Ainda não foi desta que o mundo mergulhou numa crise por causa de um novo choque petrolífero, na sequência da escalada de violência entre os Estados Unidos e o Irão. Mas se tal acontecesse, Portugal estaria em maus lençóis e seria quase de certeza arrastado para uma situação económica muito difícil, outra vez.
Razão: apesar da “aposta” dos últimos anos nas fontes de energia renováveis e nas soluções elétricas, a maioria da economia portuguesa continua a depender de forma esmagadora de petróleo e gás importado. Houve, como referido, um impulso de descarbonização, mas, estruturalmente, a mudança é pouco significativa.
De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo (DV) a partir de dados da British Petroleum (BP), Portugal consome anualmente energia primária no valor de 26 milhões de toneladas equivalentes de petróleo. Desses quase 64% (cerca de 17 milhões de toneladas) são petróleo e gás, produtos que Portugal não tem e precisa de comprar lá fora.
Segundo os cálculos do DV, durante boa parte dos anos 80 do século passado e entre 1998 e 2009, o consumo daquelas duas fontes de energia esteve acima dos 70% do total. Depois foi baixando com os investimentos em barragens, em energia solar e eólica, mas nunca deixou de ser maioritário. Tem sido sempre superior a 60%.
Se a isto somarmos o uso de carvão, percebe-se que o nível de carbonização da economia é extremamente elevado ainda. Mais de 74% do consumo de energia nacional é petróleo, gás e coque, indicam os dados da BP relativos a 2018.
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Ilustração: Pedro Fernandes/Animação: Nuno Santos[/caption]
Uma fatura de 6,8 mil milhões de euros em importações
Isso traduz-se numa fatura energética pesada. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), as importações de crude e gás natural ultrapassaram os 6,8 mil milhões de euros em 2018.
Este ano, deve haver um ligeiro recuo, mas a fatura vai continuar a superar os 6 mil milhões de euros, o equivalente a quase um décimo das importações totais (mercadorias). Se somarmos outros produtos energéticos importados como carvão e produtos petrolíferos refinados, a fatura energética anual do país ascende a mais de 8 mil milhões de euros, também com base nos dados oficiais do INE.
Além do efeito direto via fatura energética, uma nova crise petrolífera fere a economia portuguesa noutros flancos. No turismo de massas, por exemplo. As viagens de avião e por navios de cruzeiro ficariam muito mais caras, por exemplo.
Este quadro faz de Portugal e outros países como Grécia, Espanha Bélgica, Holanda (só para citar alguns da zona euro) economias altamente dependentes face ao petróleo e vulneráveis face a uma explosão global nos preços, como a que se esboçou no início deste ano com a crise provocada pelos Estados Unidos e alimentada depois pelo Irão.
Analistas dizem que ainda não deve ser desta
Em todo o caso, os analistas consultados acreditam na tese de que este conflito com o Irão foi mais uma erupção momentânea do que o início de um ciclo imparável de hostilidades e de um novo choque petrolífero. Não estão a apostar (como cenário central) numa subida descontrolada do preço médio do petróleo. Falam em preços (barril de Brent) em torno de uma média de 60 dólares ou 65 dólares, consoante os analistas.
No episódio EUA-Irão, “o preço do petróleo Brent ultrapassou 70 dólares por barril mas, para mim, a história é mais sobre o quão insensível é o preço do petróleo face aos eventos geopolíticos”, refere Simon Baptist, economista-chefe da Economist Intelligence Unit.
Para o economista, essa insensibilidade explica-se “graças à oferta ampla existente”. Mesmo perante o “uso sério de armas”, o preço do petróleo “aumentou apenas cerca de 5%”. Assim é porque “a produção dos EUA está no seu auge e a OPEP e a Rússia estão a implementar cortes de oferta que podem ser revertidos, se necessário”.
O responsável da EIU diz que, por outro lado, “o abrandamento do crescimento nos EUA e na China está a reduzir a procura”, por isso, “esperaria um aumento sustentado no preço do Brent para níveis muito altos, de cerca de 90 dólares, apenas se partes significativas das infraestruturas de produção do Golfo fossem desativadas durante alguns meses”.
Mas não é esse o cenário central. E também não é o de Mike Gallagher, da Continuum Economics. Para este analista, “os fundamentos do mercado de petróleo em 2020 ainda continuam os mesmos”. “A nova oferta nos EUA será complementada por mais campos de produção no Brasil e na Noruega, o que até deve empurrar os preços do petróleo para baixo no segundo semestre de 2020”, afirma.
Assim, “mantemos nossa a previsão de 55 dólares para o WTI [West Texas intermediate] até o final de 2020”. O Brent costuma ser cinco dólares mais caro, cerca de 60 dólares, portanto.
Para já, estes valores não colocam em risco a proposta de Orçamento do Estado para 2020, que pressupõe um preço médio anual para o barril de Brent centrado nos 58 dólares.