova de solidez capaz de convencer os grandes investidores, conta o hoje professor na Nova SBE, onde apresentou o livro a um grupo restrito.

Recrutado em 2016 - sobretudo por causa do que fez no IGCP - para ajudar a criar uma agência de gestão de dívida pública no Koweit, Moreira Rato lamenta que exista ainda algum preconceito em relação a esses grandes investidores estrangeiros. Ainda mais num país tão vulnerável ao que se passa no exterior como Portugal, que não controla o que o torna vulnerável e lida com níveis historicamente altos de dívida pública.

Na crise de hoje, encontra alguns paralelos com esse período: dívida alta, fraco crescimento, grande dependência do exterior e do BCE, vulnerabilidade a fatores como a inflação. Defende por isso que a estrutura de reembolso da dívida devia ser feita a mais longo prazo do que tem sido a opção do governo de António Costa e João Leão. Sacrifica-se a dívida em nome das metas orçamentais - e isso gera mais risco, admite, ainda que acredite que mesmo com essas fragilidades e com algum malparado que possa surgir nos bancos, o país resistirá ao pior. "Se voltássemos aos tempos pós-2008, seria um filme de terror."

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