Quatro anos corridos sobre as tragédias registadas nos incêndios florestais de 2017, lemos na imprensa declarações do presidente da AGIF-Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais GIF e do especialista José Bento Gonçalves, presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos, que afirmam estar Portugal à beira de novas ocorrências catastróficas por causa de incêndios.
Estas declarações aparecem na imprensa sob a forma de alerta público, não se percebendo se constituem uma acusação de ineficácia ao governo ou uma confissão de impotência técnica e científica, ou se, pura e simplesmente, são um aviso aos habitantes das zonas florestais para cuidarem de si próprios quando os fogos aparecerem.
Mas não será estranho que se tenham afetado largos milhões de euros a agências e outras entidades governamentais para resolver as situações críticas identificadas em 2017 e que, quatro anos passados, nos venham alertar para o grave risco de as tragédias se repetirem?
É no mínimo intrigante que, enquanto lemos estes exercícios técnico-científicos de previsão catastrófica proferidos por pessoas habilitadas, esteja a decorrer em Pedrógão um julgamento relativo aos factos de 2017, no qual um dos principais acusados é um comandante de Bombeiros.
Parece bastante óbvio que os incêndios florestais são um problema muito sério em Portugal e que não será apenas com documentos, relatórios, previsões e alertas que se resolverá, porque em algum momento será necessário que alguém coloque as botas no chão e bata o mato para apagar as chamas.
Sabendo desta necessidade também se sabe que são os Bombeiros quem paga a maior fatura de esforço no combate aos fogos, deixando por essas serras de Portugal muito suores, muitas lágrimas e já demasiadas vidas.
Por essa razão, cabe perguntar: o que se fez nestes últimos 4 anos em matéria de organização e capacitação dos nossos Bombeiros, preparando-os convenientemente para os piores incêndios florestais que os especialistas anunciam como certos e inevitáveis?
Não será estranho que se produzam teorias muito interessantes do ponto de vista de laboratório, mas que ignoram a realidade local, o saber fazer no concreto terreno onde há fogo e que ignoram ou secundarizam os Bombeiros no âmbito das ações de supressão do fogo?
Tudo indica que os especialistas creem que os fogos catastróficos são uma fatalidade em Portugal, que somos incapazes de colocar em ação as políticas públicas de segurança florestal que se exigiriam em função das nossas condições naturais e climatéricas.
No entanto, nos últimos 4 anos criaram-se e reforçaram-se entidades especializadas em combate a incêndios florestais em vez de capacitar, reforçar e incentivar os nossos Bombeiros, tudo isto perante a passividade das autarquias mais afetadas e das populações mais sofredoras.
Não será estranho que aceitemos pacificamente todas estas situações, sem que os cidadãos se interroguem sobre o que se está a passar e exijam responsabilidades pelos euros gastos e pelo evidente falhanço das teorias de gabinete e dos palpites de peritos nacionais e internacionais?
No tema dos incêndios florestais há que repor urgentemente o tema da dignidade e da coragem, dois conceitos a que os Bombeiros entregam o seu melhor e mais generoso esforço e muitas vezes a sua vida, porque são eles quem avança contra o medo e o perigo, lutando pela defesa dos bens e das vidas da população rural portuguesa.
Portanto, mais do que oportuno, seria urgente que as autoridades demonstrassem um mínimo de lucidez, criando as condições para que os Bombeiros possam recuperar o seu papel fundamental, tanto no plano operacional como no plano estratégico, melhorando substancialmente as suas capacidades e a sua motivação.
Porque se os Bombeiros continuarem a sentir que podem ser acusados e julgados por algo que todos consideram inevitável, então perguntar-se-á por que razão as sirenes não se calam de uma vez por todas?