Quem vai decidir estas eleições é o Ministério Público!

Lucília Gago, Procuradora-Geral da República
Lucília Gago, Procuradora-Geral da RepúblicaMIGUEL A. LOPES/LUSA
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Isto hoje vai ser curto e grosso: Quem vai decidir as próximas eleições é o Ministério Público! Até parece uma conversa de café, mas infelizmente não é; cerca de 80 por cento dos inquéritos abertos pelo Ministério Público não dão em nada; ou seja, somente 20 por cento dos inquéritos abertos acabam por recolher prova suficiente que permita sustentar uma acusação e dar origem a um julgamento.

E, em princípio, qualquer denúncia anónima que revele factos susceptíveis de integrar um crime, e com um mínimo de credibilidade, poderá dar origem à abertura de um inquérito.

Todavia, algo mudou na nossa relação com o Ministério Público e o conhecimento da Operação Influencer; e sobretudo, depois do polémico parágrafo que informava que o primeiro-ministro estava a ser alvo de um inquérito.

Dizia assim o amaldiçoado parágrafo de 7 de Novembro: «No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto supra-referido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente.»

Este parágrafo caiu como uma bomba!, e se António Costa já não teria muitas condições políticas para ficar no Governo, com este parágrafo a sua certidão de óbito estava passada.

O mundo opinativo caiu em cima de Lucília Gago e, ao ser acusada de instrumentalização da justiça, a Procuradora Geral da República passou a revelar todos (e parece que é mesmo todos!) os inquéritos abertos ou em investigação de políticos (e, claro, só os de políticos!).

Agora, informa-se primeiro e dispara-se depois… nem o Lucky Luke conseguiria ser tão rápido! Agora já ninguém poderá ser apanhado de surpresa! Comunicamos primeiro e investigamos depois, e a menos que o suspeito seja menos inteligente que o Jolly Jumper (‘o cavalo mais esperto do mundo’ e amigo inseparável de Lucky Luke), dificilmente alguém será apanhado!

Resumindo, desde dia 7 de Novembro temos sob suspeita todos os políticos portugueses, e se o meu amigo leitor quiser poderemos ter ainda mais, basta fazer uma denúncia anónima jeitosa! Avance! Contribua para a confusão!

Agora, temos um país feliz com a judicialização e suspeita de toda a nossa classe política, e um partido populista de extrema-direita xenófoba a esfregar as mãos de contente, já nem precisa de abrir a boca!

Depois do dia 7 de Novembro passou a ser mais fácil levantar suspeitas sobre todo e qualquer político que exerça um cargo de relevo; agora, poderão ser todos ‘oficialmente’ suspeitos de ser corruptos!

A instrumentalização dos processos

Claro que também já estávamos todos habituados a fugas selectas de informação das investigações em curso por parte de gente envolvida nos inquéritos. É o chamado’ julgamento na opinião pública’, que é sempre mais fácil de obter do que num tribunal! E quando chegam as eleições, aparecem sempre algumas notícias novas nas capas dos jornais, que orientam os seus leitores consoante o perfil editorial da publicação e orientação política dos seus leitores.

Será um novo normal um ex-chefe de gabinete de um secretário de Estado de direita, recolher prova que permita vir a acusar um primeiro-ministro de esquerda no exercício do seu cargo de magistrado do Ministério Público?

Não será necessário uma certa presunção de isenção, um certo pudor e a escusa nos diferentes cargos e funções que cada um de nós aceita exercer? Deverá haver um perfil definido para a entrada no Ministério Público? Devemos permitir que continuem a existir vasos comunicantes entre política e justiça?

Depois da Operação Influencer tivemos para a troca de galhardetes a suspeição sobre a casa do líder da oposição (coisa que até podia ser esclarecida numa tarde!).

E tivemos o patrocínio suspeito de uma construtora brasileira, que já deitou abaixo um regime além-mar, e que alegadamente pagou as contas de campanha do partido agora na oposição e do ex-primeiro-ministro tido como a referência ética desse partido.

Não é o regime que está podre nem corrupto.

Nos dias de hoje o Ministério Público faz coisas que há muitos anos atrás nem sequer ousava fazer, mas muitas vezes deixou-se instrumentalizar...

Parece que os diferentes pilares separados do Estado ficaram tortos, a interferir no espaço uns dos outros, em lutas intestinas.

Talvez seja uma forma para alguns justificarem uma nova ingerência política e tentar acabar com a autonomia e independência do Conselho Superior do Ministério Público, que pela sua composição independente da política, faz de nós um dos países mais avançados a nível europeu.

Nota: O autor escreve segundo o Antigo Acordo Ortográfico

("Até às eleições" é o mote para uma sequência diária de artigos de opinião de Duarte Mexia, que serão publicados, precisamente, até à realização das próximas eleições Legislativas, marcadas para 10 de março.)

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