Receita para enfrentar a crise. Passo 1: Tenha medo

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O medo tem muito má fama. Na cultura empresarial do Ocidente, em especial, com o seu imaginário militar, é mesmo aquela emoção para ser cuidadosamente escondida das tropas.

O que se espera de um empreendedor, de um gestor, de quem quer que tenha decisões a tomar no mundo dos negócios, é que seja ousado, arrojado, destemido. Medo? Que vergonha. Se, porém, não o puder mesmo evitar, ignore-o: o medo, dizem, é mau conselheiro. Os heróis, empresariais incluídos, são os que, mesmo quando têm medo, dão o peito às balas.

Tenho, no entanto, que lhe fazer uma confissão. Nos últimos tempos, cada vez que ouço as notícias, converso com parceiros ou clientes sobre o que se passa no mundo, tenho sentido medo. Há uns dias até me aconteceu, a meio da noite, ser despertado por ele.

Fiquei um bocado a olhar para o teto e a ruminar nos fantasmas desta nossa época. Pensávamos que estavam mortos, e de repente invadem-nos a vida. Guerra. Epidemias. Inflação. Crise de alimentos e de energia. Até a ameaça nuclear - como se ao planeta não bastasse a do clima - voltou para nos assombrar.

E, em pano de fundo, uma tremenda incerteza - mesmo no curto prazo. Como será o inverno, se os países que puxam a economia europeia não tiverem gás para as suas indústrias? Que consequências políticas, se os cidadãos desses países não puderem estar quentinhos em casa?

Mesmo antes de a guerra começar, eu já tinha clientes a cancelarem projetos porque lhes faltavam matérias-primas - ecos, ainda, da pandemia. Outros, com vendas abaixo do esperado, vão refreando os investimentos.

Num contexto assim, se o prezado leitor não sente nem um bocadinho de medo - por si, pelo seu negócio, pelo mundo - desculpe que lhe diga, mas há algo de desregulado consigo.

Não terá sido por acaso que a natureza nos equipou com este mecanismo de alarme. Se eu não perceber uma ameaça como ameaça, não saberei como agir. Ou, se só a perceber intelectualmente, sem que me toque o coração e as vísceras, não agirei com a necessária urgência. Por isso, da minha parte, fico grato ao meu medo. Não por me ter tirado o sono (na verdade foram só uns minutos), mas por me acordar.

Feita a confissão, a pergunta é: como canalizar este saudável sentimento para conseguir evitar - ou, pelo menos, minorar - o que receio?

No mundo animal, o medo costuma provocar três reações. Fugir. Avançar e enfrentar. Ou congelar: fingir-se de morto, não fazer nada. Nenhuma delas é melhor que as outras: tudo depende da circunstância, da correlação de forças, de quem você é e quem é o seu inimigo.

Bichos que somos, diante de uma ameaça escolheremos sempre uma destas opções - qualquer uma das quais tem vantagens e riscos. Face à turbulência atual, por exemplo, podemos cortar investimentos, cortar no marketing, na inovação, desistir de crescer. Mas também podemos avançar: procurar novos mercados, novos mecanismos de venda, novas ideias de produtos, novas parcerias. Ou, por fim, deixar tudo como está. Esperar para ver, pelo menos até levantar-se o nevoeiro.

Acontece que, sendo bichos pensantes, podemos chegar a essa decisão de duas maneiras bem diferentes. Uma é a automática - seguindo, sem pensar muito, os nossos instintos. Numa recessão, por exemplo, cortar custos é quase um reflexo. Na maior parte das empresas será a reação imediata, sem que sequer sejam consideradas outras opções.

É algo que quem está na comunicação ou no marketing sabe muito bem, porque já o sentiu na pele. Ao primeiro sinal de crise, este é aquele "custo" que os nossos clientes - incluindo os internos - primeiro se lembram de cortar. E nem adianta lembrar-lhes que, ao fazê-lo, arriscam comprometer as suas hipóteses de crescer no futuro. O reflexo fala mais alto.

Felizmente há também uma outra forma de escolher: fugir, avançar ou parar, mas de forma mais estratégica, pesando os prós e os contras de cada escolha. Entre estas três opções, ou alguma combinação das três, qual é a melhor para a minha empresa? E, qualquer que seja a decisão, como pretendo executá-la?

Não sei no seu caso, mas para mim não há melhor calmante para o medo do que contar com uma estratégia de resposta, seguida de um bom plano de ação. Mesmo sabendo (mas isto é tema para um próximo artigo) que, por mais fundamentado, claro e realista que seja, um plano é só um plano.

Seja como for, acalmar o medo, domá-lo, canalizando a sua energia para algum tipo de resposta prática, é apenas o segundo passo. Primeiro é preciso que essa energia exista - e, quanto mais das entranhas vier, maior será. Por isso, aqui fica o convite. Temos mais uma crise em curso, e das grandinhas, As coisas não estão fáceis à nossa volta e não parece que vão melhorar depressa. Tenha medo.

Jayme Kopke é diretor-geral e criativo da Hamlet

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