A pergunta soa tão estranha que fico sem saber o que dizer. Eram 6 da manhã de uma segunda-feira. “Padeiro?”, indago-me. “Terei cara de padeiro?”.“Quem trabalha a estas horas são taxistas, padeiros e putas”, continua o motorista. “Como o senhor não tem carro suponho que faça pão”..Digo que não. “Trabalho em escritório”, respondo. “Que tipo de escritório?”, insiste. “Publicidade”, arremato..O homenzinho olha-me pelo retrovisor, faz uma cara de poucos amigos e cala-se. Vem logo à minha cabeça o título de um antigo livro do Jacques Séguéla: “Não diga a minha mãe que faço publicidade. Ela pensa que sou pianista num bordel”..https://www.youtube.com/watch?v=2mTLO2F_ERY.Será que o taxista não gosta de anúncios? Talvez. A nossa atividade é bastante intrusiva. Também é possível que ele apenas não saiba o que dizer a um publicitário que vai trabalhar tão cedo..Boa parte do glamour da publicidade sempre foi pouco mais do que uma imagem projetada, longe da realidade. Sim, atraímos toda sorte de personalidades borderline e caricatas, gente que não se encontrou profissionalmente em lado nenhum, que tentou direito, arquitetura, cinema, letras em geral, até mesmo quase-médicos e quase-futebolistas vêm cá parar..Porém, o nosso dia-a-dia está longe de ser uma amálgama de noites em casinos, carros descapotáveis e drogas de variados tipos. Boa parte de nós (atrevo-me a dizer, a melhor parte de nós) trata-se apenas de operários da comunicação..Gosto do que faço. E para fazer isso bem feito preciso de tempo, esforço, suor. Metade dos dias da semana chego ao escritório antes da senhora da limpeza. Ela sempre ri quando dá-me “Bom dia”. Acho que ajudo a fazer a vida dela mais feliz. Afinal, há mais alguém a bulir antes do sol raiar..Estou quase a fazer 50 anos. O meu primeiro emprego formal como publicitário foi aos 18. Aos 28 anos já era Vice-Presidente de uma multinacional (num país distante daquele em que nasci). Há três possibilidades de um jovem profissional me encarar: 1) Sou um tipo de muita sorte; 2) Sou um génio; 3) Sou muito trabalhador..Como, infelizmente, enquadro-me apenas na terceira opção, costumo dececionar os iniciantes da minha profissão. Eles não querem ter como exemplo alguém que desperta mais cedo do que eles, agarra cada trabalho como se fosse o primeiro, prioriza a satisfação profissional sobre muitas das outras..Até onde posso vou tentando ensinar pelo exemplo. Mas a sociedade, como um todo, não ajuda. Vivemos tempos hedonistas, onde fica mal ser ou dizer-se trabalhador..O Facebook é um retrato disto, uma eterna farra, o elogio dos tempos livres. O Facebook está a ajudar na infantilização da sociedade e na má fama do trabalho. Temo que daqui a 20 anos teremos uma geração de gente que foi muito longe nas férias, mas que marcou passo nas suas realizações profissionais..Não sei se isto é mau, bom ou indiferente. Não tem a ver comigo. Daqui a duas décadas terei 70 anos e, acho, continuarei a enganar taxistas a fingir que sou padeiro..Há quem diga que “quem inventou o trabalho não tinha o que fazer”. Pode ser. Mas como diria o meu Tio Olavo: “A motivação para o trabalho não dura para sempre. O efeito do banho também não. Recomendo as duas coisas diariamente”..Storyteller e publicitário. Escreve às sextas. As crónicas de Edson Athayde.