Que filhos deixamos ao mundo? 

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Sim, eles reciclam. Também têm pena das baleia e choram os cães perdidos. São sensíveis às imagens das guerras - mais até do que à solidão dos velhinhos abandonados no lar da cidade - e tolerantes à diferença, aliás, quanto mais diferença melhor. Ou o contrário: a falta de diferença é quase desprezível. Dizem-se livres, mais livres do que as gerações anteriores, com as cabeças mais abertas, com mais mundo e mais viajados, a ver pelo Instagram dos nossos jovens. Conhecem melhor a noite de Berlim do que o centro histórico do Porto ou a história contemporânea do seu país. Se calhar nem sabem que há uns anos havia um muro em Berlim porque isso já lá vai.

Sabem pouco de tudo. E o pior daquilo que não sabem é esperar, sem muletas, sem o telemóvel. Exigem resultados imediatos, exigem recompensas rápidas, tudo o que fazem tem de ser com um propósito individual, só deles e para eles. Não concebem ficar uma semana à espera de um novo episódio de uma série; não conseguem ficar à espera de um autocarro sem a companhia da internet, ali especados a ver as pessoas passar e a imaginar a história de cada uma. A impaciência chega em segundos só porque sim, porque desde crianças que é assim. Dantes era a chucha que caía e nós íamos a correr apanha-la para eles pararem de chorar ou o brinquedo novo no supermercado que íamos a correr comprar para parar a birra; agora é o autocarro que não chega ou a aplicação que não abre e os nervos começam a toldar-lhes o juízo. E nós não podemos fazer nada.

É um direito não terem de esperar, não terem de se esforçar, não terem de conquistar aquilo que querem. Tudo lhes é devido, dissemos-lhes. Investir no futuro, semear para colher, sacrificar o bem estar em outro nome que não o deles, não faz parte da educação da geração mais bem preparada de sempre. Não foi preciso nada disso porque nós insistimos sempre em levá-los ao colo. Sempre.

Só que o futuro dos nossos jovens deverá ser o mais incerto de sempre. Rendas caras, salários miseráveis, emprego escasso, benefícios sociais mínimos.

Esta é maior crueldade de todas: educámos uma geração impaciente, sem resiliência, com apurada consciência de direitos individuais e muito pouca de bem comum ou de deveres sociais, e entregamos-lhe um país onde não vão conseguir morar, trabalhar e prosperar. Educámos uma geração que não faz ideia de qual é o percurso da roupa suja desde o cesto até à gaveta, que anda a comer sushi com pauzinhos ainda antes de saber estrelar um ovo, e entregamos-lhe um país em que jantar fora vai ser um luxo asiático.

E sim, a culpa é toda nossa, não só pelo mundo que lhes deixamos como pelos filhos que não estamos a saber preparar. Um mudo que vai precisar de adultos resilientes, pacientes e formados. E bem formados.

Jurista

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