Quanto nos vai custar a inflação?

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Inflação é um conceito utilizado em Economia para representar o aumento contínuo e generalizado dos preços de bens e serviços, tipicamente de um cabaz representativo, num território (i.e., numa economia) e num determinado período. É, usualmente, representada por uma taxa que, normalmente, é medida com base na variação do índice de preços no consumidor. Este, tendo subjacente o cabaz de bens e serviços representativo do padrão médio de consumo, permite medir o valor que os consumidores têm de gastar para manterem o nível de vida, ao longo do tempo.

Como sabemos, as economias reabriram com o alívio das restrições associadas à pandemia e os consumidores passaram a comprar mais e a gastar poupanças conseguidas nos confinamentos. Perante o aumento da procura, as empresas reagiram aumentando os preços. Acresce que, em muitos casos, as empresas manifestaram dificuldades em acompanhar o aumento da procura porque a pandemia afetou muitas cadeias de abastecimento, que ainda estão em reconstrução; quanto mais as dificuldades persistirem, maior é a probabilidade das empresas transmitirem os custos aos consumidores através do aumento de preços. Mas a pandemia também alterou padrões de consumo, tendo aumentado o consumo de equipamentos eletrónicos e materiais para habitações; ora, quando as empresas não conseguem acompanhar o ritmo a que as pessoas compram bens e serviços, os preços sobem. Por outro lado, a seca que se tem registado reduziu a produção de eletricidade e afetou a produção de alimentos, pelo que também contribuiu para o aumento de preços.

Assim, quando já havia pressões inflacionistas impostas pela pandemia e pela seca, emerge a invasão da Ucrânia pelas tropas da Federação Russa. Na sequência, a suspensão de importações de petróleo da Rússia pelos Estados Unidos da América e o Canadá, e a ameaça de eventual rutura com o fornecimento de gás natural e petróleo à Europa pela Rússia contribui para o aumento do preço desses bens e da eletricidade. Como parte significativa dos custos das empresas e das pessoas dependem dos produtos energéticos, o seu preço é determinante para a inflação e poderão continuar a aumentar com o prolongamento da Guerra e com a transição ecológica. Ainda devido à invasão da Ucrânia, é expectável a quebra no fornecimento de bens alimentares, que influenciará positivamente o seu preço - a Rússia e a Ucrânia produzem, em conjunto, cerca de 30% de todo o trigo (e milho) mundial e são grandes produtores de fertilizantes.

É neste contexto que, para Portugal, o Eurostat aponta uma taxa de inflação homóloga de 5,5%; ou seja, a variação do índice de preços no consumidor no último mês de março face ao mesmo mês em 2021, quando tinha sido de 4,4% do mês anterior; i.e., entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2021. Para ter uma perceção da trajetória observada, note-se que a taxa de inflação homóloga tinha sido de apenas 0,1% em março de 2021; i.e., entre março de 2021 e março de 2020.

Não restam dúvidas que a tendência da taxa de inflação é ascendente e que representará um significativo aumento do custo de vida. Para ter uma ideia, um agregado familiar com um nível de despesa mensal de 1000 euros em março de 2021 teve de pagar mais 55 euros no passado mês de março para comprar os mesmos bens e serviços, sendo que cerca de 8,5 euros são receita adicional arrecada pelo governo em sede de IVA - considerando uma taxa média em torno dos 15,5%. A manter-se em 5,5% (mas infelizmente deverá continuar a aumentar!), ao fim de um ano, sem que tenha aumentado a quantidade de bens e serviços consumida, a despesa adicional do agregado familiar terá sido de mais 660 euros, dos quais 102 euros são impostos adicionais. Certamente que para muitos agregados familiares tal significa ter de abdicar de parte do seu consumo atual para conseguir pagar as obrigações.

Sabendo-se que o objetivo primordial do Banco Central Europeu é a manutenção da estabilidade dos preços para assegurar a competitividade dos bens e serviços europeus nos mercados internacionais e assim o emprego, e que a política monetária pode contribuir para assegurar que os preços não aumentam permanentemente a um ritmo significativo, é expectável que, para o efeito, as taxas de juros aumentem de modo a suavizar a procura. Desse modo, as compras a crédito são penalizadas e há um maior incentivo à poupança. Ora, por exemplo, se o agregado familiar possuir um crédito à habitação de 100 000 euros, por 30 anos, um aumento de um ponto percentual da respetiva taxa de juro traduz-se em cerca de mais 55 euros mensais; ou seja, mais 660 euros anuais, que acrescem aos anteriores 660 euros.

Ao nível das contas públicas, observa-se, por um lado, que o governo continua à espera de uma taxa de inflação de 2,9% para 2022 que, infelizmente, todos sabemos que não irá acontecer, mas que, ao ser efetivamente superior, lhe permitirá, no final do ano, "brilhar" na receita arrecadada. Por outro lado, sabendo que a dívida pública portuguesa ronda os 272,4 mil milhões de euros, o aumento provável da taxa de juro média significa, naturalmente, o aumento do gasto público. Se, da soma dos dois efeitos, houver uma deterioração do saldo orçamental, pode ser necessário aumentar impostos. Se assim for, é então expectável que, para além dos 1320 euros anuais, a família que temos vindo a falar, passe a suportar ainda mais despesa com impostos.

Acresce que bens e serviços mais caros significam ainda perda de competitividade no mercado internacional, sendo a perda tanto maior, quanto maior for o diferencial entre a taxa de inflação da economia e a dos parceiros comerciais. Acresce que as exportações são também penalizadas pela provável desaceleração da generalidade das economias nossas parceiras. A atividade económica será, pois, penalizada e assim o emprego. Esperemos que, por este motivo, ninguém do referido agregado familiar passe à condição de desempregado.

Para finalizar, diga-se que, ao contrário da irrealista expectativa do governo, estão a consolidar-se algumas tendências que pressionam a aceleração da taxa de inflação. A primeira é a própria transição energética que será agora acelerada para acabar com a dependência da Rússia. Este processo tem vários custos, desde os desincentivos às energias poluentes até ao custo crescente dos produtos necessários para a construção de equipamentos necessários à produção de energia renovável. A segunda é a deslocalização da produção (o reshoring) que já estava sobre a "mesa", devido à dependência de países terceiros, mas que agora será impulsionada pelas oportunidades oferecidas pela robotização das cadeias de valor. A terceira é a provável política fiscal/orçamental expansionista que as economias desenvolvidas deverão experimentar para combater a desaceleração da atividade económica. A quarta é o abandono do mercado de trabalho por parte de trabalhadores, fenómeno iniciado com a pandemia, e que, ao reduzir a oferta de mão-de-obra, fará subir os salários.

Óscar Afonso, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e sócio fundador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF)

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